Das “Memórias Constitucionais” e suas consequências ao operador do Direito Moderno

Juarez Casagrande

Sem vacilar quanto à questão sobre o que são as memórias constitucionais – podemos inicialmente ressaltar que elas são pré-conceitos de tudo o que o estudioso do direito observou da norma no tempo em que a mesma existia como ciência a ser estudada e examinada pelo intérprete. São conceitos (pré) que se formam no tempo e no espaço enquanto o estudioso busca dissecar a hermenêutica da norma.

Neste sentido, interpretações constitucionais ou memórias constitucionais é tudo aquilo que foi conhecido e aplicado no momento em que o fato atraiu a norma para si.

No âmbito específico da hermenêutica constitucional, Konrad Hesse nos faz advertência idêntica, ao dizer que o intérprete não pode compreender o conteúdo da norma de um ponto situado fora da existência histórica, um ponto por assim dizer, arquimédico, senão somente na situação histórica concreta em que se encontra, e cuja maturação informou seus conteúdos de pensamento e determina seu saber e seu (pré)-juízo. Em suma, o intérprete entende o conteúdo da norma a partir de uma (pré)-compreensão, que primeiramente lhe torna possível olhar a norma com certas esperanças, projetar-se um sentido do todo e chegar a um anteprojeto que, então, em penetração mais profunda, carece de confirmação, correção e revisão, até que se determine, univocamente, a unidade de sentido, como resultado de permanentes aproximações entre os projetos revisados e o objeto que, por meio deles, se intenta compreender. [1] 

Disso resulta que toda interpretação é guiada pela pré-compreensão do intérprete, como afirmou Martin Heidegger, em lição que nos parece definitiva:

 

“A interpretação de algo como algo funda-se, essencialmente, numa posição prévia, visão prévia e concepção prévia. A interpretação nunca é a apreensão de um dado preliminar, isenta de pressuposições. Se a concreção da interpretação, no sentido da interpretação textual exata, se compraz em se basear nisso que “está” no texto, aquilo que, de imediato, apresenta como estando no texto nada mais é do que a opinião prévia, indiscutida e supostamente evidente, do intérprete. Em todo princípio de interpretação, ela se apresenta como sendo aquilo que a interpretação necessariamente já “põe”, ou seja, que é preliminarmente dado na posição prévia, visão prévia e concepção prévia”.[2]

 

Unindo-se o direito constitucional com a interpretação e dissecação do estudo da norma ou pré-conhecimento como entendem alguns doutrinadores[3], surgem as memórias constitucionais de lembranças que se traduzem num conhecimento difuso, feito de imagens, representações e idéias, digamos, irracionais, sobre os principais problemas com que se defrontam a teoria e a práxis constitucionais, noções vagas e imprecisas que serão ordenadas ao longo da sua formação acadêmica. [4]

O sempre estudioso do direito contemporâneo e do direito moderno, Professor Inocêncio Mártires Coelho, assim leciona:

 

Diante das obras de arte do Quijote de Cervantes ou da Pietà de Miguel Angelo, das Meninas de Velázquez ou da Nona Sinfonia de Beethoven esse ir e vir compreensivo, que atravessa séculos e gerações, vai progressivamente enriquecendo e ampliando os objetos com novas interpretações, abordagens que nem pelo fato de serem diferentes invalidam as interpretações anteriores, num processo de superação e, ao mesmo tempo, de conservação e de absorção de significados.

 

E continua:

 

No campo do direito, onde também encontramos obras de arte, representadas, entre outras, pelos chamados monumentos legislativos a Lei das XII Tábuas, o Corpus Juris Civilis, a Magna Carta, a Constituição dos Estados Unidos ou o Código de Napoleão, por exemplo, gerações e gerações de juristas e de filósofos do direito, ao longo dos séculos, vêm se debruçando e produzindo interpretações sempre renovadas, mas tão impregnadas nas anteriores, que muitos as consideram elementos originariamente integrantes da normatividade daqueles textos.

 

Por isso é que juristas do porte de Radbruch  nisto distinguindo-a da interpretação filológica afirmam que “a interpretação jurídica não é pura e simplesmente um pensar de novo aquilo que já foi pensado, mas, pelo contrário, um saber pensar até ao fim aquilo que já começou a ser pensado por um outro”. [5] Noutros termos, não uma estéril e circular repetição do que já foi dito, mas um dialético levar adiante  preservado, transformado e, por essa forma, enriquecido  um pensamento que apenas se iniciou e que, por sua natureza, não impõe limites para novas leituras, como é próprio das coisas do espírito. [6]

No contexto do que são, e qual a função que as memórias constitucionais refletem ao estudioso do direito constitucional, – verificamos a impossibilidade do esquecimento desta forma de verificação do direito. E isto se diz até mesmo porque o direito ainda continua sendo perscrutado no objetivo de todos que assim o fizerem, fazer parte da cooperativa da verdade.[7] Em suma, a construção do direito moderno com olhos no direito já incorporado as memórias dos estudantes, sem, no entanto, rechaçar qualquer um dos dois, isso tudo buscando construir uma nova interpretação conforme o tempo em que se lê a norma.

 



[1] Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, págs. 61/62.

[2]           Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2ª ed., 1988, Parte I, pág. 207; Nota Explicativa 51,  pág. 23.

[3] Em suma, o intérprete entende o conteúdo da norma a partir de uma (pré)-compreensão, que primeiramente lhe torna possível olhar a norma com certas esperanças, projetar-se um sentido do todo e chegar a um anteprojeto que, então, em penetração mais profunda, carece de confirmação, correção e revisão, até que se determine, univocamente, a unidade de sentido, como resultado de permanentes aproximações entre os projetos revisados e o objeto que, por meio deles, se intenta compreender. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, págs. 61/62.

 

[4] Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, págs. 23/24.

[5]           Filosofia do Direito. Coimbra: Arménio Amado, vol. I, 1961, pág. 274. Cf., do mesmo Radbruch, estas passagens, relembradas por Josef Esser: “ O sentido suprahistórico de uma obra do espírito é recriado a cada geração” ; “  A história de uma idéia  jurídica não chega ao seu fim… pelo fato de ter sido concretizada em uma lei, a história ulterior de suas diversas interpretações … não é somente a história das errôneas maneiras de entendê-la”. Princípio y norma,  cit., pág. 329, nota 96. 

[6]           Para uma visão crítica do que considera equívocos e exageros das explicações diáleticas do desenvolvimento da razão, cf. Karl Popper, Que é a Dialética, in Conjecturas e Refutações. Trad. Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1972, págs. 342/365.

[7] [7] Ortega y Gasset. Verdad y Perspectiva, in El Espectador. Obras Completas, cit., Tomo II, 1963, págs. 18/19. Essa concepção perspectivística de verdade é valorizada pela hermenêutica filosófica contemporânea, como atestam estas palavras de Gianni Vattimo: "Não existe verdade objetiva em parte nenhuma; não há ninguém que veja a verdade sem ser com os olhos, e os olhos são sempre os olhos de alguém. Se quero arrancar os olhos para ver as coisas como realmente são, não vejo mais nada". Entrevista publicada no Caderno Mais!, do jornal "Folha de S. Paulo", edição de 2/6/2002.

 

Juarez Casagrande

Especialista em Direito Tributário e Constitucional.

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