IRF sobre benefícios acumulados

Marcello Leal

Introdução

A Lei nº 8.213/91 que versa sobre o pagamento dos benefícios previdenciários, no seu artigo 41, dispõe que o primeiro pagamento de renda mensal de qualquer benefício previdenciário do RGPS deve ser pago até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão (art. 41, § 6º, da Lei n. 8.213/91).

Não obstante a previsão em lei do referido prazo, é comum na prática o recebimento acumulado de quantias atrasadas com efeito retroativo, vez que por diversas vezes o INSS demora além do tempo previsto para conceder e revisar benefícios por ele gerenciados.

A Receita Federal do Brasil, acompanhada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, por muito tempo adotou uma interpretação literal de alguns dispositivos da Lei n. 7.713/88, em especial os artigos 12 e 12-A, acarretando a aplicação do regime de caixa na análise da incidência de imposto de renda sobre o montante creditado referente aos benefícios acumulados, independentemente do valor da renda mensal ou da diferença nela porventura existentes.

Ocorre que tal entendimento vinha sendo sistematicamente refutado pela jurisprudência pátria, tanto nas instâncias ordinárias como nos tribunais superiores, tendo sido objeto inclusive de arguição de inconstitucionalidade (nº 2002.72.000434-O/SC) e de ação civil pública (nº 1999.61.00.003710-0/SP) com reconhecida repercussão nacional, com decisões proferidas foram contrárias às teses fazendárias.

Recentemente, principalmente diante da regulamentação trazida pela MP 497, tendo sido convertida na Lei 12.350, ambas de 2010, que positivou o entendimento da jurisprudência pátria quanto à inconstitucionalidade da cobrança do imposto de renda no caso sob análise, a Receita Federal do Brasil publicou a Instrução Normativa 1.127, em 08/02/2011, regulamentando a apuração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física incidente sobre os rendimentos recebidos acumuladamente.

A presente tese trata das principais conseqüências jurídicas decorrentes da edição da referida Instrução Normativa, que chancelara o entendimento dos contribuintes quanto à legalidade da cobrança do IRPF e da possibilidade jurídica da repetição dos valores pagos indevidamente por inúmeros credores do INSS.

1- Do entendimento judicial sobre o tema

O presente tema vem sendo objeto de discussão no poder judiciário já de longa data. Faremos nesse capítulo uma breve referência histórica dos julgados mais célebres, salientando que nossa intenção aqui será de apenas demonstrar que o entendimento defendido pelos contribuintes fora apreciado em diversas ocasiões por variadas instâncias e tribunais de nosso país ao longo dos anos, sempre em detrimento da tese da Fazenda Pública, o que demonstra não se tratar de tese sedimentada em poucos julgamentos isolados.

Recentemente, o Tribunal Federal Regional da 4ª Região deu provimento parcial à arguição de inconstitucionalidade nº 2002.72.000434-0/SC, relatada pelo Desembargador Federal Álvaro Eduardo Junqueira, para dar interpretação à regra veiculada no art. 12 da Lei 7.713/1988, sem redução de texto, dispondo que no caso dos rendimentos recebidos acumuladamente, o imposto incidirá, no mês do recebimento ou crédito, sobre o total dos rendimentos, diminuídos do valor das despesas com ação judicial necessárias ao seu recebimento, inclusive de advogados, se tiverem sido pagos pelo contribuinte, sem indenização.

O Superior Tribunal de Justiça já enfrentou o tema em diversas ocasiões. Citaremos aqui trecho da decisão proferida em 27 de setembro de 2005, no Recurso Especial 758.779/SC, relatado pelo Ministro José Delgado, constante da ementa do referido acórdão:

2. Não se pode impor prejuízo pecuniário à parte em razão do procedimento administrativo utilizado para o atendimento do pedido à seguridade social que, ao final, mostrou-se legítimo, tendo que deferido, devendo ser garantido ao contribuinte isenção de imposto de renda, uma vez que se recebido mensalmente, o benefício estaria isento de tributação.

O entendimento ventilado pelo acórdão acima transcrito, prestigiando a tese do contribuinte, foi seguido em diversos outros julgados daquele Superior Tribunal quando compelido a enfrentar novamente este assunto. É o que podemos observar, à título de exemplo, nos acórdãos preferidos nos Recursos Especiais de números 1.075.700/RS, 1.094.511/RJ, 1.092.228/SP, e 1.115.111/SP.

Importante que seja lembrado outro ponto de extrema relevância na tese dos contribuintes que fora acolhido pela jurisprudência sedimentada do Superior Tribunal de Justiça, qual seja e da não incidência do imposto de renda sobre os juros de mora recebidos pelo contribuinte, na vigência do Código Civil de 2002, por terem natureza jurídica indenizatória, conforme se depreende da ementa do seguinte julgado:

REsp 1075700/RS
Relatora Ministra ELIANA CALMON
Ementa
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RENDIMENTOS RECEBIDOS ACUMULADAMENTE.BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ATRASADO. JUROS MORATÓRIOS INDENIZATÓRIOS.NÃO-INCIDÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535, CPC. OMISSÃO QUANTO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 356 DO STF.
4. No caso de rendimentos pagos acumuladamente, devem ser observados para a incidência de imposto de renda, os valores mensais e não o montante global auferido.
5. Os valores recebidos pelo contribuinte a título de juros de mora, na vigência do Código Civil de 2002, têm natureza jurídica indenizatória. Nessa condição, portanto, sobre eles não incide imposto de renda, consoante a jurisprudência sedimentada no STJ.

Inconformada, a Fazenda Pública tentou levar o tema ao conhecimento do STF através da interposição de diversos Recursos Extraordinários. Contudo, fora decidido pelo Supremo Tribunal no julgamento do RE nº 592.211-1/RJ, relatado pelo Ministro Menezes Direito, em julgamento de 6 de novembro de 2008, a ausência de repercussão geral na discussão relativa à incidência de imposto de renda sobre as alíquotas aplicáveis nos rendimentos pagos acumuladamente.

Diante deste fato, não teve outra saída a Fazenda Pública senão reconhecer a inutilidade de continuar insistindo na procedência de sua tese nos tribunais, passando a deixar de contestar e recorrer em ações judiciais movidas pelos contribuintes, em tema de incidência de imposto de renda sobre rendimentos recebidos acumuladamente, na forma dos pareceres PGFN/CRJ números 287/2009 e 815/2010.

Ressalte-se que até mesmo o tema já fora objeto de preocupação do Ministério Público Federal, quando da propositura da Ação Civil Pública nº. 1999.61.00.003710-0/SP, em face da União e do INSS, com alcance nacional, cujo pedido de tutela antecipada foi deferido para determinar ao INSS que se abstenha de efetuar o desconto na fonte do IR, nas hipóteses de pagamento realizado a destempo e de forma acumulada, administrativa ou judicialmente, de benefícios ou pensões previdenciárias ou assistenciais, com valores originais inferiores ao limite de isenção tributária.

2 – Da tese da Fazenda Nacional

Para melhor compreensão do tema, iremos tratar aqui em breves linhas da tese defendida pela Fazenda Nacional. Pretendemos com isso apenas compreender melhor o tema, pois o estudo da tese fazendária nos revelará com maior clareza a injustiça e patente ilegalidade que por anos sob a visão do Fisco legitimara aquela cobrança, mas sem pretender ressuscitar uma discussão que já fora sepultada em nossos tribunais.

A Fazenda Pública apoiou-se nos seguintes argumentos: a) no caso de rendimentos recebidos acumuladamente, o imposto incidirá no momento do pagamento desses valores, sobre o total dos rendimentos; b) as parcelas recebidas tem natureza jurídica remuneratória, constituindo, pois, renda a ser tributada, fato gerador do imposto de renda, que ocorrerá quando da aquisição e disponibilidade econômica; c) as normas que disporem acerca da isenção e exclusão do crédito tributário, devem ser interpretadas de forma literal e restritiva e, finalmente, d) não há qualquer dispositivo legal que autorize a isenção do imposto de renda da verba de indenização.

Em conclusão, a tesa fazendária se apoia na aplicação do regime de caixa, extraída da interpretação literal do art. 12 da Lei 7.713/88, que significa dizer por este entendimento os rendimentos recebidos acumuladamente suscitam incidência única do imposto de renda, que se dá no momento do pagamento, e que deve ser calculado sobre o total dos vencimentos. Aplicar-se-ia de modo direto e literal a regra do art. 43 do CTN, que identifica o regime de disponibilidades, jurídica e econômica, apta a ensejar a tributação pela obtenção de renda.

Este tese, conforme visto acima, não foi a acolhida pela jurisprudência de nossos tribunais.

3 – Da Instrução Normativa nº 1.127 de 2011

A Receita Federal do Brasil, consolidando o entendimento pacífico dos tribunais e de acordo com o entendimento do Parecer nº 815 da PGFN, publicou no dia 08/02/11 a Instrução Normativa RFB nº 1127, que trata dos procedimentos a serem observados na apuração do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) incidente sobre os rendimentos recebidos acumuladamente (RRA). As regras foram instituídas pela Medida Provisória 497, de 28 de julho de 2010, convertida na Lei 12.350, de 20 de dezembro de 2010.

Pela norma, rendimentos acumulados recebidos em 2010 relativos aos anos anteriores ao do recebimento terão tributação exclusiva na fonte, no mês do credito ou pagamento.

A regra se aplica a:

– Rendimentos de aposentadoria, pensão, transferência para a reserva remunerada ou reforma, pagos pela Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios;

– Rendimentos do trabalho.

O imposto será retido pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento ou pela instituição financeira depositária do crédito e será calculado sobre o montante dos rendimentos pagos, com a utilização da tabela progressiva abaixo.

Daremos um exemplo prático para melhor compreensão de como será feito o cálculo a partir de então:

A fonte pagadora está calculando o rendimento recebido acumuladamente no ano-calendário de 2010, referente a 10 (dez) meses relativos a diferenças salariais devidas em 2008. Considerando-se, como exemplo, um rendimento recebido acumuladamente no valor de R$ 20.000,00:

1) Caso fossemos aplicar da tabela progressiva fonte/mensal em consonância com o antigo entendimento da Fazenda (sem aplicação da nova regra), teríamos que:

– rendimento acumulado = R$ 20.000,00

– alíquota aplicável = 27,5%

-Imposto = R$ 4.807,22;

2) Com a aplicação da nova regra – tabela considerando o período de 10 meses:

– rendimento acumulado = R$ 20.000,00

– alíquota aplicável= 7,5%

– Imposto = R$ 375,64.

Importante notar que no preenchimento da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, a ser entregue pelo contribuinte pessoa física, no período de 1º de março a 29 de abril de 2011, o valor será informado na ficha "rendimentos recebidos acumuladamente".

4 – Conclusão

Em caso de pagamento acumulado de prestações previdenciárias atrasadas, o imposto de renda a ser retido na fonte ou a ser pago pelo beneficiário, não deve ser superior ao que o mesmo pagaria (ou seria isento), caso tivesse recebido seu benefício mês a mês, na data de vencimento de cada parcela.

A mesma solução é aplicável, seja em decorrência da demora no esgotamento das vias administrativas ou da demora da solução jurisdicional.

Outra solução ofenderia o princípio da igualdade, porque segurados ou dependentes da mesma faixa de rendimentos sofreriam tratamento diferenciado. O que recebeu em dia seria isento ou pagaria menos imposto de renda sobre seu benefício do que teria que pagar quem veio a receber valores acumulados apenas porque sofreu as consequências da demora na concessão.

O pagamento tardio apenas recompõe o patrimônio do credor, o que não pode ser confundido com renda nova para fins do cálculo do imposto de renda.

É cabível o ajuizamento da ação com pedido de repetição de indébito fiscal, a ser proposta pelo contribuinte prejudicado em face da União Federal (Fazenda Nacional), perante o Juizado Especial Federal ou perante a competente Vara da Justiça Federal, para reaver imposto de renda retido indevidamente ou recolhido acima do que seria devido se o pagamento tivesse ocorrido mês a mês, nas datas de vencimento de cada mensalidade.

Marcello Leal

Advogado especialista em direito tributário pela Universidade Federal Fluminense

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