Carf analisa incidência de contribuição previdenciária sobre bônus de contratação

Alexandre Evaristo Pinto e Carlos Henrique de Oliveira

Por Alexandre Evaristo Pinto e Carlos Henrique de Oliveira

Nesta semana, analisaremos os precedentes do Carf acerca da tributação sobre valores pagos a título de bônus de contratação, também conhecido como hiring bonus.

Se é pacífico, por um lado, a tributação pelo Imposto sobre a Renda, por meio de retenção na fonte com posterior ajuste na declaração da pessoa física referente ao ano calendário de seu recebimento, existe muita controvérsia sobre a incidência das contribuições previdenciárias sobre tais valores.

O bônus de contratação tem origem na transferência de jogadores entre clubes de futebol profissional. Buscando atrair os melhores esportistas, os clubes passaram a oferecer valores para que os atletas assinassem contratos por períodos determinados. Tais valores são denominados luvas. Hoje, essa prática se disseminou entre as empresas de várias áreas, principalmente aquelas que necessitam de profissionais com competências específicas e raras habilidades, o que os tornam muito disputados em seus mercados de atuação.

Ao tratar das luvas, Alice Monteiro de Barros assinala que o seu valor é fixado com base no desempenho funcional já́ demonstrado pelo trabalhador no curso de sua vida profissional, de modo que elas teriam natureza de salário pago por antecipação[1].

Em igual sentido, Sergio Pinto Martins afirma que as luvas ou prêmios por assinatura não possuem caráter indenizatório, sendo espécie de pagamento antecipado no momento da contratação do trabalhador em função do reconhecimento pelo desempenho e pelos resultados alcançados pelo profissional em sua carreira[2].

Por fim, Luciano Martinez destaca que as luvas são forma de incentivo à assinatura do contrato, tendo seu valor relacionado ao prestígio ou fama que o trabalhador angariou ao longo de sua carreira, sendo um “complemento salarial próprio”[3], ao passo que Francisco Jorge Neto e Jouberto Cavalcante também destacam que elas são pagas em virtude de aspectos personalíssimos do trabalhador, como a capacidade laboral e o currículo profissional[4].

Extremamente bem remunerados, os trabalhadores que fazem jus às luvas geralmente recebem ofertas constantes para troca de emprego.

Tempos atrás, a atração desses profissionais se dava, simplesmente, pelo aumento do pacote de remuneração, assim entendido como todas as verbas recebidas pelo trabalhador, independentemente de serem verbas salariais ou de outra natureza, como benefícios ou salário-utilidade.

Porém, além das questões do custo e da tributação sobre a mão-de-obra, atualmente, há uma política de remuneração que privilegia a retenção dos profissionais. Tal política foi construída justamente para diminuir a rotatividade dos profissionais de ponta, permitindo às empresas a consolidação de seu grupo de colaboradores, fator importantíssimo na manutenção da qualidade de seus produtos e serviços.

Como formas de remuneração que fomentam a permanência dos profissionais no emprego podemos mencionar o pagamento de prêmios, bônus, “gratificações” anuais[5], participações nos lucros e resultados, além de políticas de retenção, como “stock options”.

Diante de um pacote salarial mais complexo, os empregadores se viram obrigados a criar formas mais atraentes de busca pelos novos talentos, pois o simples ato de aumentar o “salário” não tinha mais a capacidade de convencer o trabalhador, uma vez que ele já estava comprometido com o alcance de sua meta, ensejando o recebimento de sua gratificação ajustada em razão desse objetivo.

Nesse diapasão, os únicos períodos em que o simples aumento do pacote salarial possibilitaria a contratação seriam alguns poucos meses após o recebimento do prêmio ou bônus do período anterior. Claro que tal situação não contempla o interesse daquele que precisa recrutar o profissional. Encontrou-se no mundo desportivo a solução.

O valor pago pela assinatura do contrato de trabalho foi a solução encontrada pelas empresas para a contratação dos profissionais que lhe interessam na hora que necessitam. Denominou-se bônus de contratação ou hiring bonus.

Logo, o hiring bonus pode ser entendido como um acordo firmado entre aquele que pretende ser empregador e aquele que pretende trabalhar, pelo qual o primeiro se compromete a pagar determinado valor para que o segundo assine um contrato de trabalho.

Da definição simplista, porém claríssima, podemos identificar os seguintes elementos: i) obrigação de pagar do empregador contraposta à obrigação de fazer do trabalhador; ii) acordo prévio ao contrato de trabalho; iii) inexistência de relação laboral entre os sujeitos.

O acordo de vontades que se forma visa a assinatura de um contrato de trabalho entre as partes. Para tanto, a parte que se tornará futura empregadora se compromete a pagar a quantia estipulada enquanto a parte que pretende se empregar se compromete a firmar o pacto laboral. Em que pese a total liberdade das partes, a perfeita execução do contrato será obtida com a assinatura por um e com o respectivo pagamento pelo outro. Nesse sentido, ambas as obrigações serão cumpridas anteriormente ao contrato de trabalho, em tese, exaurindo o ajuste.

Assim ocorrendo, nosso segundo elemento identificador do bônus de contratação terá se consubstanciado, pois o ajuste se resolverá previamente ao contrato laboral.

Tal repetição de ideias, longe de qualquer tautologia, visa sedimentar que o bônus de contratação, por ser acordo prévio ao contrato de trabalho não pode ser analisado sob determinados dogmas trabalhistas.

Nessa linha, deve-se perquirir se tal verba se encaixa no conceito de remuneração. Assim, muitos lhe atribuem caráter salarial, uma vez que o pagamento do hiring bonus vem sempre vinculado a um contrato de trabalho e, portanto, deste decorre, no entanto, ainda que vinculados, cumpre destacar que nem tudo que é pago pelo empregador ao empregado, mesmo que por força do contrato de trabalho, tem natureza salarial, como ocorre, por exemplo, no caso das indenizações.

Aqueles que veem natureza salarial na verba, também se apoiam em usual cláusula de permanência que as empresas imputam como cláusula acessória ao contrato de trabalho que será firmado. Dizem que é típica de cláusula remuneratória aquela que se vincula ao tempo do trabalho. Todavia, é possível argumentar que a existência de ajuste prévio de duração mínima do contrato de trabalho faz parte do custo de oportunidade que o empregador considerou para proposta de pagamento de um valor como meio de convencimento do empregado para que ele viesse a trabalhar no contratante, de forma que fazem parte da segurança jurídica típica do acordo de vontades as condições assecuratórias que visam inibir o inadimplemento contratual.

Nesse sentido, se afastam as alegações daqueles que enxergam na necessidade de devolução dos valores recebidos no caso de não assinatura do contrato ou de sua ruptura antes do prazo avençado, como sendo uma espécie de pagamento salarial antecipado, o que implicaria se tratar apenas de uma cláusula que previne inadimplemento em um acordo de intenções prévio ao contrato de trabalho.

Com relação ao fato do pagamento ser feito antes ou depois da assinatura do contrato de trabalho, ou ainda se ele pago em parcela única ou não, resta mencionar que é praxe, nos ajustes de vontade, a determinação do momento do pagamento e de sua forma. Tal acordo, de forma alguma, ofende a lei civil ou desnatura a natureza do pagamento, ou dito de maneira mais direta, não é porque o valor referente ao bônus de contratação foi pago na vigência do contrato de trabalho, ou ainda, em algumas parcelas que venham a ser quitadas já com o vínculo laboral formado que tal valor assumirá natureza salarial[6].

No que tange ao argumento de que valor pago como bônus de contratação tem natureza indenizatória, não assumindo feição salarial, resta salientar que a verba paga pelo empregador que não tem natureza remuneratória em razão de ser uma indenização deve decorrer, por óbvio, de um motivo de reparação surgido no âmbito do contrato de trabalho. Nessa linha, o empregador indeniza danos patrimoniais decorrentes dos serviços prestados pelo trabalhador, como ocorre nos casos de reembolso de viagens ou pagamento de despesas necessárias ao trabalho suportadas pelo empregado. Também surge o direito à percepção de indenização para o trabalhador que tem um direito violado pelo contratante, v.g., quando as férias adquiridas são concedidas após o período de gozo determinado na lei.

Assim, ante a necessidade de que a indenização decorra da própria relação laboral, não nos parece haver natureza indenizatória na verba que, casualmente, o empregador dê ao empregado para reparar o patrimônio desse, pois ele, empregador, não deu causa ao prejuízo, embora o patrimônio do trabalhador tenha sido afetado.

Vistos os principais argumentos a favor e contra a natureza remuneratória do hiring bonus, nota-se que, no âmbito do Carf, a maior parte dos autos de infração de contribuições previdenciárias foi mantida segundo o entendimento de que o bônus de contratação se configura como adiantamento de verba remuneratória ou salário, conforme se depreende da leitura dos Acórdãos 2201-005.160 (05/06/19), 2202-005.188 (08/05/19), 2202-005.193 (08/05/19), 2202-005.054 (13/03/19), 2201-004.830 (16/01/19), 2202-004.830 (07/11/18), 2402-006.068 (03/04/18), 2402-006.049 (07/03/18), 2402-006.048 (07/03/18), 2202-003.438 (14/06/16), 2401-004.194 (08/03/16), 2401­003.708 (07/10/14) e 2302-002.843 (19/11/13).

Embora no Acórdão 2402-005.274 (11/05/16) o resultado também tenha sido pela incidência das contribuições previdenciárias, ressaltou-se que o bônus de contratação foi pago em função do contrato de trabalho e somente após o aceite deste, sendo um prêmio de incentivo para a permanência do trabalhador.

No âmbito da Câmara Superior, houve 9202-005.156 (25/01/17), entendeu-se que o bônus de contratação teria natureza de remuneração retributiva pelo trabalho, o que seria confirmado pela exigência contratual de tempo mínimo de permanência na empresa, de modo que não há se que se falar em ganho decorrente de caso fortuito.

Por outro lado, a incidência das contribuições previdenciárias foi afastada sob a justificativa de que o hiring bonus teria natureza indenizatória nos Acórdãos 2403-002.938 (11/02/15) e 2301-003.392 (14/03/13), uma vez que os valores recebidos compensariam a perda de trabalho em outra empresa.

No Acórdão 2301-003.720 (18/09/13), a incidência da contribuição previdenciária foi afastada sob a lógica de seu pagamento precede o início da relação empregatícia, não possuindo natureza remuneratória. Tal acórdão foi embargado, sendo que no Acórdão de Embargos 2401-004.231 (10/03/16), entendeu-se pela nulidade do auto de infração por vício material, uma vez que nele não restou comprovado o caráter remuneratório do bônus de contratação.

Por fim, no âmbito da Câmara Superior, no Acórdão 9202-007.637 (27/02/19), entendeu-se que o hiring bonus não possui caráter remuneratório, visto que ele foi pago sem que houvesse qualquer exigência de contrapartida (ex.: tempo de permanência) por parte do futuro empregador, no entanto, cumpre destacar que a Relatora formou sua razão de decidir principalmente em virtude da falta de elementos nos autos que caracterizassem a natureza remuneratória da verba recebida.

Ainda que não seja o objeto do presente artigo, cumpre citar a decisão do TRF da 3.ª Região, julgada em 23/04/2019, na qual se decidiu pela natureza indenizatória do hiring bônus, afastando a incidência da contribuição previdenciária[7].

Diante do exposto, nota-se que a maior parte das decisões do Carf tem sido no sentido de que o bônus de contratação possui caráter remuneratório e está sujeito à incidência das contribuições previdenciárias, sendo que os casos em que tal natureza foi afastada se devem à falta de previsão de tempo de permanência (denotando ser uma pagamento incondicionado) ou de maiores comprovações da situação fática nos autos de infração.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

[1] BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidos e tendências. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 116.

[2] MARTINS, Sergio Pinto. Direitos Trabalhistas do Atleta Profissional de Futebol. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 130.

[3] MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 551.

[4] JORGE NETO, Francisco Ferreira, CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 607.

[5] Em razão da polissemia que assola o Direito do Trabalho, faz-se necessário que explicitemos os conceitos que utilizaremos ao longo de nosso estudo. Assentemos que as gratificações são pagamentos esporádicos, totalmente desvinculados do contrato de trabalho, ofertados de maneira gratuita e desatrelada do trabalho prestado pelo empregado, não assumindo, portanto, nenhuma feição salarial. Já os prêmios decorreriam de metas individuais ajustadas, que, alcançadas, ensejariam o pagamento do valor acordado. Diferem do bônus quanto à meta definida, pois esses, os bônus, se referem às metas coletivas enquanto, como dito, nos prêmios os objetivos são individualmente considerados. Por fim, como se pode inferir do parágrafo acima, as “gratificações” ajustadas se amoldam, por vezes aos prêmios, por vezes aos bônus, ostentando todos, natureza salarial em face de suas características contraprestacionais.

[6] Por óbvio que, como questão de prova, é aconselhável o pagamento prévio à vigência do contrato de trabalho, evitando o pagamento, de uma ou ainda pior, de parcelas durante a prestação de serviços pelo trabalhador.

[7] TRF da 3ª Região. Apelação / Remessa Necessária 0022429-47.2015.4.03.6100/SP. Publicado em 03/05/2019.

fonte: Conjur

Alexandre Evaristo Pinto e Carlos Henrique de Oliveira

Alexandre Evaristo Pinto é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

Carlos Henrique de Oliveira é auditor fiscal da Receita Federal do Brasil, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da FGV/SP e da FIPECAFI.

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