Juros moratórios e imposto de renda
Kiyoshi Harada
Continua confusa a jurisprudência acerca da incidência de imposto de renda sobre os juros moratórios.
A natureza indenizatória dos juros moratórios proclamada à unanimidade da doutrina e da jurisprudência tem base no art. 404 do Código Civil.
O fato gerador do imposto de renda à luz da doutrina e da jurisprudência unânimes é a disponibilidade econômica ou jurídica de rendas ou proventos, assim entendidos os acréscimos patrimoniais de qualquer natureza, como definido no art. 43, I e II do CTN.
O acréscimo ao patrimônio preexistente é o elemento tipificador da incidência do imposto de renda. Este conceito deriva do art. 153, III da CF, pelo que a lei ordinária não pode estatuir hipótese de incidência do imposto de renda onde inexistir o acréscimo patrimonial.
Por isso, a jurisprudência do STF coloca fora do alcance do IR as verbas de natureza indenizatória RREE ns. 548.828/RS, 487.121/RS, 559.964/RS e 591.140/RS. O STJ, por sua vez, editou as Súmulas de ns. 125 e 136 que vedam a incidência do imposto de renda sobre o pagamento de férias não gozadas e o pagamento de licença-prêmio não gozada, por necessidade de serviço, respectivamente, por reconhecer a natureza indenizatórias dessas verbas.
Entretanto, em recente julgado o STJ, reformulando o seu entendimento anterior, decidiu pela incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios decorrentes de salários pagos com atraso porque teriam natureza de indenização por lucros cessantes.
Ora, segundo o Código Civil vigente só há duas espécies de juros: os moratórios e os compensatórios, aqueles decorrentes da mora (natureza indenizatória) e estes decorrentes de uso do capital (natureza remuneratória). Os lucros cessantes, normalmente pagos na desapropriação de um complexo industrial ou de estabelecimento comercial, decorrentes da paralisação temporária da atividade industrial/comercial, não integram a categoria de juros.
Agora, mais lenha foi jogada na fogueira da confusão.
O Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul acaba de declarar a inconstitucionalidade do inciso II, do art. 43 e § 1º do CTN e do § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88, sem redução de texto.
Essa é a primeira inconstitucionalidade de um dos dispositivos da Lei nº 5.172/66 pronunciada até hoje, ao longo de quase quatro décadas de vigência. O fato de os textos originais dessa Lei não ter sofrido nenhuma impugnação até recentemente revela a sua boa qualidade, resultante que é de anteprojeto de autoria de renomados juristas nacionalmente consagrados. Pena que leis atuais não ostentam a mesma qualidade do CTN.
O inciso II, do art. 43 do CTN declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do TJERS é exatamente aquele que veda a tributação dos juros moratórios pelo imposto de renda, por não existir acréscimos patrimoniais. E o § 1º, do art. 3º da Lei nº 7.713/88 igualmente atingido pela decisão daquele Tribunal está em plena harmonia com o dispositivo do CTN, impedindo a tributação de rendas ou proventos que não se traduzem em acréscimos patrimoniais.
E o § 1º, do art. 43 do CTN, também hostilizado pelo V. acórdão prescreve que a interpretação do conteúdo de norma definidora fato gerador do IR independe da denominação dada à receita ou rendimento, da localização, da condição jurídica ou nacionalidade da fonte. É a reprodução do princípio expresso no caput do art. 4º e inciso I do CTN. Onde a inconstitucionalidade?
Deveria, isto sim, o Tribunal declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 16 da Lei nº 4.506/64 que classifica como rendimentos de trabalho assalariado os juros moratórios e quaisquer outras indenizações previstas no caput. Mas, o Tribunal não conheceu a arguição de inconstitucionalidade desse parágrafo único sob o fundamento de que ele não foi recepcionado pela Constituição de 1988. De confusão em confusão vai-se afastando as normas conformadas com o texto constitucional e mantendo outras que com ele conflita.
O STJ, por sua vez, após julgar em caráter repetitivo que incide o imposto de renda sobre juros moratórios decorrentes de pagamento de salários com atraso passou a rediscutir a matéria, recentemente, no âmbito da 1ª Seção, aonde seis votos já foram proferidos: quatro votos pela não incidência e dois votos pela incidência do IR.
Qualquer que seja o resultado desse julgamento a palavra final caberá ao Supremo Tribunal Federal à luz do conceito constitucional de renda que envolve acréscimo patrimonial. Sem elemento novo que venha acrescer o vulto do patrimônio preexistente não há que se falar em incidência do imposto de renda.
Kiyoshi Harada
Sócio fundador da Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos - CEPEJUR. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo e ex-Diretor da Escola Paulista de Advocacia.