A MP 1.128/22 é passo de extrema importância no sistema financeiro nacional

Elidie Palma Bifano

A matéria da dedutibilidade da provisão para créditos de liquidação duvidosa (PCLD), para fins de cálculo do Imposto sobre a Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, no âmbito das instituições financeiras, é antiga, datando de inícios da década de 1990 e acarretando dificuldades e custos muito grandes nesse segmento da economia. A recente Medida Provisória nº 1.128/22 veio alterar as regras para dedução dessas perdas, assim objetivando pôr termo a assunto tão tormentoso que já se alongou por demais, embora essa solução só deva ser implementada a partir de 2025. Rigorosamente, trata-se de decisão tardia, pois não há nenhuma razão para tratar de forma diferenciada as instituições financeiras, no que tange às perdas com créditos, uma vez que o crédito é a matéria prima e o produto da operação dessas entidades, assim como bens/mercadorias o são em segmentos não financeiros e, quando perecem, podem ser deduzidos de imediato, desde que a perda seja comprovada.

Nesse sentido, a falta de condições dos créditos para serem exigidos dos devedores e, portanto, serem considerados como perdas definitivas, tem ampla regulação por parte do Conselho Monetário Nacional, a qual, a nosso ver, é suficiente, tendo em vista que a esse órgão cabe zelar pela segurança do sistema financeiro. A matéria é tratada, hoje, pela Resolução nº 2.682/99, do Conselho Monetário Nacional, que dispõe sobre critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de PCLD. Os critérios dessa resolução consideram que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central devem classificar as operações de crédito em ordem crescente de risco, em níveis que vão de I, também AA até IX, ou H. Essa classificação é de responsabilidade da instituição detentora do crédito e deve ser efetuada com base em elementos que sejam consistentes e verificáveis, sempre amparada por informações internas e externas que ao menos considerem o devedor e seus garantidores. São relevantes, também, a natureza da operação e sua finalidade.

O critério de classificação de risco é revisto, periodicamente, e o não atendimento às determinações do Conselho Monetário Nacional implicam na reclassificação das operações do devedor para o risco indicado no nível H, o mais severo, independentemente de outras medidas de natureza administrativa. Quanto ao registro de direitos creditórios e correspondentes encargos, deve-se atentar ao disposto no Padrão Contábil das Instituições Reguladas pelo Banco Central do Brasil (Cosif) que veda o reconhecimento no resultado do período de receitas e encargos de qualquer natureza relativos a operações de crédito que apresentem atraso igual ou superior a sessenta dias, no pagamento de parcela de principal ou encargos. Essa determinação objetiva evitar que o patrimônio da entidade seja contaminado com ingressos que podem não se realizar.

A lição que se extrai dos critérios adotados pelo Conselho Monetário Nacional é que são eles muito cautelosos, objetivando evitar perdas e ameaças ao sistema financeiro nacional. No passado, até a década de 1990, a PCLD adotada pelas instituições financeiras, na forma preconizada pelo Conselho Monetário Nacional, era aceita para fins fiscais, mas com a edição da Lei nº 8.981/95, artigo 43, alteraram-se os critérios de dedução dessa provisão, para fins fiscais, introduzindo-se uma série de restrições para tanto, mostrando-se tais normas muito pouco flexíveis em relação ao passado.

A partir da Lei nº 9.430/96, os critérios para dedução de perdas com créditos duvidosos se alteraram, pois ela permite deduzir verbas que antecipam futuras perdas e não perdas efetivas. Essa prática de colocar foco em possíveis perdas é, exatamente, o critério adotado pelo Conselho Monetário Nacional ao qualificar os devedores considerando suas características e registrando o risco, antes que ele se concretize, assim examinado sob o contexto de um ativo que possa contribuir para a alavancagem da operação. Contudo, as condições para deduzir tais verbas, para fins fiscais, são bastante severas e variadas, como se pode observar da leitura da lei, exigindo-se, muitas vezes, proposição de medida judicial para o correspondente recebimento dos créditos, como condição de dedutibilidade de sua perda. Também há restrições para deduzir a perda tendo em vista o prazo do vencimento do crédito e a existência ou não de garantia. Essas exigências, minuciosas e exaustivas, tornam muito difícil seu cumprimento em uma instituição financeira dado o elevado número de transações que são efetivadas e a complexidade de acompanhá-las, sob todos os aspectos e a despeito do alto grau de informatização dessas entidades.

Do ponto de vista da fiscalização, a PCLD é um tópico que, usualmente, resulta em um auto de infração, pois dado seu volume e complexidade, algo sempre poderá ser questionado pelas autoridades, de tal sorte que há muitas exigências fiscais a ela voltadas sempre considerando que a sua constituição é regida pelas normas do Conselho Monetário Nacional, que estabelecem percentuais mínimos de constituição em função dos níveis de risco das operações de crédito, mas cuja dedutibilidade deve ser devidamente comprovada, observadas as condições previstas na legislação aplicável. Os custos de administrar esse contencioso, apresentar documentos, afastar equívocos são muito elevados, além do tempo que todas essas discussões levam, até sua finalização, nos tribunais.

Afora isso, a diferença entre a base para dedução dos créditos de liquidação duvidosa, para fins tributários, e a base contábil para apuração do lucro líquido, é muito grande, pois as perdas com créditos duvidosos são despesas que reduzem o lucro líquido do período, contudo, nem sempre são dedutíveis para fins fiscais. Para compatibilizar tais diferenças ao regime de competência contábil, registra-se o Imposto sobre a Renda diferido ativo que representa um direito do contribuinte de deduzir a perda na base de cálculo do tributo, quando ela se concretizar, em exercícios futuros. Esse ativo carece de substância financeira, pois apenas decorre da aplicação do regime de competência contábil, sendo um crédito a ser deduzido de futuros resultados tributáveis, se eles ocorrerem. O efeito é apenas aplicar o regime de competência e demonstrar a ausência de saída de caixa para pagar tributo, no futuro.

Nem todos os países colhem esses efeitos em relação à PCLD. Em estudo ao qual nos dedicamos, pudemos observar que o tratamento dado, em alguns países, a essa provisão nas instituições financeiras, para fins fiscais, é idêntico, ou seja, é dedutível da base de cálculo do Imposto sobre a Renda, aquela despesa registrada na contabilidade, segundo os critérios técnicos das autoridades financeiras locais. A edição da Lei nº 9.430 levou ao crescimento desse ativo diferido em tal volume, nas instituições financeiras, que em 2013 foi editada a Lei nº 12.838, concedendo-lhes um crédito presumido apurado com base em créditos decorrentes de diferenças temporárias oriundas de PCLD, nas condições então propostas, para que fosse computado em seu patrimônio de referência. Esse instrumento permitiu dar substância ao ativo financeiro correspondente ao crédito contra o Fisco, consubstanciado em crédito presumido de responsabilidade da União.

A Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 1.128 esclarece, em seu item 2, que seu objetivo “é a aproximação das normas tributária e contábil, com vistas a reduzir as fragilidades resultantes dos ativos fiscais diferidos registrados nos balanços das instituições financeiras”. Por isso, no item 3, da Exposição de Motivos, afirma-se que “a partir das recomendações de Basileia III, a existência de ativos fiscais diferidos pode resultar na exigência de novas integralizações de capital por parte das instituições financeiras brasileiras. Assim, a fim de minorar o acúmulo desses ativos no âmbito do Sistema Financeiro Nacional ou reduzir o impacto na exigência de capital regulamentar(…)” busca-se com aumentos no nível de capital, combinado com outras exigências voltadas a liquidez e medidas de natureza prudencial, afastar a severidade de futuras crises bancárias e seus efeitos negativos sobre os demais setores da economia.

A MP 1.128 faz referência às diversas medidas que foram tomadas, ao longo do tempo, para reduzir a diferença entre o critério contábil e o critério fiscal de dedução da PCLD, contudo, como elas não se mostraram suficientes, a solução do problema exige que se reduza a geração de ativos fiscais diferidos, com efeitos sobre a principal origem desses créditos, que é a existência de diferenças entre as regras contábil e fiscal para reconhecimento de perdas com operações de crédito. A solução, ora proposta, prevê que a partir de janeiro de 2025 as instituições financeiras deduzam na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro, as perdas incorridas no recebimento de créditos decorrentes de atividades relativas a operações inadimplidas, independentemente da data da sua contratação e operações com pessoa jurídica em processo falimentar ou em recuperação judicial, desde a data da decretação da falência ou da concessão da recuperação judicial. A MP 1.128 define como inadimplida a operação com atraso superior a noventa dias em relação ao pagamento do principal ou de encargos.

O cálculo da perda incorrida observa metodologia específica, aplicando-se percentual crescente, conforme o tempo de atraso no pagamento de principal ou de encargos, a partir do mês em que a operação é inadimplida, sempre sobre o saldo da operação de crédito, limitado à totalidade desse saldo. Por fim, a dedução é admitida somente no período de apuração dos tributos correspondente à apuração da perda, sendo que essa exigência, justifica a Exposição de Motivos, objetiva impedir o aproveitamento em data diversa conforme critérios subjetivos que venham a ser adotados pela pessoa jurídica e, com isso, a repetição das dificuldades atuais nascidas da acumulação de créditos em períodos subsequentes.

A nosso sentir, a MP 1128 permite assegurar, se não o pleno uso da PLCD contábil para fins fiscais, uma relevante aproximação com a contabilidade das entidades financeiras e, consequentemente, da realidade do mercado financeiro brasileiro. A Exposição de Motivos da MP 1.128 deixa claro que esse passo opera no sentido da convergência das regras locais aos padrões internacionais de contabilidade, reduzindo o volume dos ativos fiscais diferidos nesse segmento, assim permitindo que o fator risco desses ativos financeiros não suportados em ingressos de capital deixem de contaminar as demonstrações financeiras dos conglomerados prudenciais [1].

A norma, assim veiculada, dispõe que não será admitida a dedução de perda no recebimento de créditos em operações realizadas com partes relacionadas, bem como com residentes ou domiciliados no exterior. No caso de partes relacionadas a MP 1.128 funda-se nas determinações do artigo 34, da Lei nº 4.595/65, que veda às instituições financeiras realizar operação de crédito com parte relacionada, conforme por ela definido. Por consequência, sendo vedada a concessão de crédito, vedada estará a dedução da correspondente perda. No que tange aos créditos de residentes ou domiciliados no exterior, a restrição é nova, mas não parece encontrar respaldo no sistema constitucional, visto que, em princípio, impedir a dedução de perda vinculada à regularidade das operações implica ofensa ao princípio constitucional da capacidade contributiva. Afora isso, opera como impedimento indireto à liberdade de exercício da atividade econômica.

Um aspecto de extrema relevância, também apontado na Exposição de Motivos da MP 1.128, item 14, é a repercussão positiva que a proposta terá em termos de eliminar a subjetividade da regra de dedutibilidade, facilitando o controle e o acompanhamento pelos órgãos competentes e, ainda, reduzindo os custos de observância das instituições financeiras, ao eliminar a necessidade de manutenção de dois sistemas operacionais distintos, contábil e tributário, haja vista o alinhamento operacional derivado dos dispositivos normativos propostos.

Por fim, como regra de transição, prevê o artigo 6º, da MP 1.128, que as perdas apuradas na data prevista para a sua produção de efeitos, em 2025, que os créditos inadimplidos em 31/12/2024, cujas perdas não tenham sido ainda deduzidas/recuperadas, sejam excluídas do lucro líquido, na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro, à razão de um trinta e seis avos para cada mês do período de apuração, a partir de abril de 2025. O propósito, como expressado na norma, é evitar efeitos na arrecadação em anos subsequentes à produção de efeitos dessa norma. Além disso, esclarece a Exposição de Motivos que a produção de efeitos a partir de 2025, também está vinculada à implementação da Resolução nº 4.966/21, do Conselho Monetário Nacional, voltada à implementação até 1/1/25, da remodelagem do sistema tecnológico das instituições financeiras para fins de escrituração contábil, o que exige do sistema financeiro adaptação aos novos critérios definidos por essa regulamentação.

Essa norma estabelece dois diferentes prazos para aplicação de seus vários dispositivos, 1/1/22 e 1/1/25, contudo a PCLD, agora designada como provisão para perdas esperadas associadas ao risco de crédito, não é tratada em nenhum dos dispositivos que entraram em vigor em 2022. Infelizmente vincula-se a dedução da provisão à implantação de novos sistemas contábeis, o que parece equivocado, pois resulta em postergação da entrada em vigor de novos critérios de dedução de perdas, que porá fim a tantas dificuldades. Parece-nos extraordinário vincular a dedução das perdas a eventos futuros que se voltam a remodelações em planos contábeis e tecnológicos, quando a indedutibilidade sempre foi vinculada à não aceitação das regras contábeis determinadas pelo agente regulador!!! E o próprio Supremo Tribunal Federal também tomou esse mesmo rumo, quando vedou o uso de critérios contábeis da PCLD para fins fiscais.

De toda sorte, a adoção de medidas que busquem eliminar as diferenças entre as regras fiscais e contábeis, fazendo justiça ao contribuinte, são sempre bem-vindas.

[1] Incluem, além das instituições pertencentes ao conglomerado financeiro, demais entidades.

Elidie Palma Bifano

mestra e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, professora no curso de mestrado profissional da Escola de Direito de São Paulo–FGV e nos cursos de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e da Escola de Direito do CEU–IICS e advogada em São Paulo.

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