Conheça as leis que moldaram o Brasil nos 200 anos da Independência

Sérgio Rodas

O Brasil completa 200 anos como país independente de Portugal nesta quarta-feira (7/9). Nesse período, diversas leis ajudaram a moldar a sociedade brasileira. Algumas das normas mais importantes aboliram a escravidão, estabeleceram a democracia, instituíram direitos trabalhistas e criaram mecanismos de proteção ao meio ambiente.

Em 1808, a família real portuguesa, temendo os avanços do imperador francês Napoleão, se refugiou no Brasil, transferindo a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves para o Rio de Janeiro.

Depois de chegar ao Rio, D. João VI passou a tomar diversas medidas que pavimentaram o caminho para o processo de independência do Brasil, como a abertura dos portos às nações amigas, o fim da proibição de indústrias, a construção de um sistema de tributação centrado nas incidências sobre o comércio exterior e a criação dos cursos universitários.

Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro I declarou a independência do Brasil às margens do Rio Ipiranga, em São Paulo.

A ConJur pediu a advogados e professores que apontassem as leis mais importantes para a formação do país e da sociedade brasileira nos dois séculos como nação independente. Veja abaixo as normas citadas pelos especialistas.

Império (1822-1889)

Constituição de 1824
O início do constitucionalismo no Brasil é influenciado pelas constituições dos EUA (1787), da França (1791) e, especialmente, de Portugal (1822), condicionadas pelo contexto liberal-burguês da época, aponta Ingo Sarlet, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

A convocação de eleições para a primeira Assembleia Constituinte brasileira ocorreu em 3 de junho de 1822, três meses antes da declaração de independência. O órgão foi instalado em 3 de maio de 1823.

Contudo, a Assembleia Constituinte foi dissolvida por D. Pedro I em 12 de novembro de 1823, no episódio que ficou conhecido como a “Noite da agonia”, ressalta o jurista Lenio Streck, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá. O Exército invadiu o Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, e prendeu diversos deputados. Destituída a Constituinte, D. Pedro I reuniu dez cidadãos de sua confiança, que redigiram a primeira constituição do Brasil, outorgada em 25 de março de 1824.

Ou seja, “a história constitucional brasileira já se inicia com a marca do autoritarismo e da centralização do poder, que, como se sabe, veio a ser uma lamentável constante — com altos e baixos — até a presente data”, avalia Sarlet.

A Constituição de 1824 “era liberal, protegia direitos e impunha limites”, analisa o ex-secretário nacional de Justiça Vladimir Passos de Freitas, professor da PUC do Paraná e desembargador federal aposentado.

A Carta Imperial instituiu um governo monárquico, constitucional e representativo. A organização do poder se caracterizava pela centralização nas mãos do monarca, em especial mediante a criação de um poder moderador, exercido pelo imperador, que tinha a prerrogativa de intervir no Executivo (que ele também chefiava), no Legislativo e no Judiciário, ressalta Sarlet.

“A Carta de 1824, outrossim, a despeito de um catálogo significativo e, para a época, moderno de direitos e garantias individuais, acabou por chancelar e legitimar a maior chaga da história brasileira, qual seja o regime escravocrata, que dava sustentação à economia e à dominação das elites econômicas e políticas. Tratava-se de uma constituição do tipo semirrígido, visto que parte do texto poderia ser alterado mediante o procedimento legislativo ordinário, destacando-se, ainda, a ausência de um controle judicial de constitucionalidade das leis e a existência, no catálogo constitucional de direitos, de alguns elementos sociais, dada a influência predominante do constitucionalismo francês”, opina o constitucionalista.

O advogado Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, autor do livro Direito e História — uma relação equivocada (Edições Humanidades), destaca que a Constituição de 1824 era “substancialmente liberal, forte na defesa do direito de propriedade, tanto que o País contava com trabalho escravo”. O escravo era “coisa”, e não “pessoa”. Por isso, podia ser comprado, vendido, emprestado, alugado ou hipotecado.

O processo eleitoral disposto na Constituição de 1824 consistia em eleições indiretas, cita Godoy. Dessa maneira, cidadãos denominados “ativos” elegeriam em assembleias paroquiais os eleitores de província, que, por sua vez, escolheriam os então denominados representantes da nação.

O modelo político era centralizado, diz Godoy. “As províncias não tinham autonomia e soberania e eram governadas por presidentes, nomeados pelo imperador, que os removia quando entendesse, na conveniência do bem do serviço do Estado. Nos municípios, que se denominavam de cidades ou de vilas, haveria câmaras, que apreciariam problemas locais; os vereadores eram eleitos por populações locais, desde que detentores de direito de voto. A participação popular era mínima”.

A Carta Imperial ainda criou a estrutura tributária do Brasil e regulamentou o funcionalismo.

Lei de Criação dos Cursos Jurídicos (1827)
Após chegar ao Rio de Janeiro, em 1808, D. João VI passou a tomar diversas medidas que iniciaram o processo de independência do Brasil. Nesse movimento, foram criados os primeiros cursos universitários do país.

Em 1808, foram criadas as escolas de Cirurgia e Anatomia, em Salvador (hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia), e de Anatomia e Cirurgia, no Rio de Janeiro (atual Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro), e a Academia da Guarda Marinha, também no Rio. Dois anos depois, foi fundada a Academia Real Militar (atual Escola Nacional de Engenharia da UFRJ). Em 1814, foram abertos o curso de Agricultura e a Real Academia de Pintura e Escultura.

A discussão sobre a criação de cursos jurídicos no Brasil surgiu na Assembleia Nacional Constituinte de 1823, proposta por José Feliciano Fernandes Pinheiro, o Visconde de São Leopoldo, representante do Rio Grande do Sul. Ele fez o discurso que motivou a criação de uma comissão que estudaria a instalação de duas faculdades de Direito no Brasil. Com a dissolução da Assembleia por D. Pedro I e a outorga da Constituição do Império no ano seguinte, a comissão foi dissolvida, e o projeto, esquecido.

Três anos depois, quando o Visconde de São Leopoldo era ministro da Justiça, decretou a criação das faculdades de Direito: a do Largo São Francisco, em São Paulo, hoje parte de Universidade de São Paulo, e a de Olinda, em Pernambuco, que atualmente integra a Universidade Federal de Pernambuco. A lei é do dia 11 de agosto, escolhido depois como Dia Nacional da Advocacia.

“A partir da década de 1840, os bacharéis viriam a dominar a vida política brasileira, prevalecendo sobre engenheiros e médicos”, aponta Lenio Streck.

Código Criminal do Império (1830)
O Código Criminal do Império, de 1830, “é o maior exemplo do modelo jurídico então montado: liberal e progressista na aparência, conservador na prática”, conforme Godoy.

Entre outros aspectos, a norma previa o crime de abuso de liberdade de comunicar os pensamentos. Impressores, editores, autores, vendedores e divulgadores poderiam ser responsabilizados. Contudo, a indicação dos inimputáveis protegia as elites. Afinal, não se julgariam criminosos que circulassem opiniões de parlamentares, que agissem na estrita observância de princípios religiosos ou que se pautassem por razoáveis interpretações da Constituição e das leis, bem como os que criticassem o governo de modo decente e comedido, ainda que vigoroso.

A maioridade penal, segundo o Código Criminal, se dava aos 14 anos. Contudo, se ficasse provado que o criminoso menor de idade agira com algum discernimento, o juiz poderia determinar o recolhimento do infrator para uma casa de correção, que cessaria quando ele completasse 17 anos.

“Também inimputáveis eram os loucos de todo o gênero, salvo se passassem por lúcidos intervalos, e neles cometessem o crime, bem como os que agiram por intermédio de coação moral irresistível. A imputabilidade, no entanto, não afastava o dever de indenizar”, explica Godoy.

Código Comercial (1850)
Outra norma fundamental para a consolidação do Brasil como nação independente foi o Código Comercial (1850), ressalta o advogado Sebastião Tojal, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

O marco legal, em sua visão, possibilitou a expansão das atividades comerciais pelo país para além da corte, ajudando no processo de interiorização.

Leis abolicionistas (1850-1888)
A abolição da escravidão no Brasil foi um processo que, no campo do Direito, durou quase quatro décadas.

Em 1850, foi editada a Lei Eusébio de Queirós (Lei 581/1850) que, por pressão da Inglaterra, proibiu o tráfico negreiro.

A Lei do Ventre Livre (Lei 2.040/1871) estabeleceu que todos os filhos de escravizados nascidos no Brasil a partir de sua edição seriam considerados livres. Os donos de escravizados tinham duas opções: se libertassem a pessoa com oito anos, receberia uma indenização de 600 mil-réis; se optassem por libertá-la aos 21 anos, não receberia nada.

Catorze anos depois, foi aprovada a Lei dos Sexagenários (Lei 3.270/1885). A norma concedia a alforria para os escravizados que tivessem mais de 60 anos. Entretanto, estabelecia condições rígidas para tanto. Os escravizados libertados deveriam trabalhar por três anos para seus senhores, como forma de indenização. Eles também ficavam proibidos de mudar de cidade por cinco anos.

Após décadas de luta, em 1888 foi promulgada a Lei Áurea (Lei 3.353/1888), que finalmente extinguiu a escravidão no Brasil, libertando cerca de 700 mil pessoas.

A promotora do Ministério Público do Rio de Janeiro Roberta Rosa Ribeiro, coordenadora do Fórum de Igualdade de Raça e Gênero da Associação do MP-RJ, lembrou, em artigo publicado na ConJur, que o fim da escravidão, instituído pela Lei Áurea em 13 de maio de 1888, não é uma data amplamente comemorada pelo movimento negro. Isso porque “não houve uma verdadeira libertação dos negros escravizados, que se viram preteridos no acesso e exercício pleno de direitos, não prevendo medidas de reparação dessas pessoas, que foram exploradas por tão longo período”.

O professor Cleucio Santos Nunes declarou, também em artigo publicado na ConJur, que, após a Lei Áurea, “faltaram medidas que pudessem incluir o negro no mercado de trabalho, relegando ao abandono social” uma população de ex-escravizados.

Por sua vez, Silvio de Almeida, professor da Fundação Getulio Vargas e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirmou, em entrevista ao jornal O Globo, que o racismo atual não é só um resquício da escravidão. “A escravidão conviveu com o capitalismo industrial, o café brasileiro servindo ao europeu. Mas o racismo que vemos hoje é parte do projeto de modernização da sociedade pós-escravidão. Houve uma reorganização para reproduzir as desigualdades, e o racismo faz parte. Os baixos salários são um novo parâmetro com base racial”.

Mesmo assim, a Lei Áurea foi um marco para o país. “A lei foi fruto de longos períodos de esforços por parte de abolicionistas, que a partir de 1870 se intensificaram por todo o país”, explica Lenio Streck.

O conjunto de leis abolicionistas foi “importantíssimo”, embora o Brasil tenha sido o último país independente do Ocidente a abolir a escravidão, diz Vladimir Passos de Freitas.

A professora da Universidade de Brasília Maria Pia Guerra, pesquisadora de História do Direito, avalia que as leis abolicionistas constituem um marco na luta pelos direitos civis no país. Elas buscaram reduzir o principal problema brasileiro, que é o da desigualdade, diz a docente.

Ainda que o Brasil não tenha resolvido o problema da desigualdade social e racial, a abolição da escravidão foi extremamente importante, afirma o professor de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Binenbojm. Especialmente porque o país não precisou entrar em guerra civil para libertar os escravizados, como ocorreu nos EUA, menciona.

República Velha (1889-1930)

Constituição Federal de 1891
Em 15 de novembro de 1889, militares proclamaram a república, e o marechal Deodoro da Fonseca tornou-se o primeiro presidente do Brasil.

No mesmo dia do ano seguinte, foi instalada a Assembleia Constituinte, que acabou, com ligeiros ajustes, aprovando o texto do anteprojeto elaborado por uma comissão de cinco integrantes nomeada pelo governo provisório e cuja versão final foi redigida pelo jurista Ruy Barbosa. A Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891.

“Dentre as características mais importantes do texto de 1891 estão a grande influência do constitucionalismo norte-americano, o que pode ser ilustrado com a adoção, além da forma republicana de governo, do presidencialismo e da forma federativa do Estado, ademais da exclusão dos elementos sociais do catálogo constitucional de direitos e garantias, pela instituição de um controle judicial de constitucionalidade das leis seguindo também o paradigma estadunidense do controle difuso e incidental e do Supremo Tribunal Federal, fundado em 28 de fevereiro de 1891”, ressalta Ingo Sarlet.

Código Penal da República (1890)
Editado antes da Constituição, o código visava consolidar os valores políticos e sociais do novo regime e possibilitar o controle social.

Ressaltando que o Brasil foi o último país da América a abolir a escravidão, Lenio Streck aponta que, no ano seguinte à proclamação da República, foi editado um Código Penal para perseguir ex-escravos e filhos de escravos. O Código Civil, por sua vez, só veio 27 anos depois da troca da forma de governo. “Claro: no Brasil, o Código Civil é feito para os que têm, e o Código Penal é feito para os que nada têm”, assinala Streck.

A maioridade penal era de 14 anos. E só eram inimputáveis as crianças com menos de nove anos. Dos nove aos 14 anos, o juiz deveria averiguar se o infrator tinha “discernimento” quando praticou o ato.

A norma também criminalizava religiões não cristãs. O artigo 157 tipificava o delito de “praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública”.

Código Civil (1916)
O Código Civil, promulgado em 1916, regulamentou a vida privada, o que ajudou a mudar o perfil de uma sociedade que, até então, era primordialmente agrária. Vladimir Passos de Freitas diz que o código era “muito claro e objetivo”.

Originado de projeto de lei elaborado pelo jurista Clóvis Beviláqua, o Código Civil foi influenciado pelo modelo alemão e considerado liberal para a época. Obviamente, padecia dos males da sociedade e considerava as mulheres casadas relativamente incapazes, por exemplo. Por isso, elas precisavam de autorização dos maridos para trabalhar e ajuizar ações.

Era Vargas/República de 1946 (1930-1964)

Constituições Federais de 1934, 1937 e 1946
Com a Revolução de 1930, o presidente Washington Luís foi destituído, e Júlio Prestes, que havia sido eleito, foi impedido de assumir o poder. Quem o fez foi Getúlio Vargas.

Após contraofensiva paulista, batizada de Revolução Constitucionalista de 1932, deu-se a eleição de uma Assembleia Constituinte, que elaborou e promulgou, em 16 de julho de 1934, uma nova Constituição.

“A Constituição de 1934, a despeito de pouca duração, embora mantendo os elementos centrais da ordem constitucional anterior, inovou ao introduzir no Brasil o constitucionalismo de matriz social, influenciada que foi, pela Constituição alemã de Weimar, 1919, mas também pelo corporativismo fascista. Dentre as outras novidades, podem ser destacadas a criação do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, bem como a inserção, no catálogo de direitos e garantias, do mandado de segurança”, explica Ingo Sarlet.

Sob o pretexto da ameaça comunista, Getúlio deu o golpe do Estado Novo em 1937. Depois de dissolver o Congresso Nacional, ele outorgou, em novembro daquele ano, novo texto constitucional, elaborado pelo jurista Francisco Campos.

A Constituição de 1937, avalia Sarlet, tinha “perfil profundamente autoritário, centralizador e controlador, marcado pelo fortalecimento do Poder Executivo (por exemplo, com a possibilidade da edição de decretos-leis em todas as matérias de competência da União), pela limitação das possibilidades de controle pelo Poder Judiciário, bem como, dentre outros aspectos, pelo seu caráter nacionalista e estatizante, ademais da compressão de uma série de direitos e garantias individuais”.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas foi deposto. Eurico Gaspar Dutra tornou-se presidente e foi eleita uma Assembleia Constituinte, que promulgou a nova Constituição em setembro de 1946. A Carta “recuperou o perfil democrático e social (embora este em menor intensidade) de 1934, enfraqueceu o Poder Executivo e inseriu, dentre os direitos e garantias individuais, a inafastabilidade do controle judiciário”, aponta o constitucionalista.

Código Eleitoral (1932)
O primeiro Código Eleitoral do país, editado em 1932, visou à aniquilação da chamada “política dos governadores” e à redução da influência do coronelismo. A norma instituiu o voto secreto e obrigatório e permitiu que mulheres participassem do processo eleitoral.

Além disso, criou a Justiça Eleitoral, que enfrenta, em 2022, o maior desafio de sua história, com o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, que se dedica com afinco à tarefa de desacreditar o sistema brasileiro de votações e a profusão de fake news.

Lei do Tombamento (1937)
O Decreto-Lei 25/1937 organizou a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e segue em vigor até hoje.

Para Vladimir Passos de Freitas, trata-se de uma norma bem redigida, o que explica sua longevidade.

Código Penal (1940) e Código de Processo Penal (1941)
Os dois códigos foram editados na vigência da ditadura do Estado Novo, quando Francisco Campos era o ministro da Justiça.

O Código Penal trouxe como uma das principais mudanças o aumento da maioridade penal para 18 anos.

Ao longo dos anos, o decreto-lei da década de 1940 tem passado por alterações e tem sido influenciado por leis paralelas. No início dos anos 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) deu novas diretrizes para a proteção dos menores, e a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990) definiu penas mais severas a crimes graves. Em 2006, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) criou mecanismos para proteger as vítimas e punir com mais rigor o crime de violência contra a mulher.

Em 2009, uma nova lei (Lei 12.015/2009) equiparou o atentado violento ao pudor ao crime de estupro. Recentemente, em 2019, foi sancionada a chamada Lei Anticrime (Lei 13.964/2019), que, entre outras modificações, aumentou as penas para roubos à mão armada e venda ilegal de armas, e elevou o tempo máximo de prisão de 30 para 40 anos. Também determinou o fim da saída temporária da prisão para quem for condenado por crime hediondo com morte.

Consolidação das Leis do Trabalho (1943)
A CLT, que entrou em vigor em 1943, consolidou direitos trabalhistas que vinham sendo estabelecidos anteriormente. Na visão de Maria Pia Guerra, esse é o grande marco dos direitos sociais no Brasil.

“A CLT deu início a uma nova forma de pensar a cidadania no Brasil. Uma cidadania que não é só formal, mas está ligada ao trabalho, aos direitos materiais que advêm daí”, ressalta a professora.

Gustavo Binenbojm analisa que a CLT teve “uma relevância enorme para a proteção da dignidade do trabalhador”.

Já Vladimir Passos de Freitas opina que, atualmente, a norma ficou desatualizada — por isso foi reformada em 2017. Na época, no entanto, foi muito importante, uma vez que os empregados eram muito desprotegidos.

Lei Afonso Arinos (1951)
Proposta pelo então deputado federal Afonso Arinos de Melo Franco, a Lei 1.390/1951 tornou contravenção penal a prática de atos resultantes de preconceito de raça e cor da pele.

De acordo com Gustavo Binenbojm, foi o primeiro passo para a proibição da discriminação racial no país. Outra norma importante nesse sentido foi a Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), que também criminalizou práticas nazistas. O movimento mais recente foi a decisão do STF que equiparou a homofobia e a transfobia ao crime de racismo.

“Tudo isso forma um conjunto legislativo e judicial de proteção contra toda forma de discriminação racial, religiosa e por orientação sexual e identidade de gênero”, avalia o professor da Uerj.

Ditadura militar (1964-1985)

Constituições Federais de 1967 e 1969
Novamente sob o pretexto da ameaça comunista, os militares deram um golpe em 1º de abril de 1964 e depuseram o presidente João Goulart. O general Castello Branco assumiu o poder, e o país só voltaria a ter eleições diretas em 1989.

Durante a ditadura militar, o Brasil teve duas Constituições: a de 15 de março de 1967 e a Emenda Constitucional 1, de 17 de outubro de 1969, tida por grande parte dos especialistas como uma nova Carta Política.

“No caso da Constituição de 1967, os elementos democráticos não chegaram a ser completamente ausentes, mas fortemente fragilizados, autorizando a conclusão no sentido de sua ilegitimidade, tendo em conta a convocação do Congresso Nacional por meio de ato institucional (AI-4, de dezembro de 1966) para votar projeto elaborado pelo Ministério da Justiça, o que resultou praticamente em mera homologação do projeto pelo Poder Legislativo. Dentre os aspectos mais relevantes previstos no novo texto estavam a eleição indireta para presidente da República, previsão da suspensão de direitos e garantias e a aprovação de leis por decurso de prazo”, analisa Ingo Sarlet.

“Já mediante a outorga da Emenda Constitucional 1, em cuja elaboração a representação popular não teve qualquer participação, ocorreu a consolidação da ditadura militar, que, após os terríveis ‘anos de chumbo’, em especial durante o governo do presidente Médici, lentamente passou por um processo de abertura política, iniciado durante a presidência de Ernesto Geisel e concluído pelo governo João Figueiredo, e a eleição (ainda que indireta) do primeiro presidente da república civil do país desde 1964, Tancredo Neves, mas que não chegou a tomar posse em virtude de graves problemas de saúde, sendo substituído pelo vice-presidente José Sarney, que governou até março de 1990”, aponta o constitucionalista.

AI-5 (1968)
Os atos institucionais foram os principais mecanismos jurídicos da ditadura. Normas acima da Constituição, legitimaram as ações políticas dos militares.

O mais importante deles foi o Ato Institucional 5, de 1968, que permaneceu em vigor por quase dez anos. Editado em reação a protestos contra o regime, o AI-5 concedeu ao presidente os poderes de cassar mandatos, intervir em estados e municípios, suspender direitos políticos e fechar o Congresso.

Além disso, o ato estabeleceu a censura de obras “subversivas”. E suspendeu o Habeas Corpus nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

Código Tributário Nacional (1966)
O Código Tributário Nacional promoveu uma façanha ao instituir um sistema fiscal coeso, que engloba três entes distintos — União, estados e municípios, diz Vladimir Passos de Freitas.

O nosso velho CTN já passou dos 55 anos, sendo recepcionado por três novas constituições (as de 1967, 1969 e 1988) e sem que qualquer dos seus dispositivos tenha sido declarado inconstitucional.

É consenso entre especialistas que o país precisa de uma reforma tributária que torne o sistema menos desigual e mais simples. No entanto, as fundações do CTN permanecem sólidas.

Lei das Sociedades por Ações e Lei do Mercado de Capitais (1976)
Duas normas de 1976 modernizaram o ambiente de negócios do país. A Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/1976) criou regras para a sociedade anônima, mais transparente e que pode mais facilmente obter financiamento no mercado, via emissões de ações ou valores mobiliários.

Por sua vez, a Lei do Mercado de Capitais (Lei 6.385/1976) criou a Comissão de Valores Mobiliários e regulamentou as bolsas de valores de transações de títulos como ações, debêntures e notas promissórias.

Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (1981)
A Lei 6.938/1981 estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, constituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente e instituiu o Cadastro de Defesa Ambiental.

Trata-se de norma pioneira na América Latina e que estabeleceu os pilares para a proteção ambiental, que só ganhou a devida importância anos depois, ressalta Vladimir Passos de Freitas.

Nova República (1985-presente)

Constituição Federal de 1988
Na última eleição indireta, em 1985, Tancredo Neves venceu Paulo Maluf, e os generais deixaram o poder. Contudo, Tancredo teve problemas de saúde, não foi empossado e morreu. Assumiu seu vice, José Sarney.

Em 1987, foi convocada a Assembleia Constituinte, “o feito mais importante do século XX do Direito brasileiro”, segundo Lenio Streck.

Promulgada em 5 de outubro de 1988, a Constituição Federal é o grande marco democrático da história brasileira, na análise de Maria Pia Guerra. Isso porque a Carta assegura a participação de cidadãos na vida política.

Além disso, a professora da UnB ressalta a instituição do Sistema Único de Saúde, regulamentado pela Lei 8.080/1990. Trata-se de uma das medidas mais importantes para combater a desigualdade brasileira, opina.

A Constituição Federal de 1988 é extremamente protetora dos direitos individuais, mas um pouco relapsa quanto aos deveres, afirma Vladmir Passos de Freitas. Um exemplo, segundo ele, está na segurança pública — um assunto de grande importância, mas que não é devidamente tratado pela Carta Magna.

“Embora criticada por seu caráter analítico e marcadamente dirigente, a Carta de 1988 inovou em muitos sentidos e acabou por se afirmar como aquela que — pelo menos até o atual momento — assegurou maior estabilidade político-institucional democrática ao longo da história brasileira”, menciona Ingo Sarlet.

“Dentre as suas inúmeras inovações, destacam-se os princípios fundamentais, em especial a instituição e formatação de um Estado Democrático de Direito e a inclusão da dignidade da pessoa humana dentre os seus fundamentos. A conciliação e equilíbrio entre elementos sociais e liberais, entre trabalho e capital, é outro ponto a sublinhar, de tal sorte que (à vista em especial dos objetivos do artigo 3º, do amplo catálogo de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, bem como de um extenso rol de direitos dos trabalhadores) se trata também de uma Constituição de um Estado Social e Ambiental de Direito.”

O constitucionalista também ressalta o papel atribuído aos direitos e garantias fundamentais, que não só receberam pela primeira vez tal designação como foram assegurados com um regime jurídico reforçado, “seja pelo fato de suas normas serem dotadas de aplicabilidade imediata, seja por estarem entre os limites materiais à reforma constitucional”.

Outros pontos importantes, de acordo com o professor, são a garantia da independência e autonomia do Poder Judiciário e do Ministério Público; a instituição da advocacia pública e privada e da Defensoria Pública como funções essenciais à Justiça; e a ampliação das possibilidades do controle judicial de constitucionalidade das leis pelo Judiciário, com destaque para o papel do Supremo Tribunal Federal, embora isso tenha gerado discussões sobre o chamado “ativismo judicial”.

Código de Defesa do Consumidor (1990)
Editado em 1990, o Código de Defesa do Consumidor pode ser considerado uma “lei que pegou”, pois gerou maior consciência aos consumidores sobre seus direitos básicos. Além disso, instituiu o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que viabilizou uma grande quantidade de meios de solução de conflitos, inclusive extrajudiciais, como os Procons e plataformas de conciliação, além das associações civis.

No entanto, o CDC não é eficaz em coibir práticas abusivas de empresas, na visão de especialistas. De acordo com o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, processos envolvendo assuntos de Direito do Consumidor são os mais numerosos na Justiça Estadual.

Com penas baixas para a violação de direitos do consumidor, o CDC estimula empresas a descumpri-lo, afirma Lenio Streck. Outro problema é que a norma estimula a criação de demandas repetitivas ao longo do tempo. Dessa maneira, grandes empresas calculam se é mais vantajoso mudar uma determinada prática ou mantê-la e pagar os custos judiciais decorrentes de ações que a contestam.

Lei dos Juizados Especiais (1995)
A Lei 9.099/1995 criou os juizados especiais cíveis e criminais. Os cíveis têm competência para casos cujo valor não exceda 40 salários mínimos. No âmbito da Justiça Federal, o limite é de 60 salários mínimos, conforme a Lei 10.259/2001. Já os criminais cuidam de infrações penais de menor potencial ofensivo, como as contravenções e delitos contra a honra.

“A Lei 9.099/1995 trouxe a Justiça um pouco mais para perto dos pobres”, diz Vladimir Passos de Freitas. Ele também ressalta que a norma criou a transação penal para crimes de menor potencial ofensivo. Nesses casos, o Ministério Público pode não mover ação penal se o acusado concordar em assumir sua culpa. Em tais situações, o sujeito pode ser perdoado, pagar uma multa ou receber uma pena educativa, como prestar serviços à comunidade.

Ao criar a possibilidade de o MP negociar a pena, essa lei fincou os alicerces para a expansão dos negócios processuais penais, gerando, em 2019, o acordo de não persecução penal, estabelecido pela Lei Anticrime, destaca.

Lei de Responsabilidade Fiscal (2000)
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), de iniciativa do então presidente Fernando Henrique Cardoso, impôs o controle dos gastos da União, estados e municípios, condicionando-os à arrecadação de tributos.

“É uma norma que tem extrema importância em termos de Estado, pois não permite que se gaste mais do que se recebe. Ela limita uma ‘festa de gastos’ de governantes que querem se reeleger”, opina Vladimir Passos de Freitas.

No entanto, há quem avalie que a Lei de Responsabilidade Fiscal dificulta a concretização de políticas sociais. E diversos estados e municípios, que não podem emitir dívida da mesma forma que a União, entraram em crises financeiras, como o Rio de Janeiro, que teve que aderir ao Regime de Recuperação Fiscal junto ao governo federal. Outro problema é a cooptação, por políticos, dos Tribunais de Contas.

Código de Processo Civil (2015)
Com entrada em vigor em 2016, o Código de Processo Civil surgiu para substituir o CPC de 1973 e garantir mais segurança jurídica e celeridade processual. Por isso, precisou alterar e modernizar aspectos como a digitalização e os prazos recursais.

A norma aumentou a força dos precedentes e incentivou formas alternativas de resolução de litígios, como a conciliação e a mediação.

Especialists ouvidos pela ConJur apontam que os avanços já são observados, mas podem ser ainda maiores. Há quem avalie que a legislação pode levar dez anos para atingir alguma maturidade.

Leis contra a corrupção (1991, 1992 e 2013)
A Lei 8.137/1990, que definiu delitos contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, foi a primeira a pensar mais a fundo nos “crimes de colarinho branco”, ressalta Vladimir Passos de Freitas.

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), bem como sua reforma, promovida pela Lei 14.230/2021, e a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) “formam um conjunto legislativo que dá ao Estado, às instituições de controle, o ferramental de combate ao patrimonialismo, essa chaga social e política da sociedade brasileira desde sempre”, analisa Gustavo Binenbojm.

Já a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013) regulamentou a colaboração premiada. Com base no aumento da segurança jurídica, os acordos de cooperação receberam um impulso e passaram a ser aplicados em maior escala pelo Ministério Público, turbinando a operação “lava jato”.

Críticos da colaboração premiada afirmam que, em casos de crimes contra a administração pública e correlatos, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, especialmente na “lava jato”, passaram a priorizar os relatos de delatores e deixar as medidas de investigação mais “tradicionais” de lado. Logo, teriam aumentado o número de atos para constranger suspeitos a cooperar com os inquéritos e processos, como prisões provisórias, conduções coercitivas e buscas e apreensões. E, com as colaborações, o número de denúncias e condenações.

Além disso, críticos destacam que diversas delações, como as dos ex-petistas Delcídio do Amaral e Antonio Palocci, geraram muitas manchetes, mas poucos resultados na Justiça. E os acordos firmados na “lava jato” têm diversas cláusulas que contrariam a Constituição e leis penais e processuais.

Sérgio Rodas

correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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