Aspectos gerais de tributação de loteamentos: parcerias e associações
Caio Cesar Nader Quintella
O loteamento no Brasil é regulado pela Lei nº 6.766/79, dispondo em esfera nacional sobre os requisitos urbanísticos, projetos e registro imobiliário do parcelamento do solo urbano, bem como os deveres e responsabilidades do loteador.
A atividade de lotear pode ser definida como a subdivisão de gleba em lotes com a abertura de novas vias de circulação, com a modificação das já existentes, além da instituição de logradouros públicos [1].
Claramente, sob o enfoque de sua natureza jurídica, a atividade de loteamento envolve não só o fracionamento do terreno, mas também a execução de benfeitorias e alterações urbanísticas destinadas a guarnecer e viabilizar a habitação nas unidades imobiliárias resultantes do parcelamento.
Após o devido parcelamento do solo e atendidas às obrigações legais de projeto, os lotes que compõem o novo loteamento podem ser livremente comercializados, sendo considerada uma atividade imobiliária para todos os fins comerciais.
Tributação da Atividade de Loteamento
O loteamento também é considerado umas das modalidades de atividades imobiliárias para fins tributários. O artigo 30 da lei nº 8.981/95 [2], que traz a definição taxativa de receita bruta imobiliária, expressamente menciona o loteamento de terrenos como modalidade abrangida nesse conceito.
As receitas advindas da comercialização de lotes têm a mesma natureza da alienação de quaisquer imóveis, considerando-se o lote um imóvel territorial (terra nua), acrescido de benfeitorias estruturais urbanísticas [3].
Atualmente, para as pessoas jurídicas que exploram comercialmente loteamentos é opcional o regime de apuração tributária pelo lucro presumido (desde que o faturamento anual não supere R$ 78.000.000,00) ou pelo lucro real, sendo vetada a adesão ao SIMPLES Nacional [4]. É proibida também a opção pelo lucro presumido das Sociedades em Conta de Participação (SCP) que exploram de loteamentos [5], enquanto não concluídas as operações imobiliárias para as quais haja registro de custo orçado [6].
Em relação ao lucro presumido, nos termos da Lei nº 9.249/95, fica estabelecido que, para fins da determinação da base de cálculo do IRPJ, será aplicado um percentual de 8% sobre a receita bruta e, para fins de CSLL, 12%. Sobre a base de cálculo presumida desse tributo será aplicado, a título de IRPJ, a alíquota de 15%, somada a mais 10% (total de 25%) sobre aquilo que ultrapassar R$ 60.000,00 no trimestre. Em relação à CSLL, a alíquota é de 9% sobre a base obtida.
Ainda, diretamente sobre a receita bruta auferida, haverá a incidência de PIS e COFINS, sob as respectivas alíquotas de 0,65% e 3%. Resumidamente, a tributação efetiva sobre a receita de vendas de lotes é de 6,73%.
Após o advento da Lei nº 11.196/2005, ficou expressamente determinada a inclusão dos juros, multas e correções previstos em contrato, incidentes sobre os preços dos lotes, devendo tais valores compor a receita bruta tributável [7].
Ainda, no que tange ao regime do lucro presumido, permutas realizadas por empresas loteadoras, prática essa que é corriqueiramente praticada no mercado, deverão ser computas para a determinação da receita bruta tributável, adicionando-se o valor do bem recebido (e eventual torna, recebida em dinheiro) ao montante dos resultados, antes da aplicação do coeficiente de presunção de lucro [8], como se venda fosse.
Em relação ao regime do lucro real, existem poucas especificidades para sua apuração e recolhimento, devendo o contribuinte adotar todas as regras gerais para determinação do lucro líquido auferido, consideradas algumas especificidades [9], deduzindo as despesas e custos permitidos, confrontando-os com a receita percebida.
Igualmente, em relação às obrigações acessórias, todo loteador estará obrigado à apresentação da DIMOB (Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias). Trata-se de declaração de apresentação anual, referente a todas as operações imobiliárias promovidas no ano-calendário anterior, especificando as informações e detalhes das alienações ocorridas e o os valores recebidos pelas transações.
A DIMOB não acompanha nenhum recolhimento tributário (as receitas serão igualmente declaradas na DCTF e na DIPJ do contribuinte, para fins de apuração de tributos federais), nem constitui obrigação pecuniária, presta-se para fiscalização, podendo o contribuinte ser multado no caso de informações inverídicas, apuradas entre divergências de declarações de contribuintes diferentes ou mesmo da fiscalização das circunstâncias das operações efetuadas [10].
Em paralelo a esta obrigação dos loteadores, os Serventuários de Justiça (Cartórios de Registro de Imóveis, de Títulos e Documentos e Ofícios de Notas) devem apresentar a DOI (Declaração Sobre Operações Imobiliária), comunicando, mês a mês, todos os documentos lavrados, anotados, matriculados, registrados e averbados em suas serventias que caracterizem aquisição ou alienação de imóveis, realizadas por pessoa física ou jurídica, independentemente de seu valor [11].
Tributação dos Modelos de Parceria e Associação
Com a evolução natural do mercado de loteamentos no país, atualmente, as parcerias e associações entre detentores de terras e desenvolvedores de infraestrutura de loteamentos é pratica de notória recorrência. Nessa esteira, existe uma multiplicidade de modelos para a pactuação de tais associações, cada uma sujeita a formas diferentes de regulamentação tributária e distintos entendimentos administrativos sobre a forma de apuração de tributos.
Um dos modos mais simples, em termos jurídicos, é a celebração de um contrato de parceria comercial entre o proprietário da terra nua (“Terrenista”) e aqueles responsáveis pela realização e implementação dos projetos, obras e demais procedimento necessários ao loteamento e sua comercialização (“Desenvolvedores”). Trata-se de um simples contrato, regendo as obrigações de cada umas das partes para a promoção do empreendimento e, certamente, ao final, definindo a participação de cada um nos frutos percebidos. Não existe qualquer vinculação societária entre as partes ou mesmo a transferência da propriedade (nem como qualquer direito sobre esta) para os Desenvolvedores.
Geralmente, sob este modelo, nada cabe ao Terrenista além da permissão expressa – e outros procedimentos inerentes ao direito de propriedade sobre a terra – para que se procedam às obras e aos trâmites necessários ao parcelamento do solo, aprovação do loteamento perante os órgãos responsáveis e, às vezes, até a promoção comercial do empreendimento, sendo estas as obrigações dos Desenvolvedores, detentores no know-how técnico e comercial, que nada mais pagam pela parceria.
Tão antiga e comum é tal prática, que a Receita Federal, há muito, exarou o Parecer Normativo Coordenador do Sistema de Tributação nº 15/1984 (PN CST nº 15/1984), que qualifica, juridicamente, a contratação entre as partes como forma de associação de recursos e de qualificações gerenciais para a consecução de um objetivo comum que é o loteamento de uma área de terras para posterior alienação em unidades imobiliárias e, ao seu final, para efeitos de apuração de tributos federais, declara que quando o proprietário de uma área de terras se associa com pessoa jurídica constituída para a prática de operações imobiliárias, à qual assistirá executar e promover o empreendimento de loteamento, e o produto de venda das unidades imobiliárias for rateado entre as partes na proporção estipulada, a referida pessoa jurídica executora do empreendimento de loteamento deve apurar seus resultados segundo as normas consolidadas nos arts. 285 a 288 do Regulamento do Imposto de Renda/80.
Em outras palavras, tal conclusão atesta que tratamento tributário aplicável à parcela do resultado do Desenvolvedor será o mesmo aplicável ao Terrenista, sendo considerada aquela receita como se imobiliária fosse (ainda que o Desenvolvedor não tenha alienado os lotes, vez que nunca foi proprietário ou detentor de qualquer direito real sobre eles).
Tecnicamente, o porquê disso se justifica na medida em que os artigos 285 ao 288 do antigo RIR/80, correspondentes aos artigos 410 ao 413 do vigente RIR/99 (com uma única exceção pontual, são eles os mesmos dispositivos do Decreto-Lei nº 1.598/77, desde então vigentes, o que tornaria o PN CST nº 15/184 igualmente vigente) expressamente regulam na esfera federal a “Compra e Venda, Loteamento, Incorporação e Construção de Imóveis” para fins de tributação, deixando claro o Parecer Normativo ser este o tratamento dirigido à parcela devida ao Desenvolvedor que celebra contrato de parceria.
Nesse sentido, tendo em vista que não houve o afastamento expresso do PN CST nº 15/1984 por ato posterior, bem como da sua base legal, seja de Direito Civil, seja de Direito Tributário, ainda que tenha sofrido algumas pontuais alterações formais, na matéria prevalece, sendo este considerado válido, vigente e aplicável.
Todavia, o reflexo da regra contida nesse Parecer Normativo gera grandes obscuridades, dúvidas e incoerências quando considerado para aplicação das demais normas tributárias vigentes.
Nesse sentido, incialmente, o conceito de receita bruta imobiliária ficaria prejudicado, vez que parte dos valores referentes à venda de lotes não seria oferecido à tributação por aquele efetuou o fato gerador (o Terrenista, proprietário-vendedor), sendo diretamente tributado por outro, que não realizou transação imobiliária (Desenvolvedor). O mesmo problema, naturalmente, repete-se em relação à apresentação da DIMOB pelo Terrenista, que deveria declarar todas as operações.
Assim, em face da divisão dos resultados previamente à tributação, ou o Terrenista teria de declarar receita que não foi tributada por ele ou omite a percepção de receita, como se fosse obrigação do Desenvolvedor apresentar a mesma declaração, com o restante das operações referentes à sua participação contratual. Contudo, o Desenvolvedor, não sendo proprietário de imóvel alienado, não deveria/poderia apresentar a DIMOB.
Recentemente, foi publicada a Solução de Consulta COSIT nº 88/2014, na qual um contribuinte questionava se o Desenvolvedor, que possui contrato de parceria com o Terrenista, deveria apresentar DIMOB, com a parcela das receitas que lhe faz jus, nos termos do contrato.
A posição da Receita Federal em sua resposta não foi objetiva e nem direta. Primeiramente, por entender a autoridade que parte da consulta efetuada estaria prejudicada, pois se revestiria de questionamento jurídico de um caso prático e não de consulta da interpretação da legislação abstrata. Na sequência, afirma que o PN CST nº 15/1984 em nada se relacionaria com a DIMOB, sendo obrigação acessória criada posteriormente à prolatação deste Parecer Normativo, que apenas trata de apuração de tributos (obrigação principal).
Dito isso, a autoridade afirma que apenas a IN RFB nº 1.115/2010 regula a apresentação da DIMOB, a qual é clara ao determinar que a apresentação desta Declaração está adstrita àqueles que vendem o imóvel (construtores, loteadores, incorporadores) e aqueles que figuram como intermediadores da operação. Posto isso, essa Solução de Consulta não é clara, pois o Desenvolvedor, no caso do loteamento, legalmente, não se afigura nem como vendedor ou como intermediador, podendo constar do contrato de compra e venda de lotes como interveniente, por interesse particular e contratual com o vendedor.
Assim, não está claro se o Desenvolvedor pode/está obrigado ou não à apresentação da DIMOB – sempre lembrando que o Desenvolvedor não é o proprietário do lote, pertencendo o imóvel, integralmente, ao Terrenista. Além disso, como será visto mais adiante, o CARF tem posição contrária a esta Solução de Consulta.
Outra questão seria a aplicação do coeficiente de presunção do lucro presumido de vendas de imóveis (8%) a contribuinte que tem atividade de natureza diferente (no caso dos Desenvolvedores, a de serviços construção civil/empreitada [12]), cujo coeficiente de presunção é igualmente diferente (32%), resultando em quebra de isonomia tributária, em face de notória economia fiscal sem base em lei, estritamente considerada.
Diante dessas e outras incongruências tributárias provocadas pelo PN CST nº 15/1984, há muito tempo, alguns dos autores que comentam esse normativo infralegal, o rotulam de equivocado [13].
Nesse sentido, defendem estes especialistas que, além da prova prática do erro nele contido, extraível das obscuridades, dúvidas e incoerências por ele causadas, a autoridade fazendária que o exarou o Parecer Normativo desconsiderou o art. 547 do Código Civil de 1916 (de teor repetido no art. 1.255 do Código Civil de 2002) o qual determina que aquele que edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário aquilo que acresceu ao imóvel, considerando essa autoridade pública, como fundamento, apenas o artigo 43 do mesmo Codex revogado (correspondente ao art. 79 do Código Civil de 2002), que simplesmente afirma que as benfeitorias se incorporam ao imóvel.
Claramente, se conjugados os dois dispositivos da lei civil mencionados, as benfeitorias feitas em terreno a ser loteado, legal e juridicamente, continuam a ser de propriedade do Terrenista, podendo apenas ele alienar este bem imóvel.
Da mesma forma, dentro do mesmo raciocínio, o art. 531 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 1.245 do Código Civil de 2002) preceitua que transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, não podendo um simples contrato de parceria comercial se sobrepor à disposição legal que rege a propriedade imobiliária e, consequentemente, distorcendo o conceito de receita imobiliária.
Especificamente na área tributária, ainda existe confronto direto com o artigo 123 do Código Tributário Nacional (CTN), que expressamente prevê que salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes. Diante disso, tendo em vista que a base discriminante do PN CST nº 15/1984 para permitir que a receita percebida pelo Desenvolvedor seja apurada e tributada como receita imobiliária é a existência de um contrato de parceria (atribuindo, de forma infralegal, relevância jurídico-tributária a este documento particular), ficando, então, clara a violação àquele artigo de lei complementar.
Nesse exato sentido, em 2011, o Conselho Administrativo de Recursos Federais (“CARF”) se pronunciou, em julgamento de Recurso Ordinário [14] apresentado por empresa Loteadora (Terrenista) que sofreu atuação por apenas declarar parte das receitas percebidas na venda de lotes, tendo o seu parceiro contratual, uma Construtora (Desenvolvedor), recebido diretamente o restante das receitas – objeto da sua omissão.
Nesse caso emblemático, a Turma Julgadora do CARF, por maioria, entendeu pelo afastamento da regra contida no PN CST nº 15/1984, em favor da prevalência do art. 123 do CTN e dos conceitos tributários de receita bruta e receita bruta imobiliária, declarando estar equivocado o Parecer Normativo, ainda que exarado pela própria Receita Federal. Também, restou claro que o fato do Desenvolvedor ter tributado a parte dos resultados a ele contratualmente merecidos, pouco importaria para sanar a infração de omissão de declaração e falta de recolhimento tributário do Terrenista, sendo que este não figurava como vendedor dos lotes, ainda que possuísse procuração para administrar as vendas dos imóveis.
Como se observa, a corrente que defende a ilegalidade do PN CST nº 15/1984 ganhou expressão na Receita Federal, inclusive no CARF, de forma que, não só os Agentes Fiscais começaram promover atuações desconsiderando a regra contida em tal Parecer, bem como essas mesmas autuações, depois de combatidas pelo contribuinte, foram mantidas, sob o mesmo argumento de equívoco contido nesse pronunciamento fazendário e sobreposição de outros comandos, expressamente trazidos em lei.
Assim, não só pela fragilidade jurídica, há muito anunciada, do PN CST nº 15/1984 – e, a partir de 2011, confirmada por órgão vinculado ao próprio Ministério da Fazenda – mas também pelas alterações legislativas posteriores, maior regulamentação da tributação de outros meios de parcerias, excesso de responsabilidade que recai sobre o Terrenista em razão de ser o celebrante das vendas (inclusive perante os órgão da Administração pública e Ministério público, além dos compradores), assim como o próprio aumento de sofisticação técnico-jurídica do mercado, outros modelos começaram cada vez mais a ser adotados para a implementação de loteamento através da comunhão de esforços e investimentos entre Terrenistas e Desenvolvedores.
Um bom exemplo é o da adoção de um contrato de Consórcio. A própria figura legal do consórcio, ainda que presente há muitos anos na legislação comercial brasileira [15], per si, já traz um tratamento jurídico específico que visa propiciar a divisão das receitas, custos e despesas, proporcionalmente ao avençado entre as partes, mantendo a apuração tributária dos resultados em cada um dos consorciados, possuindo clara regulamentação, a qual, recentemente, foi alterada para garantir maior operacionalidade a esta figura [16] de associação, mostrando-se muito adequada para consecução de empreendimentos em conjunto.
O Consórcio não possui personalidade jurídica, mas em muitas circunstâncias, a legislação o equipara às empresas, para os mais diversos fins. Perante terceiros, o Consórcio pode ser reconhecido individualmente ou através da empresa líder ou ainda, diretamente, cada um dos consorciados, em relação à sua atividade, dependendo do caso – operações comerciais, financiamentos, Poder Público, Previdência Social, Poder Judiciário. Com raras exceções, incluída aqui a contratação de pessoal ou prestação de serviços diretamente pelo consórcio, a responsabilidade é individual de cada consorciado, referente às suas atividades definidas em contrato, não havendo solidariedade presumida. Também é permitida a celebração de outros contratos e acordos particulares específicos entre consorciados, definindo termos especiais de suas responsabilidades entre si, deveres de indenização e etc.
Frise-se que, apesar de os tributos devidos serem apurados, declarados e recolhidos individualmente pelas empresas consorciadas, a empresa eleita como líder deve também manter registro contábil de todas as receitas, custos e despesas das demais, referente à participação dessas no Consórcio.
No caso específico de loteamento, o contrato de constituição e regramento deverá prever como objeto o próprio empreendimento imobiliário, a ser realizado no imóvel do consorciado Terrenista, após as implementações das benfeitorias dos Desenvolvedores, com a determinação prévia da proporção da divisão de receitas, custos e despesas, a serem alocadas e apropriadas individualmente por cada pactuante.
Em outro pronunciamento recente do CARF, de dezembro de 2014 [17], foi julgada autuação lavrada contra empresa loteadora (Desenvolvedor) participante de Consórcio que promoveu loteamento e a posterior comercialização das unidades, sob a justificativa de supostas omissões de receitas resultantes de tais vendas, por ter havido a partilha de resultados entre os parceiros imobiliários consorciados, promovendo a tributação individual de receitas (muito se assemelhando ao outro precedente de 2011, anteriormente citado). A autuação foi cancelada, considerando-se válida a divisão das receitas de vendas de lotes, antes da tributação.
Nesse caso, o entendimento da Turma foi diferente em relação à validade do PN CST nº 15/1984, tratando o seu conteúdo como correto.
Contudo, a maior diferença está na fundamentação de que, na situação específica analisada, a sua validade se operaria também pelo fato da existência do Consórcio entre o contribuinte autuado e outros parceiros. Nesse sentido, no tratamento legal da própria figura do Consórcio há previsão expressa para a divisão proporcional de receitas e despesas de todo o empreendimento, sendo consequência natural a divisão do resultado bruto antes da tributação, que deve ser apurada individualmente, por cada consorciado.
Assim, o contrato de Consórcio encaixa-se na exceção do art. 123 do CTN[18], posto que o Consórcio (cuja formação e constituição dá-se por instrumento particular) é legalmente reconhecido como figura autônoma de tributação, com a incidência de regras específicas para tal tipo, diferentemente de um simples contrato comercial de parceria, o qual somente tem relevância jurídica entre as partes.
Nesse ponto também, apesar de não expressamente abordado no julgado em referência, fica claro que a porcentagem da presunção do lucro aplicada foi referente à da origem da receita, qual seja, de alienação imobiliária, vez que as benfeitorias e obras promovidas pelos Desenvolvedores não podem ser, nesse caso específico, consideradas uma prestação de serviço de consorciada para o Consórcio, vez que previstas no contrato de sua própria constituição, como obrigação destinada a um dos consorciados para a promoção do objeto do Consórcio – o qual, repita-se, por expressa previsão em lei, tem relevância jurídica para fins tributários.
Dessa forma, dentro do atual cenário jurisprudencial do CARF, tendo como maior elemento de divergência a validade do PN CST nº 15/1984, a pactuação de contrato de Consórcio entre Terrenistas e Desenvolvedores apresenta-se uma modalidade de associação com menores riscos de autuação em relação a contratos de parceria comercial, principalmente em relação ao Terrenista, que encontrará maior respaldo para justificar apenas a declaração e tributação parcial das receitas auferidas com as vendas de lotes.
Contudo, ainda existem controvérsias sobre a legitimidade da tributação segregada da receita bruta imobiliária e da aplicação dos percentuais de presunção de lucro presumido destinadas para tal atividade (no caso do Desenvolvedor), ainda que suportado pela existência de Consórcio como é o entendimento de alguns especialistas[19], podendo ser igualmente questionado esse modelo, tendo em vista que a propriedade do imóvel continuará sendo somente do Terrenista.
Um veículo de associação mais conservador, visando a um menor risco tributário, assim como a divisão desse e de outros riscos inerentes à atividade imobiliária, seria a constituição de um Sociedade de Propósito Específico (“SPE”) entre Terrenistas e Desenvolvedores. A SPE é uma empresa como qualquer outra, diferenciando-se pelo casamento do seu objeto com a duração do vínculo societário, podendo ter roupagem societária de limitada ou mesmo de sociedade anônima.
No caso de loteamentos, naturalmente seu objeto será a implementação, desenvolvimento e exploração comercial dos lotes. Em oposição à segurança jurídica desse modelo, uma desvantagem fiscal é apontada pelo mercado: a incidência do ITBI, inerente à constituição da SPE.
Essa oneração pelo imposto municipal ocorre pois, nesse modelo, o imóvel a ser loteado deixa de ser de propriedade do Terrenista para ser da SPE, como forma de integralização/subscrição de capital na sociedade. E, como o objeto dessa nova sociedade, obrigatoriamente, será imobiliária, a imunidade tributária prevista no art. 156, § 2º, inciso I, da Constituição Federal de 1988 não é aplicável. Cabe observar aqui que, tanto o contrato de parceria como o de Consórcio, não implicam no recolhimento do ITBI para a promoção e operacionalização do loteamento, tendo em vista que não há, necessariamente, a transferência da propriedade do terreno (a mesma razão central da polêmica sobre a legalidade tributária de tais parcerias e do PN CST nº 15/1984).
Nesse modelo, em contrapartida à integralização do imóvel pelo Terrenista, os Desenvolvedores podem aportar dinheiro, a ser utilizado pela própria SPE para a realização das obras e outros procedimentos necessários à condução do projeto de loteamento, sua aprovação e comercialização, ou mesmo condicionar a sua aquisição de participação à realização das benfeitoras necessárias ao empreendimento[20], adquirindo as quotas/ações proporcionalmente à entrega das obras, diluindo a participação do Terrenista, até a proporção societária definitiva firmada pelas partes.
Diante desse cenário, claramente, nos contratos de compra e venda apenas a SPE figura como vendedora dos lotes, vez que legítima proprietária do terreno parcelado, sendo a responsável perante terceiros, inclusive a Administração Pública e o Poder Judiciário, para todos os fins.
Na operacionalização da SPE, o arcabouço tributário federal se revela mais consistente, sem qualquer questionamentos sobre o modelo, podendo se optar pelo lucro presumido, de forma que todos os resultados de vendas fiquem sujeitos à alíquota final de 6,73% (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), efetuando-se a posterior distribuição dos lucros aos seus sócios, na proporção de sua participação societária ou, mesmo, se adotado o formato de sociedade limitada, livremente de acordo com a deliberação dos sócios, a cada período, com a garantida isenção do Imposto de Renda sobre essa distribuição.
Ainda, se optado pelo lucro real (tal opção é raramente feita, tendo em vista a margem de lucro ser quase sempre superior a 8% da receita bruta auferida), a apuração, apropriação e alocação de custos e despesas revela-se mais simples e mais transparente à fiscalização, vez que não há a necessidade compartilhamento de receitas e distribuição destes investimentos e encargos entre pessoas jurídicas diferentes, ficando totalmente concentrados na SPE, desde a implantação do loteamento até o recebimento da última parcela, da última venda efetuada. Naturalmente, o resultado financeiro da empresa é repassado aos sócios, Terrenista e Desenvolvedores, através do pagamento de dividendos livres de tributos.
Por fim, mesmo que sem relevância tributária, deve se frisar que a adoção de SPE, facilita e propicia uma melhor apuração de haveres, divisão de créditos e bens, no caso de dissolução da associação entre Terrenistas e Desenvolvedores, em qualquer fase do empreendimento, da mesma forma como atribui maior transparência, operacionalidade e aparência de idoneidade a uma eventual securitização ou cessão dos créditos e outros direitos referentes ao empreendimento para terceiros.
Ainda, dentro do rol de modelos de associação, os parceiros podem entender pela utilização de SCP. Essa modalidade de sociedade não é personificada, assim como o Consórcio, mas para fins tributários, é equiparada a pessoa jurídica, tributando seus resultados pelas regas gerais de tributação, com muito poucas peculiaridades ou regras especiais.
Existem dois tipos de sócios: os ostensivos e os participantes (ocultos). Os ostensivos são aqueles únicos a desempenhar o objeto social da SCP, que deve ter identidade com as suas atividades comerciais autônomas, responsabilizando-se totalmente perante terceiros. Já o sócio participante figura apenas como mero investidor, visando um retorno do investimento, feito a título de integralização de capital nessa sociedade. Os sócios obrigam-se entre si, nos termos estipulados em contrato.
Posto isso, o Desenvolvedor, se de fato for o responsável pela realização dos trâmites necessários para o parcelamento do solo e outros procedimentos visando à aprovação do projeto, bem como pela promoção das vendas dos lotes, obrigatoriamente ele deverá figurar como sócio ostensivo e, consequentemente, o Terrenista, como sócio participante, aportando o terreno nessa SCP.
Todavia, a SCP – a nosso ver – quando utilizada especificamente para o desenvolvimento de loteamentos, padece de riscos e incongruências legais, muito semelhantes às do contrato de parceria comercial (e pior, sem respaldo o, ainda que duvidoso, do PN CST nº 15/1984).
Isso pois, em face da SCP não possuir personalidade jurídica e o seu contrato gerar efeitos apenas entre os sócios, ela não poderá deter a propriedade do terreno a lotear ou mesmo dos lotes, inclusive para fins de Registro de Imóveis, logo, para que o contrato de compra e vendas seja válido, deverá o Terrenista figurar como vendedor (ao passo que não houve a transferência jurídica do imóvel, sendo ele o seu proprietário), aparecendo diretamente ao público e assumindo obrigações na figura de vendedor, descaracterizando elemento necessário à validade e prevalência da SCP[21].
Igualmente, diante dessa mesma situação, poderia ser questionada a obrigatoriedade do Terrenista declarar e tributar todo o resultado das vendas, mesmo – supostamente – figurando como sócio participante na SCP, sob os mesmos argumentos utilizados pelo Fisco no caso do contrato de parceria. Assim, existe um considerável risco de desconstituição da SCP e autuação fiscal.
Tal modelo de associação acaba sendo mais adequado nos casos em que existe novo Desenvolvedor/Investidor que deseja injetar capital ou outros recursos em parceria já existente, formada sob outro modelo associativo, com personalidade jurídica (SPE, por exemplo). Nesse caso, o próprio contrato de constituição da SCP já deve delimitar, de forma inequívoca, o seu objeto e a atividade a ser desempenhada pelo sócio ostensivo (SPE, nesse exemplo), cuja parte da receita advinda será de titularidade exclusiva SCP, não se confundindo com a atividade própria comercial dessa empresa sócia ostensiva. Esse resultado será apurado e tributado como receita própria da SCP.
Ainda, dentro da SCP, após o recolhimento dos tributos e em havendo lucro contábil, será destinada ao sócio participante, a título de dividendos livres de tributos, a sua porcentagem de participação financeira firmada com o sócio ostensivo no contrato de constituição, como efetivo retorno dos seus investimentos.
Por fim, diante dessa multiplicidade de modelos de parcerias e associações para desenvolvimento e comercialização de loteamentos, em resumo, para fins tributários, pode-se afirma que: caso se trate de um contrato privado (sem vínculo societário entre Terrenista e Desenvolvedor) sem previsão expressa em lei que chancele sua figura e seus efeitos para os fins fiscais, o entendimento do Fisco a ele destinado deverá ser o mesmo já esboçado pelo CARF, nos últimos anos, em relação às parcerias comerciais – independentemente da sua nomenclatura, denominação ou especificidades pontuais – denotando considerável risco de autuação e multas, diante da incongruência e inadequação da sua natureza e da sua sistemática de divisão e tributação de receitas em relação ao art. 123 do CTN, ao conceito de receita bruta imobiliária e às obrigações acessórias especiais para esse ramo de atividade.
Se o modelo for societário, ou figura equiparada expressamente por lei para os mesmo fins, sendo a efetiva detentora legal do loteamento a mesma pessoa ou entidade que promoverá a comercialização dos lotes, o tratamento tributário será o típico de empresa dedicada à atividade imobiliária, aplicando-se o regramento nacional destinado a essa atividade, principalmente no que tange à apresentação da DIMOB e à opção pelo lucro presumido, sob o percentual de 8% de presunção de lucro aplicável sobre a receita bruta, sem margem para questionamentos de sua legalidade fiscal.
Notas
[1] PIRES, Luiz Manoel Fonseca. Loteamento Urbanos: natureza jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 45.
[2] Art. 30. As pessoas jurídicas que explorem atividades imobiliárias relativas a loteamento de terrenos, incorporação imobiliária, construção de prédios destinados à venda, bem como a venda de imóveis construídos ou adquiridos para revenda, deverão considerar como receita bruta o montante efetivamente recebido, relativo às unidades imobiliárias vendidas.
[3] MARTINS. Ricardo Lacaz. Tributação da Renda Imobiliária. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.142.
[4] Art. 192, inciso V, do RIR/99.
[5] IN RFB nº 31/2001.
[6] Custo de benfeitorias e adequações, ainda não ocorridas, mas já calculadas e apropriadas em relação a imóveis vendidos, a ser amortizado com as receitas da venda.
[7] Determinação legal reafirmada pela Solução de Consulta COSIT nº 260/2014 e Solução de Consulta COSIT nº 151/2014.
[8] Tal entendimento já vinha sendo apresentado pelo CARF e, em setembro de 2014, foi exarado o Parecer Normativo COSIT nº 9/2014, reafirmando tal entendimento fazendário, vinculando toda atividade fiscal, inclusive de fiscalização, à sua aplicação nos casos em que for verificada tal operação de troca.
[9] São as obrigações e prerrogativas aplicáveis às empresas loteadoras optantes pelo Lucro Real que diferem daquelas aplicáveis para os demais contribuintes: i) a manutenção de livro para registro permanente de estoque, ii) o expresso reconhecimento da inclusão do custos de tributos, emolumentos, estudos, planejamentos, legalização e execução dos planos ou projetos de desmembramento, loteamento, e quaisquer obras ou melhoramentos na apuração do “custos de aquisição” do imóvel, ainda que apenas orçados, a ser futuramente realizados (art. 410 a 412 do RIR/99) e iii) a possibilidade de no caso de vendas a prazo, que superem mais de um ano-calendário, a determinação do lucro real do período ser feita proporcionalmente às receitas auferida no período (art. 413 e 414 do RIR/99).
[10] Todas as regras sobre a entrega da DIMOB e seu teor se encontram na IN RFB nº 1.115/2010.
[11] Todas as regras sobre a entrega da DOI e seu teor se encontram na IN RFB nº 1.112/2010.
[12] MARTINS. Ricardo Lacaz. Tributação da Renda Imobiliária. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 176.
[13] HIGUCHI, Hiromi. Imposto de Rendas das Empresas. São Paulo: IR Publicações, 2015, p. 498.
[14] Acórdão nº 180100.609 – 1ª Turma Especial e Processo nº 10410.001152/2006-55.
[15] O contrato de Consórcio é regido na Lei Comercial pelos artigos 278 e 279 da lei 6404/76 (Lei das S.A.).
[16] As regras de tributação e contabilização de receitas, custos e despesas do Consórcio se encontram na IN RFB nº 1.199/2011.
[17] Acórdão nº 1101001.230 – 1ª Câmara da 1ª Turma Especial e Processo nº 10825.721324/2011-04.
[18] Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes. (grifamos)
[19] HIGUCHI, Hiromi. Imposto de Rendas das Empresas. São Paulo: IR Publicações, 2015, p. 219/220.
[20] Frise-se aqui que, salvo raras exceções, é vetada a integralização de serviços como capita social (artigos 997, III, 1.007, 1.008 e 1.055, parágrafo 2º, do Código Civil de 2002, bem como inúmeros enunciados das Juntas Comerciais dos Estados). Nesse caso, deve sempre ficar claro que a aquisição das quotas/ações está vinculada benfeitorias, cuja a construção está prevista em contrato com o Terrenista, gerando crédito ao Desenvolvedor, a ser saldados com tal participação.
[21] Acórdão nº 2302003.338 – 3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária – Processo nº 10283.721585/201271 e Acórdão nº 1103001.052 – 1ª Câmara / 3ª Turma Ordinária – Processo nº 11516.000378/200885 e Acórdão nº 2802003.065 – 2ª Turma Especial – Processo nº 11080.733020/201103.
Caio Cesar Nader Quintella
Advogado tributarista em São Paulo/SP, com mais de sete anos de experiência na área consultiva e contenciosa. Graduado e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).