A majoração do IPI incidente sobre os veículos importados

Rafael Lopes Rocha

   Não podemos deixar de abordar as irregularidades nessa surpreendente majoração do IPI incidente sobre os veículos importados.

   Em que pesem as alegações econômicas acerca da viabilidade desse aumento (para os que entendem ser viável), procurarei dar mais ênfase as barbáries jurídicas que foram cometidas pelo nosso Governo.

   Para balizar a exposição dos assuntos, a fim de que não nos afastemos do cerne da questão, procurarei analisar o caso com base no que dispõe a Constituição Federal de 1.988 (arts. 150 e 153), o Decreto-lei nº 1.199/71, a Medida Provisória nº 540/2011 e o Decreto nº 7.567/2011. Não trarei à pauta o desrespeito às normas da Organização Mundial do Comércio (OMC).

   Antes de tratar do caso concreto, devemos observar as disposições constitucionais aplicáveis ao IPI e, a partir daí, poderemos comentar sobre a constitucionalidade, ou não, dos demais instrumentos legais que contenham regras a respeito desse imposto.

   O imposto sobre produtos industrializados é de competência da União e, como todos os demais tributos se sujeitam a determinadas limitações constitucionais. Tais limitações se constituem verdadeiros direitos fundamentais dos contribuintes diante de eventual arbitrariedade dos entes políticos na instituição/cobrança de seus tributos. Afinal, cada princípio constitucional tributário guarda relação com um direito fundamental ou com outro princípio geral do direto, dando praticabilidade a estes princípios gerais. P.ex.: princípio da anterioridade e irretroatividade => princípio da segurança jurídica; não confisco => direito de propriedade; isonomia => igualdade; não limitação ao tráfego por meio de tributos => direito de ir e vir.

   Aos nos reportarmos aos arts. 150 (inciso III e parágrafo 3º) e 153 (parágrafos 1º e 3º) do texto constitucional, percebemos que o IPI está sujeito aos princípios da noventena e da seletividade (neste último caso, a observância ao aludido princípio é obrigatória, diferentemente do ICMS). Percebe-se, também, que é dado ao Executivo, observados os limites estabelecidos em lei, a possibilidade de alterar as alíquotas do referido imposto por meio de Decreto. Trata-se de uma exceção ao princípio da legalidade (art. 150, I, da CF/88) que ressalta o caráter extrafiscal do IPI e a sua importância na regulação da economia.

   Após a breve exposição sobre as determinações constitucionais que dizem respeito ao IPI, passemos à análise do caso concreto. 

   Em 02 de Agosto do presente ano, foi publicada a MP 540/2011 que dentre outros assuntos previu uma suposta redução de alíquotas do IPI a ser concedida pelo Executivo, com o intuito de incentivar a competitividade, a agregação de conteúdo nacional, o investimento, a inovação tecnológica e a produção local.  O art. 5º da referida MP previu também que os fabricantes, a fim de gozarem da redução de alíquota, deveriam obedecer às condições previstas em ato do Poder Executivo a ser editado e que a fruição dessa redução se daria até 31/07/2016. Pois bem, até este momento não havia motivo para se questionar as mudanças que seriam efetuadas na legislação do IPI. Como eu disse, até este momento.

   Foi publicado, então, em 15/09/2011 o Decreto 7.657/2011 que seria responsável para regulamentar a previsão que fora objeto da medida provisória supracitada. E aí começou todo o problema.

   O referido Decreto estabeleceu a “redução de alíquotas” estipulando as condições a serem observadas para a fruição desse “benefício” (excluindo os fabricantes de veículos importados) e trouxe uma disposição duvidosa acerca do prazo para a fruição, pelos fabricantes, da alíquota “reduzida”. O referido Decreto fixou como termo ad quem o dia 31/12/2012, diferentemente do prazo previsto na MP 540/2011.

   Comecemos a abordagem pela questão menos complexa. Ora, poderia o Decreto dispor de forma contrária ao que estava previsto no texto da MP? Entendo que não. O art. 62, caput, da CF/88, combinado com o §2º do mesmo artigo, confere à referida MP força de lei e prevê que ela produzirá efeitos desde a sua edição (isso por se tratar do IPI). Então refaço a pergunta: poderia o Decreto, norma secundária, ser contra legem? Afinal de contas, temos que ter em mente que a MP, com força de lei, determinou que o prazo final para a fruição da redução de alíquotas se daria em 31/07/2011.

   Quando pus entre aspas a expressão redução de alíquotas, o fiz pelo fato de não ter havido redução de alíquotas do imposto. O que houve, na verdade, foi o aumento da alíquota para os veículos importados e a manutenção do nível de tributação para os veículos nacionais.

   O art. 1º do Decreto, de forma maliciosa, diz que o referido instrumento legislativo regulamenta a redução de alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e tenta induzir o leitor mais desatento a acreditar que, de fato, houve tal redução. Os arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 9º, sempre mencionam a palavra “redução”. Até chegarmos ao art. 10 que em vez de simplesmente dizer: “Ficam majoradas em 30 pontos percentuais, até 31 de dezembro de 2012, as alíquotas do IPI”, diz o seguinte (com o intuito de não alertar o seu leitor para o “grande problema”): “Ficam alteradas para os percentuais indicados no Anexo V, até 31 de dezembro de 2012, as alíquotas do IPI, conforme a TIPI.

   Então o que fez o Executivo? Aumentou as alíquotas do IPI para todos os veículos em 30 pontos percentuais e depois previu uma redução de alíquotas nos mesmos 30% (quanta coincidência!) para os veículos nacionais.

   Rapidamente vamos voltar à questão do prazo para a fruição desse “benefício”. A MP diz que a redução de alíquotas será usufruída até Julho de 2016. O que fez o Decreto? Determinou que a alteração das alíquotas do IPI (30% a mais) se dará até o final de 2012. Assim, creio eu, o Executivo pretende se defender de eventuais questionamentos acerca da alteração do prazo para a fruição da alíquota reduzida do IPI prevista na MP 540/2011, pois, formalmente, ele não alterou o prazo para esta fruição, mas tão somente criou um novo prazo que vale para a aplicação das alíquotas majoradas do IPI. E ao final de 2012, por meio de novo Decreto, o Executivo poderá simplesmente prorrogar o prazo de validade das referidas alíquotas, estendendo ou não a “redução” aos fabricantes de veículos importados, garantindo, de qualquer forma, a determinação contida no art. 5º, §1°, II, da MP 540/2011.

   Mister se faz, também, a abordagem da essencialidade do IPI. Sabemos que o IPI deve ser seletivo em função da essencialidade do produto e não da sua procedência ou destino. A essencialidade serve para distinguir aquilo que é essencial daquilo que é supérfluo. Não creio que seja possível qualificarmos um automóvel nacional como essencial e outro, com as mesmas características, porém importado, como supérfluo. Não me parece que tenha sido essa a intenção do constituinte ao estabelecer a seletividade em função da essencialidade do produto como princípio obrigatório a ser observado na exigência do IPI.

   De teor duvidoso é também o caput do art. 4º do Decreto-lei 1.199/71 que prescreve:

“Art. 4º O Poder Executivo, em relação ao Impôsto sôbre Produtos Industrializados, quando se torne necessário atingir os objetivos da política econômica governamental, mantida a seletividade em função da essencialidade do produto, ou, ainda, para corrigir distorções, fica autorizado:

        I – a reduzir alíquotas até 0 (zero);

        II – a majorar alíquotas, acrescentando até 30 (trinta) unidades ao percentual de incidência fixado na lei;

        III – a alterar a base de cálculo em relação a determinados produtos, podendo, para êsse fim, fixar-lhes valor tributável mínimo.”

   Há quem entenda que este artigo permite que o Executivo altere as alíquotas do IPI, nos percentuais descritos e que tal alteração não configura ofensa ao princípio da seletividade em função da essencialidade do produto (ainda que no caso concreto não seja observado o referido princípio). E essa interpretação não merece prosperar, pois se funda em flagrante inconstitucionalidade. Ora, se a Carta Magna determina que é obrigatório respeitar o referido princípio, não é admissível que qualquer outro instrumento normativo infraconstitucional disponha de forma diversa. Se o Executivo alterar as alíquotas nos percentuais previstos no art. 4º do referido Decreto-lei, sem a devida observância ao princípio da seletividade em função da essencialidade do produto, essa alteração restará configurada inconstitucional. Explicando de outra forma, não se pode aceitar que o Decreto-lei disponha sobre a possibilidade da alteração de alíquotas nos percentuais que ele estabelece, sem que, efetivamente, seja respeitada a seletividade. O fato de a redação do já mencionado dispositivo prever que a alteração das alíquotas (nos percentuais estipulados, é claro) não fere a seletividade em função da essencialidade do produto, não pode considerado como verdade absoluta e cada alteração deve ser analisada em concreto para saber se, efetivamente, está (ou não) sendo observado o referido princípio.

   Também há os que interpretem o dispositivo sistematicamente, e dentre eles me enquadro, entendendo-o da seguinte forma: “O Poder Executivo, em relação ao IPI, quando se torne necessário atingir os objetivos da política econômica governamental, ou para corrigir eventuais distorções, fica autorizado a alterar as alíquotas do referido imposto nos seguintes percentuais, devendo ser observada a seletividade em função da essencialidade do produto”. Percebam que há uma substancial diferença nessa outra visão. Aqui, entende-se que a possibilidade de alteração de alíquotas pelo Executivo é relativa. Ou seja, ele só poderá promover as alterações previstas no referido Decreto-lei, caso esteja sendo observado o princípio da seletividade em função da essencialidade do produto. O que se permite, com base nessa interpretação, é que haja uma alteração de alíquotas para que seja, efetivamente, mantida a seletividade. Assim sendo, poderiam ser alteradas as alíquotas de um mesmo produto, no mesmo percentual; ou poderia ser alterada a alíquota de um determinado produto, cujo outro do mesmo nível de essencialidade estivesse sujeito à incidência de uma alíquota distinta, a fim de igualar a tributação de ambos os bens. Nos dois casos, a alteração estaria motivada pela obrigatoriedade em se observar o princípio da seletividade do IPI. Creio que o comando contido no art. 4º do Decreto-lei 1.199/71 só pode ser entendido desta forma, sob pena de ser tido como inconstitucional.

   Tratemos, por fim, do maior problema, que é o desrespeito ao princípio da não-surpresa, em virtude de não ter sido observada a noventena para a exigência do IPI majorado em 30%.

   O princípio da noventena guarda íntima relação com o princípio da segurança jurídica, além se assegurar a não-surpresa aos contribuintes, e está consagrado no art. 150, III, “c”, da CF/88.

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III – cobrar tributos:

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou

   Como já foi exposto, o IPI é exceção à legalidade e poderá ter suas alíquotas alteradas por meio de Decreto do Poder Executivo. Ora, me parece óbvio que ainda que o aumento se dê por Decreto, a sujeição ao princípio da anterioridade nonagesimal permanece sendo obrigatória. Alguns defendem que o fato de aumento do imposto ter se dado por Decreto, e não por lei, é suficiente para que não se cogite a aplicabilidade da noventena no caso em tela (o que é um absurdo, afinal se uma lei não pode ir contra uma determinação constitucional, um decreto também não poderá fazê-lo). Outros dizem que a alteração trazida pelo Decreto 7.567/2011 se deu dentro dos limites previsto no Decreto-lei 1.199/71 (que foi recepcionado pela atual Constituição com força de lei) e que a alíquota prevista em lei não foi majorada, não sendo aplicável, portanto, a limitação contida no art. 150, III, “c”, da CF/88. Nenhum desses argumentos me parece compatíveis com a nossa Constituição.

   O atual texto constitucional, com a edição da Emenda Constitucional 42/03, passou a prever a necessidade da observância da noventena para que seja exigido um tributo cuja alíquota tenha sido aumentada. É fato que a recepção do art. 4º do Decreto-lei 1.199/71, com força de lei, pelo ordenamento vigente à época da promulgação da atual Constituição se deu em plena conformidade, haja vista que a majoração do IPI não se sujeitava ao princípio da anterioridade e ainda não existia a limitação atualmente contida no art. 150, III, “c”, da CF/88 (princípio da noventena).

   O mesmo não se pode dizer a partir das alterações promovidas pela Emenda Constitucional 42/03. Com a introdução da alínea “c” no art. 150, III, da CF/88, o dispositivo contido no inciso II, do art. 4º, do Decreto-lei 1.199/71 deve ser aplicado em estrita observância ao princípio introduzido pela referida Emenda. Ou seja, a majoração em 30 pontos percentuais poderá ser feita por Decreto do Executivo, desde que observada a noventena. Se assim não for considerado, estaremos diante de uma situação onde um instrumento normativo com força de lei (norma primária) cria uma exceção a um princípio constitucional. Ainda que haja a previsão em favor da exceção ao princípio da legalidade para a alteração das alíquotas do IPI, a interpretação que deve ser dada ao §1º do art. 153 da CF/88, com o intuito de que não seja observada a noventena, deve ser no sentido de considerar a palavra “alterar” como sinônima de “reduzir” ou “restabelecer”. Ao permitir que Executivo altere para mais as alíquotas do IPI, não parece ser intenção do legislador constitucional permitir que tal alteração excepcione o disposto previsto no art. 150, III, “c”, da CF/88. Em outros dois casos, relativamente a tributos sujeitos ao princípio da anterioridade do exercício, quando quis excepcionar a observância do referido princípio, o legislador constitucional assim determinou expressamente (e somente para os casos de redução/restabelecimento de alíquotas), como podemos ver pela leitura dos arts. 155, § 4º, IV, “c” (para o ICMS-monofásico), e 177, § 4º, “b” (CIDE-combustíveis), da CF/88. Então, entendo que sempre que a alteração de alíquotas de determinado tributo se dê para mais é imperativo que sejam observados, de acordo com cada caso, os princípios da anterioridade do exercício e da noventena. Em se tratando do IPI, por expressa previsão constitucional, basta que seja observado esse último princípio. Somente em relação ao imposto de importação (II), imposto de exportação (IE) e ao IOF é que as alterações de alíquotas (inclusive majorações) serão aplicáveis de imediato, já que esses três impostos não estão submetidos a nenhum dos dois princípios retromencionados. Reforço que a previsão constitucional para que a alteração as alíquotas do IPI possa ser feita por meio de Decreto do Executivo, dentro dos limites legais, não exclui a obrigatoriedade da observância dos demais princípios constitucionais tributários (especificamente a noventena), quando necessário. Ora, um aumento de 30 pontos percentuais na alíquota do imposto não estaria ferindo o princípio da não-surpresa? Uma majoração que fará o consumidor pagar cerca de 25% a mais por um veículo importado (ou seja, em quatro anos, ele compraria outro veículo) não deve ser considerada surpreendente? Parece que o Governo não está utilizando o IPI com um intuito extrafiscal, mas sim por outros motivos. Ou num interesse imediato meramente arrecadatório, o que explicaria tamanha urgência na cobrança do imposto já majorado, ignorando princípios constitucionais tributários; ou por interesses meramente políticos, pois me parece que teria sido mais simples manter os níveis de tributação e conceder algum benefício para os veículos nacionais. Aumentando excessivamente a tributação sobre os veículos importados, o Governo deu uma margem aos fabricantes de veículos nacionais para que aumentem os preços dos seus veículos, afinal ainda que aumentem um pouco esses preços (cerca de 10%, 15%), estes ainda serão mais atrativos do que os dos importados. E o prejudicado é o contribuinte de fato do imposto que somos nós, adquirentes dos veículos.

   Por fim, cumpre ressaltar que, a meu ver, a redação do art. 4º do Decreto-lei 1.199/71 está em perfeita consonância com a ordem constitucional vigente. Porém o cuidado na interpretação e na aplicação do referido dispositivo deve ser o maior possível, a fim de que seja evitada flagrante ofensa aos princípios tributários, devidamente mencionados, contidos na nossa Carta Magna. Por tudo o que foi exposto, não merece prosperar a intenção do Governo de que as novas alíquotas do IPI, majoradas em 30% pelo Decreto 7.567/2011, sejam aplicáveis imediatamente às operações que envolvam veículos importados; devendo ser observado o disposto no art. 150, III, “c”, da CF/88, que consagra o princípio da noventena.

Rafael Lopes Rocha

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo, cursando especialização em direito tributário no IBET-RJ

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