ICMS sobre importações: limites de federalismo

Renata Sucupira e Leonardo Branco

Uma empresa formulou consulta à Secretaria da Fazenda de São Paulo sobre onde seria devido o ICMS na importação por encomenda realizada por meio de importadora (trading company) com sede em Santa Catarina, tendo obtido a resposta de que seria no Estado da trading, de acordo com a lei. Em seguida, a empresa informou que pertencia ao mesmo grupo econômico do fornecedor (exportador) e, em maio deste ano, obteve nova resposta no sentido contrário (RC-Sefaz nº 25.335/2022), ou seja, de que o direito de cobrar o tributo é de São Paulo, onde está situado o contribuinte que elaborou a pergunta.

Esse posicionamento é uma reviravolta com considerável repercussão aos importadores, pois, na prática, o que se discute é a possibilidade de um Estado exigir o tributo de encomendante com sede em seu território sempre que houver importação de pessoa vinculada no exterior, na contramão da legislação federal.

As leis federais, segundo a Sefaz-SP, não são aplicáveis quando exportador e encomendante são do mesmo grupo
Todas as modalidades de importação estão definidas em normas federais, uma vez que a regulação do “comércio exterior” é de competência privativa da União, não sendo possível aos Estados alterarem, a seu talante, os conceitos e institutos relativos a esta matéria. Assim, quando a trading adquire mercadoria do exterior para revenda a um encomendante predeterminado, trata-se de uma importação por encomenda, participe ou não o encomendante das operações comerciais relativas à aquisição dos produtos.

A questão sobre o Estado competente para realizar a tributação não é nova, tendo o Supremo Tribunal Federal (STF) decidido que o imposto será devido ao Estado do destinatário legal da operação. Esse, ademais, é o entendimento que vinha se firmando na costura de um ambiente de segurança jurídica desde 2009 quando São Paulo e Espírito Santo celebraram protocolo voltado a aplacar a disputa fratricida dos portos, e foi justamente a conclusão a que a Sefaz/SP chegara em 2021 para o mesmo contribuinte: como, naquele caso, a trading catarinense realizou a aquisição, a suas próprias expensas, para pessoa predeterminada situada em território paulista, o tributo seria devido a Santa Catarina.

A empresa consulente buscou confirmar a aplicação do entendimento para o caso concreto, uma vez que tanto ela, encomendante, como o seu fornecedor exportador pertencem ao mesmo grupo econômico, informação que levou à alteração do entendimento fazendário corporificado na resposta à consulta publicada neste ano.

Segundo o atual posicionamento da Sefaz-SP, as leis federais não são aplicáveis quando exportador e encomendante pertençam ao mesmo grupo econômico. Nessas circunstâncias, mesmo que tanto o desembaraço como a saída física ocorram em Santa Catarina, onde sediada a trading, por meio de recursos próprios, o ICMS será devido ao Estado do encomendante.

O fundamento utilizado pelo Fisco paulista para chegar à heterodoxa conclusão foi não ser razoável que duas pessoas vinculadas contratem uma trading para intermediar um negócio internacional, o que resultaria mais oneroso se comparado com uma pactuação direta. Assim, diante da falta de propósito negocial, entendeu que a importação deveria ser considerada por conta e ordem de terceiros, atraindo, assim, a tributação para São Paulo.

Merece reprovação o recurso ao propósito negocial diante do primado da legalidade. A expressão, construto meramente teórico, já foi rejeitada pelo Congresso Nacional e hoje se trata de figura estranha à lei, apesar das várias tentativas de utilizá-lo como lastro inglório de patologias jurídicas atípicas.

A única forma válida de utilização desse instituto, hoje, é a de refutação. Nesse caso, contratar a trading por seu maior know-how em atividades de importação, ou por fruir de benefícios de ICMS-Importação em outra unidade da federação, seria já suficiente para se exorcizar a inexistência de fundo negocial ou de motivação extratributária. A própria resposta à consulta é exemplo da complexidade envolvida em operações internacionais e justifica a contratação de empresas especializadas.

O conceito de “grupo econômico” não se encontra necessariamente entre as hipóteses de pessoas vinculadas. Ademais, a consequência da vinculação não é a desconsideração da natureza jurídica da operação para uma importação por conta e ordem, o que demandaria a existência de regra específica antielisiva, mas sim a eventual aplicação das regras de preço de transferência e de valoração aduaneira.

A Fazenda paulista, além de se arvorar em matéria privativa da União Federal em relação ao comércio exterior, contrariou a regra de que a trading, ao adquirir mercadoria do exterior para encomendante predeterminado, não pratica importação por conta e ordem. Fez, ainda, menoscabo da opção negocial da empresa, de modo a pressupor que seus gestores não empregaram o cuidado e a diligência próprios da boa administração.

Advirta-se que introduzir um novo critério de definição do sujeito ativo (vinculação entre exportador e cliente da trading) para alterar o entendimento acerca do destinatário legal é refazer, sem a devida competência, o nó que o Supremo Tribunal Federal começou a desatar.

O posicionamento, por ilegal e inconstitucional, em nada colabora para a segurança jurídica e muito menos para a busca de um ambiente aberto e favorável ao desenvolvimento, voltado à facilitação do comércio e à melhora da relação entre Fisco e contribuinte com a qual o Brasil tem reiteradamente se comprometido nos foros internacionais.

Renata Sucupira e Leonardo Branco

Renata Sucupira e Leonardo Branco são, respectivamente, advogada especializada em Direito Aduaneiro, vice-presidente da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro da OAB-SP e presidente do Comitê de Comércio Internacional e Investimentos da Câmara Britânica; e conselheiro e vice-presidente de turma no Carf, doutorando, mestre e especialista pela Faculdade de Direito da USP e pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV

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