Da nova hipótese de incidência do ISS para as sociedades de profissionais com características empresariais, à luz da Lei nº 5.739/2014, e a ilegalidade da cobrança retroativa do imposto

Leonardo Tavares Dias

A edição da Lei nº 5.739/2014, que alterou o Código Tributário do Município do Rio de Janeiro (Lei nº 691/84), trouxe consideráveis modificações à tributação do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) para as sociedades constituídas de profissionais para o exercício de medicina, enfermagem, fonoaudiologia, medicina veterinária, contabilidade, agenciamento da propriedade industrial, advocacia, engenharia, arquitetura, agronomia, odontologia, economia e psicologia, que prestem serviços em nome da sociedade.

Importa esclarecer que as sociedades compostas por tais profissionais (também denominadas de uniprofissionais) são beneficiadas por uma tributação diferenciada/reduzida, que consiste na apuração do imposto com base em alíquotas fixas ou variáveis aplicáveis em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade e assuma responsabilidade pessoal pelos serviços prestados, conforme previsto no art. 9º, §1º c/c §3º, do Decreto-Lei nº 406/68:

"Art. 9. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
§ 3º Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável."

Objetivando esmiuçar a aplicabilidade da aludida tributação especial já regulamentada pela Lei nº 3.720/2004, foi recentemente promulgada a referida Lei nº 5.739/2014, que teve por enfoque restringir ainda mais a tributação privilegiada do ISS apenas às sociedades civis que, em suma, não se caracterizem como sociedades empresariais.

Para tanto, a Lei nº 5.739/2014 e suas respectivas regulamentações, especificaram ainda mais as hipóteses previstas na Lei nº 3.720/2004, em que as sociedades constituídas pelos referidos profissionais serão consideradas empresariais para fins fiscais, desenquadrando-as, assim, do conceito de sociedade uniprofissional e, em paralelo, buscando impedi-las de gozar do correspondente aproveitamento da tributação privilegiada do ISS.

De acordo com a referida legislação, e para fins de incidência do aludido desabono fiscal às sociedades dessa natureza, serão consideradas empresárias as sociedades que: (i) todos os sócios não possuam a mesma habilitação; (ii) os serviços não se caracterizem como trabalho pessoal dos sócios; (iii) tenham como sócio pessoa jurídica e/ou sócio que apenas aporte recursos ou administre a sociedade; (iv) exerçam o comércio; (vi) terceirizem ou repassem a terceiros quaisquer serviços relacionados a sua atividade-fim; (vii) o contrato social seja registrado no Registro Público de Empresas Mercantis (JUCERJA) e não sejam constituídas sob forma de sociedade simples pura, (viii) dentre outros tantos.

Com base nessas premissas é que a Municipalidade do Rio de Janeiro poderá buscar a cobrança do imposto das respectivas sociedades civis que a Fiscalização Carioca eventualmente entender que se enquadrem na condição de sociedade empresária, na forma como delimitado pela Lei nº 5.739/2014.

E é justamente a caracterização da sociedade como empresária (ou não), que definirá se a mesma poderá valer-se (ou não) da tributação especial instituída pelo no art. 9º, §1º c/c §3º, do Decreto-Lei nº 406/68, às sociedades uniprofissionais.

Logo, é possível, e até mesmo provável, que com a edição da referida Lei nº 5.739/2014, sobrevenham autuações fiscais pelo Município do Rio de Janeiro objetivando a cobrança do ISS das sociedades uniprofissionais que venham a ser desenquadradas de tal conceituação, por serem consideradas de natureza empresarial.

Na hipótese de ocorrer o referido desenquadramento da sociedade uniprofissional pela Fiscalização – o que também é passível de discussão em razão de peculiaridades que podem revestir a natureza jurídica da sociedade -, há que se esclarecer que a eventual cobrança retroativa do imposto pelo Município do Rio de Janeiro com base nos novos critérios trazidos pela Lei nº 5.739/2014, que introduziu nova hipótese de incidência tributária, violará o artigo 150, inciso III, alíneas "a" e "b", da Constituição Federal de 1988, bem como aos artigos 105, 144 e 146, do Código Tributário Nacional, que vedam a cobrança de tributos sobre fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído (princípio da irretroatividade da lei tributária). Por essa razão, qualquer ato administrativo do Município do Rio de Janeiro que objetive a cobrança de tais créditos tributários será inconstitucional e ilegal.

Para esta mesma finalidade de ver recolhido o imposto de forma retroativa, mas sem a necessidade de que sejam lavradas autuações fiscais pela fiscalização carioca, a Lei nº 5.739/2014 concede aos contribuintes a opção de confissão da suposta dívida para pagamento de créditos tributários de ISS e multas eventualmente decorrentes, relativos a fatos geradores vencidos – com atrativos benefícios (anistia de até 85%).

Aí, muito provavelmente, está o objetivo capital da Lei nº 5.739/2014, ou seja: oferecer supostos benefícios para que o contribuinte acabe por arcar com o pagamento de imposto pela falsa percepção de estar fazendo um ótimo ‘negócio’ junto ao Município do Rio de Janeiro, diante dos atrativos benefícios que lhe são apresentados (elevadas remissões e anistias).

Ocorre, contudo, que esse cenário de confissão de dívida também implica na cobrança retroativa de créditos tributários de ISS, o que viola à Constituição Federal de 1988 e o Código Tributário Nacional, razão pela qual a dita confissão de dívida importa, em última análise, no pagamento de créditos tributários manifestamente indevidos, o que, portanto, é desaconselhado.

Com relação à cobrança do ISS pela Municipalidade Carioca relativamente aos fatos geradores futuros, por outro lado, faz-se necessário que as sociedades uniprofissionais não tenham características de sociedade empresária para que possam se valer da tributação beneficiada do imposto na forma do Decreto-Lei nº 406/68. Do contrário, i.e., caso tenham características empresárias, as ditas sociedades de profissionais estarão sujeitas ao pagamento do imposto tendo como base de cálculo o total das receitas auferidas no mês de referência pela alíquota de 5% (cinco por cento), o que representará um significativo aumento em sua carga tributária.

Assim, verifica-se, em suma, que essa nova hipótese de incidência fiscal do ISS para as sociedades constituídas pelos profissionais em voga está intrinsecamente atrelada à efetiva caracterização da sociedade como empresária ou não.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por seu turno, já se manifestou e definiu que as sociedades de profissionais constituídas por cotas e com responsabilidade limitada são empresariais, não podendo se valer, assim, do benefício fiscal previsto no Decreto-Lei nº 406/68, conforme se extrai dos julgamentos abaixo:

"A jurisprudência das duas Turmas que compõem a Primeira Seção é uniforme no sentido de que o benefício da alíquota fixa do ISS somente é devido às sociedades unipessoais integradas por profissionais que atuam com responsabilidade pessoal, não alcançando as sociedades empresariais, como as sociedades por quotas cuja responsabilidade é limitada ao capital social." (STJ – EDcl no AREsp 425635/PE – DJe 16/12/2013)
"A orientação da Primeira Seção/STJ pacificou-se no sentido de que o tratamento privilegiado previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/68 somente é aplicável às sociedades uniprofissionais que tenham por objeto a prestação de serviço especializado, com responsabilidade pessoal dos sócios e sem caráter empresarial. Por tais razões, o benefício não se estende à sociedade limitada, sobretudo porque nessa espécie societária a responsabilidade do sócio é limitada ao capital social (AgRg nos EREsp 1182817/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 29.8.2012)." (STJ – AgRg no AREsp 420198/PR – DJe 10/12/2013)
"A sociedade civil, ainda que composta por médicos, faz jus ao benefício previsto no art. 9º, § 3º, do DL 406/68, apenas se prestar serviço especializado, com responsabilidade pessoal e sem caráter empresarial." (STJ – AgRg no REsp 1132677/MG – DJe 15/02/2013)

De acordo com o aludido entendimento do STJ sobre a questão, tem-se que o referido benefício fiscal concedido pelo Decreto-Lei nº 406/68 não se estende às sociedades compostas por tais profissionais cuja responsabilidade seja limitada, na medida em que tal constituição societária vai de encontro ao que prevê o §3º do art. 9º, do referido Diploma legal, que expressamente condiciona o aproveitamento do referida tributação privilegiada à assunção de responsabilidade pessoal (e não limitada) pelos profissionais/sócios da sociedade.

Portanto, necessário se faz avaliar a documentação pertinente das sociedades dessa natureza para avaliar se as mesmas possuem características empresariais ou não para fins de aproveitamento da alíquota fixa e reduzida do ISS.

Diante disso, a fim de analisar eventuais riscos fiscais para a respectiva sociedade de profissionais, entendemos imprescindível a avaliação de cada caso isoladamente com o propósito de apurar se a respectiva sociedade de profissionais se enquadra no conceito legal de sociedade uniprofissional ou de sociedade empresarial, definindo-se, com isso, a que tipo de tributação a mesma estará sujeita e, ainda, a melhor estratégia jurídica a ser adotada para proteger os interesses da sociedade.

Leonardo Tavares Dias

Advogado, sócio fundador do escritório Tavares Dias Advogados; Graduado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ); Especializado em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Especializado em Direito Desportivo pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).

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