A Convenção nº 158 da OIT e a questão relativa a constitucionalidade, em face do direito interno brasileiro

José Soares Filho

I – Introdução

As normas internacionais assumem, cada dia, mais importância para as relações humanas, tanto no plano individual, quanto no coletivo, notadamente as de porte supranacional.

Nesse panorama, sobressaem os direitos sociais, que se inserem no quadro dos direitos fundamentais da pessoa humana, consagrados em todas as declarações universais de direitos e nas Constituições dos países civilizados, dentre as quais se destaca nossa Carta Magna de 1988.

O trato dos direitos sociais com maior amplitude faz-se necessário ante o fenômeno da globalização, que, embora dando ênfase ao aspecto econômico, tem cunho de natureza social, cultural, política, envolvendo o ser humano em suas múltiplas manifestações e necessidades. E não poderia ser diferente, porquanto diz respeito a um processo ligado à própria existência do homem desde os primórdios da civilização.

A salvaguarda e efetivação desses direitos requerem positivação através de normas de âmbito supranacional, expedidas por instituições legitimadas e capazes de integrar os sistemas jurídicos internos dos Estados.

Surge, então, com a finalidade de desempenhar essa relevante função, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919 no Tratado de Paz de Versailles, que representou o armistício em relação à Primeira Guerra Mundial.

Esse organismo internacional integra, como agência especializada, o sistema das Nações Unidas, mas goza de autonomia e competência para o cumprimento dos objetivos estabelecidos em sua Constituição. Vem, desde seu nascedouro, realizando um trabalho profícuo, de relevante importância para a sociedade humana, no tocante às relações de trabalho.

Sua função primordial – que tem como emblema a justiça social – concerne a regulação das relações laborais, de modo a torná-las compatíveis com a dignidade das pessoas nelas envolvidas. Assim, a OIT desenvolve atividade normativa que visa a aprimorá-las com esse caráter, desse modo contribuindo para o equilíbrio entre os interesses do capital e os do trabalho, que é condição da paz e do verdadeiro progresso humano.

As normas oriundas dessa atividade têm eficácia positiva nos ordenamentos jurídicos dos Estados que as recepcionam e procuram efetivá-las. Com essa compreensão, os órgãos e entidades ligados a essa temática, em nosso país, especialmente o Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Assocação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) e o Ministério Público do Trabalho, acabam de celebrar convênio com o Departamento de Normas Internacionais do Trabalho da OIT, para realização de cursos, seminários e outros eventos dessa natureza, a fim de promoverem o estudo, pelos juízes do trabalho, procuradores, advogados e outras pessoas interessadas, das referidas normas e suas aplicação nos processos judiciais trabalhistas, com o fito de melhorar a prestação jurisdicional nesse campo.

Um dos principais instrumentos normativos produzidos pela OIT é a Convenção nº 158, de 1982, que dispõe sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, visando a protegê-la contra a despedida arbitrária ou sem causa socialmente justificável. Ora, trata-se, obviamente, de questão crucial e de vital importância para os trabalhadores. Pelo impacto que causa nas relações de produção – restringindo o poder de comando empresarial -, tem encontrado resistência para sua adoção por grande parte dos Estados, sendo, particularmente, objeto de discussão pelos parlamentos nacionais, dentre os quais o brasileiro.

A Convenção nº 158 da OIT foi ratificada pelo Brasil, em 1995 e, logo em seguida, em 1996, denunciada. Ultimamente, em 2008, foi reapresentada pelo Governo brasileiro ao Congresso Nacional, com a proposta de nova ratificação, mas este reluta em aprová-lo, de modo que permanece em discussão nas comissões legislativas, não tendo ainda sido submetida a apreciação pelo Plenário da Casa.

Vê-se, daí, que o tema ora tratado é de palpitante atualidade e relevante interesse social, motivo por que merece atenção e estudo percuciente pelos juristas e operadores do direito em nosso país.

Este trabalho enfoca a OIT em sua atividade normativa, destacando, em relação a esta, a Convenção nº 158. Analisa-se em detalhes seu conteúdo, em correlação com o da Recomendação nº 166, que a regulamenta. Aborda-se a questão surgida com a denúncia da ratificação desse instrumento pelo Estado brasileiro, fundada em declaração, pelo STF, de sua inconstitucionalidade.

II – Atividade normativa da OIT: Convenções e recomendações

Como assinala Sussekind (01), desde sua criação, em 1919, a OIT vem realizando um trabalho valioso e de grande alcance, mediante sua atividade normativa – que compreende as relações de trabalho em seus diversos aspectos, no plano universal -, materializada em convenções e recomendações, desse modo contribuindo consideravelmente para o aperfeiçoamento da regulamentação das relações trabalhistas, que representa avanço na conquista da melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Cumpre, destarte, sua missão, que se consubstancia na persecução da justiça social (que para ela tem o sentido de um emblema).

Segundo Esteves (02), "La obra realizada por la OIT desde sus inicios – 1919 – ha permitido el nacimiento y desarrollo del Derecho internacional del trabajo, así como el progreso universal de la legislación laboral y social"(03).

Para atingir seus objetivos, com fundamento em sua Constituição, é que a OIT exerce uma atividade normativa, materializada em convenções e recomendações.

1 – Conceito de convenção e de recomendação

As convenções, uma vez ratificadas, constituem fonte formal do direito internacional do trabalho, desde que não sejam meramente programáticas ou promocionais. Somente elas são sujeitas a ratificação; têm a natureza de tratados internacionais multilaterais. Criam obrigações para os Estados.

As recomendações constituem fonte material de direito, nesse âmbito, tal como as convenções não ratificadas.

As convenções, juntamente com as recomendações, constituem o denominado "Código Interrnacional do Trabalho".

Tanto as convenções, quanto as recomendações, devem ser submetidas à autoridade nacional competente para deliberar sobre as matérias sobre que versam. Trata-se de obrigação de natureza formal, estabelecida na própria Constituição da OIT.

As convenções são normas que tendem a incorporar-se aos sistemas jurídicos internos dos Estados, regulando relações jurídicas e, consequentemente, gerando direitos e obrigações para as pessoas nelas envolvidas. Como tratados multilaterais, ou universais, não se restringem aos Estados convenentes, ou pactuantes, mas são abertas a adesão pelos outros membros da Organização.

As recomendações valem como propostas a serem submetidas aos Estados-membros, podendo ou não ser por eles aproveitadas e, assim, transformadas oportunamente em normas jurídicas na esfera de sua jurisdição, sejam estas de caráter estatal, sejam de natureza negocial (convenções ou acordos coletivos de trabalho). Geralmente resultam de propostas de convenções frustradas, posto que correspondem a regras avançadas para a maioria dos Estados-membros. Têm sido utilizadas para complementar e/ou regulamentar convenções que versem sobre princípios e regras gerais, possibilitando sua aplicação a maior número de países.

2 – Integração das convenções e recomendações no sistema jurídico interno dos Estados

Para que as convenções, como tratados internacionais, passem a integrar o ordenamento jurídico nacional e se torne exigível seu cumprimento, requer-se – como já assinalado – sua ratificação pelo Estado. A maneira da integração varia em conformidade com o sistema adotado pelo Estado – monismo ou dualismo jurídico.

Para os países de sistema monista, as convenções ratificadas, uma vez iniciada sua vigência no âmbito interno, passam a integrar o ordenamento jurídico nacional, em seus precisos termos, revogando automaticamente as normas infraconstitucionais que com elas sejam incompatíveis. Desse grupo faz parte a grande maioria dos Estados, dentre eles o Brasil. Em relação aos que perfilham o dualismo jurídico, a inserção da norma internacional no direito interno faz-se mediante a promulgação, pelo Estado, de ato normativo (v.g., lei) que incorpore o teor da convenção, sem recepcionar literalmente seu texto. São poucas as nações que se enquadram nesse grupo (exemplos: Argentina, Reino Unido, Austrália, Canadá).

As recomendações, para integração no direito nacional, independem de ratificação, bastando sua transformação em normas internas, pois, tal como as declarações e resoluções, são fontes materiais de direito.

III – A Convenção nº 158

1 – O teor da Convenção nº 158 em correlação com o da Recomendação nº 166

Em seu Informe III, Parte 4B (04), a Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT fez um estudo geral sobre esses instrumentos, o que permite traduzir, em síntese, seus principais dispositivos.

Definição e métodos de aplicação

Quanto à definição, esclareceu-se, no artigo 3 da Convenção, que as expressões "término" e "término da relação de trabalho" se referem ao término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, restringindo-se, pois, a essa hipótese o campo de aplicação material da Convenção.

São admitidos os mais diversos métodos de aplicação dos mencionados instrumentos, tais como: a legislação nacional, os contratos coletivos, os laudos arbitrais, as sentenças judiciais, ou qualquer outro adotado pela prática nacional, a exemplo do regulamento da empresa.

Âmbito pessoal de aplicação

O campo de aplicação da Convenção é muito vasto: compreende todos os ramos de atividade econômica e todas as pessoas empregadas, nacionais ou estrangeiras; exclui, por sua própria finalidade, os trabalhadores por conta própria. Apesar disso, é bastante flexível, visto como faculta ao Estado que a ratifique não aplicá-la a determinadas classes ou categorias de trabalhadores, em razão da própria natureza do contrato de trabalho, bem assim das condições de certas categorias de trabalhadores, tais como: os trabalhadores com um contrato de trabalho de duração determinada ou para realizar uma determinada tarefa; os trabalhadores que estejam num período de experiência ou que não tenham o tempo de serviço exigido, sempre que, em qualquer um dos casos, a duração tenha sido fixada previamente e seja razoável; os trabalhadores contratados em caráter ocasional durante um período de curta duração.

Causas justificativas do término da relação de trabalho

A obrigação de o empregador fundamentar o término da relação de trabalho constitui o ponto de maior relevo da proteção consubstanciada na Convenção nº 158 da OIT. "A necessidade de que o término se fundamente em uma causa justificada constitui a pedra angular das disposições da Convenção" – reza o Informe III (Parte 4B) da Oficina Internacional del Trabajo (05). Com efeito, dispõe aquele instrumento, em seu artigo 4, que "não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada …"

Nos termos do artigo 4 da Convenção, a causa do término, para ser justa, deve estar relacionada com a capacidade ou conduta do trabalhador, ou basear-se nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço. A primeira dessas hipóteses diz respeito a inaptidão (ou incapacidade) do trabalhador para o desempenho das funções que lhe são cometidas, por falta das qualificações ou aptidões necessárias para esse mister, caracterizando-se como insuficiência profissional. Também compreende os casos de má execução do trabalho não devida a uma falta deliberada e de incapacidade para tanto resultante de um acidente ou uma enfermidade. A conduta do trabalhador que justifica o término de sua relação laboral corresponde a um comportamento repreensível, ou faltoso, podendo ser tanto uma falta profissional que suscite um procedimento disciplinar, quanto outro tipo de irregularidade comportamental.

As causas relacionadas com as necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço podem ser de natureza econômica, tecnológica, estrutural ou análoga. Concorrem para o encerramento de relações de trabalho individuais ou coletivas, levando à redução de pessoal ou ao fechamento da empresa. Por vezes têm relação com o excedente de mão-de-obra ou a redução do número de postos por motivos econômicos ou técnicos, ou nos casos de força maior e caso fortuito. Revestem as formas de racionalização ou modernização das empresas, estabelecimentos ou serviços, em face de queda de produtividade, alterações nas condições do mercado ou da economia e a falta de adaptação técnica do trabalhador a elas.

No artigo 5 da Convenção se enumeram motivos que não constituem justa causa para o término da relação de trabalho. O elenco não tem caráter exaustivo, como denota a expressão "entre os motivos … figuram os seguintes". Assim, admite-se que o Estado pode, a seu critério, acrescentar outras hipóteses, como, aliás, consta do item 5 da Recomendação nº 166.

O primeiro motivo que, segundo esse dispositivo, não constitui causa justificada para o término da relação de trabalho é a filiação a um sindicato ou participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho. O segundo prende-se ao fato de ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar ou haver atuado nessa qualidade. O terceiro é apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes.

Os demais motivos são: a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, a ascendência nacional ou a origem social, a ausência do trabalho durante a licença-maternidade. A Recomendação nº 166, em seu item 5, acrescenta dois motivos que não constituem justificativa para o término da relação de trabalho: a) a idade, sem prejuízo da legislação e da prática nacionais com respeito à aposentadoria; b) a ausência do trabalho devida ao serviço militar obrigatório ou ao cumprimento de obrigações cívicas em conformidade com a legislação e a prática nacional.

Dispõe o artigo 6 da Convenção que "a ausência temporal do trabalho por motivo de doença ou lesão não deverá constituir causa justificada de término da relação de trabalho". Todavia, a Convenção admite certas limitações determináveis em função dos métodos de aplicação nacionais.

Procedimentos do término da relação de trabalho

A proteção contra o término injustificado da relação de trabalho pressupõe, não só normas de fundo que imponham, seja ele baseado em causas justas, mas também procedimentos que garantam a observância desse requisito. Dividem-se estes em duas categorias: a) os que deverão efetuar-se antes ou no momento do término; b) os atinentes a recurso contra essa iniciativa, que compreendem medidas de reparação pelo término ocorrido sem qualquer dos motivos previstos como justificativos do mesmo.

O artigo 7 da Convenção em apreço impõe, para a hipótese de dar-se por terminada a relação de trabalho por motivos relacionados com a conduta do trabalhador ou seu desempenho, que antes se lhe ofereça a possibilidade de defender-se das acusações formuladas contra ele, a menos que não seja razoável pedir ao empregador que lha conceda.

Reza o item 7 da Recomendação que o término da relação de trabalho por falta cuja natureza, em virtude da legislação ou da prática nacional, só o justificaria em caso de reincidência uma ou mais vezes, só deveria ocorrer se o empregador houvesse prevenido por escrito o trabalhador de maneira adequada. Ademais, segundo o item 10 do mesmo instrumento internacional, o fato de o empregador não tomar, em tempo razoável desde que tenha tido conhecimento do ilícito, a iniciativa de dar por terminada a relação de trabalho tendo como causa uma falta cometida pelo trabalhador, deveria ser interpretado como renúncia a esse direito.

O item 11 da Recomendação estabelece como diretriz que o empregador, antes de tomar uma decisão definitiva em casos de término individual da relação de trabalho, consulte a respeito os representantes dos trabalhadores.

Segundo o artigo 8, o trabalhador que considerar injustificado o término de sua relação de trabalho terá o direito de recorrer contra o mesmo perante um organismo neutro, como, por exemplo, um tribunal, um tribunal do trabalho, uma junta de arbitragem ou um árbitro. E admite-se a presunção de renúncia a esse direito, por parte do obreiro, no caso de ele não exercê-lo num prazo razoável a contar do término (§ 3).

O art. 9 refere a competência dos mencionados organismos para examinar o recurso (§ 1).

O item 14 da Recomendação prevê, como aconselhável, um procedimento de conciliação anterior à interposição de recurso contra o término da relação de trabalho ou durante o mesmo.

No tocante ao ônus da prova relativa às causas alegadas como justificativa da despedida, segundo o § 2 do art. 9 da Convenção, pode recair sobre o empregador ou sobre ambas as partes, segundo os critérios adotados pelo ordenamento jurídico de cada país.

A reparação pelo término injustificado da relação de trabalho

A proteção da relação de trabalho, notadamente a relação de emprego, requer, em princípio, que o trabalhador não possa ser privado de seu posto sem que tenha ocorrido alguma das hipóteses justificativas desse fato. Trata-se, pois, de uma estabilidade relativa. Consequentemente, sua despedida arbitrária deve autorizar sua reintegração, decorrente da anulação do ato patronal infringente da garantia estatuída, por não se fundar em qualquer dos motivos relacionados no art. 4 da Convenção nº 158, restituindo-se a situação ao "status quo ante". Todavia, a Conferência Internacional do Trabalho foi compelida a aprovar uma norma flexível sobre a matéria, considerando a circunstância de que em muitos países o trabalhador não gozava do direito em referência. A fórmula encontrada para atender à maioria dos delegados é a que corresponde ao artigo 10 da Convenção.

Esse dispositivo dá preferência à anulação da despedida e, por consequência, à readmissão como meio de reparação pelo término injustificado da relação de trabalho; porém, admite, como alternativa, outras formas de reparação em função dos poderes do organismo competente (neutro) conferidos pela legislação e a prática nacionais, e tendo em vista a inaplicabilidade na situação concreta de uma decisão desse teor, formas essas traduzidas em indenização adequada ou outro tipo de reparação que for apropriada segundo os critérios do direito interno.

Na abalisada interpretação de Sussekind (06), a indenização ou outra reparação apropriada só deverá ser adotada, se, apesar de injustificada a despedida, o organismo não tiver competência para determinar a reintegração do trabalhador, ou esta for contraindicada pelas circunstâncias presentes. Essa indenização não se confunde com a compensatória do prazo do aviso prévio, prevista no art. 11, nem com a devida pelo encerramento dos serviços de que trata o art. 12.

A opção pela readmissão ou pela indenização financeira depende de faculdade estabelecida na legislação nacional e, de um modo geral, fica ao arbítrio do organismo neutro competente para decidir sobre a matéria. Os critérios da opção variam e são prescritos pela própria legislação ou fixados em convenções coletivas. Podem basear-se na condição do querelante, a exemplo dos representantes sindicais e de pessoas vítimas de discriminação, que merecem proteção especial, por se caracterizar, em um e outro caso, desrespeito a direito humano fundamental, sendo, portanto, a melhor e mais adequada forma de reparação a readmissão do trabalhador às suas funções, com a manutenção de seus direitos adquiridos, especialmente os salários vencidos.

O art. 11 da Convenção impõe ao empregador que tenha a intenção de despedir um trabalhador a obrigação de dar-lhe aviso prévio razoável. Visa, com essa medida, a evitar que este seja surpreendido com o término de sua relação laboral com efeito imediato e atenuar suas consequências prejudiciais, ensejando-lhe adaptar-se à situação e procurar um novo emprego. O requisito do aviso prévio não dispensa a exigência de um motivo válido para o término, ou seja, é devido mesmo que exista tal motivo; somente no caso de o trabalhador ser culpado de uma falta grave, é que o aviso se torna prescindível. Durante o respectivo prazo o contrato de trabalho continua em vigor, mantendo-se, em consequência, as obrigações de ambas as partes a ele inerentes.

De um modo geral, esse requisito só se aplica aos contratos de duração indeterminada, pois os contratos a prazo determinado, assim como os por obra certa, se encerram quando se expira o respectivo período ou quando é concluída a obra.

Conforme o disposto no art. 11 da Convenção, a falta do aviso prévio gera para o trabalhador o direito a uma indenização compensatória. Esta deve corresponder à remuneração que ele teria recebido no prazo do aviso, se este houvesse sido dado, e não substitui a eventual indenização devida pelo término injustificado da relação de trabalho, prevista no art. 10, nem se confunde com a indenização por encerramento dos serviços a que se refere o art. 11, daquele instrumento – adverte o Informe (07).

Reza o item 16 da Recomendação que, durante o prazo do aviso prévio, o trabalhador deverá dispor de tempo livre razoável, em momentos convenientes para ambas as partes, sem perda de remuneração, a fim de procurar outro emprego. Esses espaços temporais podem ser, cada um, de uma ou duas horas por dia, um ou dois dias por semana, ou mais longos.

O art. 12, § 1, da Convenção prevê indenização pelo término de serviços e outras medidas de proteção dos rendimentos do trabalhador cuja relação de trabalho tenha sido encerrada, a serem efetivadas em conformidade com a legislação e a prática nacionais. Assegura-lhe o direito às seguintes modalidades de prestações, a serem aplicadas alternativa ou cumulativamente: a) uma indenização por término de serviços ou outras compensações análogas, cuja quantia será fixada em função, entre outras coisas, do tempo de serviço e do montante do salário, pagáveis diretamente pelo empregador ou por um fundo constituído por meio de cotizações dos empregadores; b) benefícios do seguro-desemprego, de um sistema de assistência aos desempregados ou de outras formas de previdência social, tais como benefícios por velhice ou por invalidez, sob as condições normais a que esses benefícios estão sujeitos.

Segundo o § 2 do referido artigo, o simples fato de o trabalhador não receber benefício em face de desemprego (como, por exemplo, o seguro-desemprego) não obsta à percepção da referida indenização.

A indenização em foco – explica o Informe III (Parte 4B) da Oficina Internacional del Trabajo (08) – distingue-se tanto da indenização pelo término injustificado (artigo 10), quanto da indenização compensatória do aviso-prévio não concedido (artigo 11).

Dispõe o § 3 que, em caso do término devido a falta grave, poder-se-á prever a perda do direito a perceber as indenizações ou benefícios mencionados no § 1, alínea "a", pelos métodos de aplicação mencionados no artigo 1 da presente Convenção. Porém, essa disposição, na exegese feita pela Comissão de Peritos – Informe III (Parte 4B) (09) -, não supõe, de modo algum, a obrigação de rejeitar a indenização por término de serviços em caso de falta grave, eis que, nos países em que a indenização é considerada salário diferido, os empregadores podem ser obrigados a pagar a respectiva importância mesmo que o trabalhador incorra em ilícito dessa ordem.

O artigo 12 da Convenção – explica o Informe (OFICINA…) (10) – foi concebido para ser aplicável aos diversos regimes e situações que se apresentam no cenário mundial, concernentes à garantia dos rendimentos do trabalhador em face do término de sua relação laboral. Contém fórmulas de flexibilidade que oferecem aos países a possibilidade de desenvolver sistemas de proteção adaptados às condições específicas de sua situação a esse respeito. Digno de nota é o fato de que, na maior parte dos países, a legislação contém disposições que preveem a possibilidade de estabelecer indenizações por meio de convenção coletiva, pagas diretamente pelo empregador ou por um fundo mantido por contribuições dos empregadores.

O término da relação de trabalho por motivo de caráter econômico – como por exemplo, a redução do pessoal decorrente da modernização do parque industrial, de aplicação de novos métodos de trabalho, de interrupção ou cessação das atividades da empresa – é razão admitida por alguns países para atribuição do direito à indenização em apreço.

O direito aos benefícios de desemprego – cujas fontes de financiamento são, em geral, contribuições dos empregadores, dos próprios trabalhadores (segurados), ou subvenções estatais – é submetido a certas condições: o desemprego deve ser involuntário e não devido a falta por parte do trabalhador; o interessado deve cumprir um número mínimo de contribuições; deve estar apto para o trabalho, disponível e disposto a aceitar um emprego apropriado às suas condições; as prestações, na maior parte dos sistemas, são concedidas apenas por determinado período. Os regimes privados, estabelecidos por meio de convenções coletivas ou em virtude de um seguro privado, garantem benefícios complementares de desemprego e, em alguns casos, são a fonte exclusiva dos benefícios dessa natureza.

Disposições complementares sobre o término da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos

As disposições a esse respeito encontram-se na parte III da Convenção nº 158 e constam de dois artigos – um, o art. 13, trata da informação e da consulta aos representantes dos trabalhadores; o outro, o art. 14, regula a notificação à autoridade competente.

Os motivos derivados das necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço, mencionados no artigo 4, compreendem, de um modo geral, segundo a exegese feita pela Comissão de Peritos (11), motivos de ordem econômica, tecnológica, estrutural ou outros, análogos.

As disposições dos arts. 13 e 14, com o objetivo de proteger os trabalhadores em face de seu desligamento da empresa por razões de natureza objetiva – ligadas a necessidades de funcionamento dela -, instituem meios tendentes a evitar ou limitar o término das relações de trabalho e atenuar suas consequências; para isso, adotam certos procedimentos, quais sejam, a informação e a consulta aos trabalhadores, bem como a notificação às autoridades públicas, os quais devem ser observados pelos Estados que ratifiquem a Convenção.

Segundo o § 1 do art. 13, quando o empregador previr término de relações de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos: a) proporcionará aos representantes dos trabalhadores interessados, em tempo oportuno, a informação pertinente, incluindo os motivos dos términos previstos, o número e categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados por eles e o período durante o qual seriam efetuados esses términos; b) em conformidade com a legislação e a prática nacionais, oferecerá aos representantes dos trabalhadores interessados, o mais breve possível, uma oportunidade para realizar consultas sobre as medidas que deverão ser adotadas para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as consequências adversas de todos os términos para os trabalhadores afetados, por exemplo, encontrando novos empregos para eles.

Tal consulta não deve restringir-se a uma simples informação, mas ser de molde a poder influir na decisão que venha a ser adotada. Deve ensejar um intercâmbio de opiniões e um diálogo, que certamente resultam em benefício tanto para os trabalhadores, quanto para o empregador, ao preservar, se possível, o emprego, com relações harmoniosas, num clima social propício à continuação das atividades da empresa (12).

O art. 14 da Convenção dispõe, em seu § 1, que, em conformidade com a legislação e a prática nacionais, o empregador que tenha em vista promover demissão de empregados por razões de ordem econômica, tecnológica, estrutural ou análogas, deverá notificá-lo, o quanto antes possível, à autoridade competente, prestando-lhe a informação pertinente, na qual inclua uma exposição por escrito dos motivos dos términos previstos, o número e as categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados e o período durante o qual serão efetuados esses términos.

Tal como disposto no § 2 do art. 13, sobre a consulta aos representantes dos trabalhadores, o § 2 do art. 14 faculta à legislação nacional limitar a aplicação da medida concernente à notificação da autoridade competente, aos casos em que o número dos trabalhadores em vias de ser despedidos seja pelo menos igual a um número ou percentagem determinados do pessoal. Essa notificação deverá, nos termos do § 3 do art. 14, ser feita com um prazo mínimo de antecedência da data em que se procederá aos términos, prazo esse a ser especificado pela legislação nacional. A fixação do momento de efetuar a notificação – se simultânea ou posterior à consulta -, bem assim o papel que deva desempenhar no caso a autoridade competente, depende dos métodos de aplicação nacionais, considerando-se as funções atribuídas aos representantes dos trabalhadores e à referida autoridade. Do mesmo modo que a consulta, a notificação deve fazer-se o mais breve possível, enquanto que a exposição dos motivos do término deve ter a forma escrita.

A Recomendação nº 166, que tem o caráter de regulamentação da Convenção nº 158, propõe, de forma bastante adequada, procedimentos atinentes à informação e consulta aos representantes dos trabalhadores e à notificação à autoridade competente.

A Recomendação nº 166 acrescenta um aspecto complementar no tocante ao conteúdo das consultas: enquanto esta alude a medidas que devem ser adotadas com o fim de evitar ou limitar a cessação de relações de trabalho, aquela (a Convenção) preconiza a celebração de consultas sobre determinadas medidas que possam ser adotadas antes do momento em que esse fato se apresente inevitável, pois, quanto antes sejam previstos os problemas subjacentes, tanto maior será a possibilidade de encontrar solução para eles.

Nos termos do subitem 1 do item 20, o empregador que tenha em vista a introdução no sistema de produção, no programa, na organização, na estrutura ou na tecnologia, de mudanças importantes suscetíveis de provocar demissões, deveria consultar o quanto antes possível os representantes dos trabalhadores interessados, dentre outras coisas, sobre a introdução dessas mudanças, suas possíveis repercussões e as medidas para prevenir ou atenuar seus efeitos prejudiciais. Consoante o disposto no subitem 2 desse item, a fim de que os representantes dos trabalhadores interessados possam participar eficazmente nas consultas em referência, o empregador deveria proporcionar-lhes em tempo oportuno toda informação pertinente sobre as mudanças importantes previstas e suas possíveis repercussões.

Na notificação dirigida às autoridades competentes, o empregador deve fornecer-lhes indicações sobre a informação que prestou aos representantes dos trabalhadores, a consulta e os resultados da mesma, ou ainda transmitir-lhes a opinião ou a resposta da parte deles. O objetivo geral da notificação é, comumente, o de levar ao conhecimento das autoridades o montante das demissões previstas que possam acarretar problemas econômicos e onerar o erário público, bem assim permitir-lhes ajudar as partes interessadas a encontrar solução para esses problemas. A propósito, a lei pode exigir da autoridade que ausculte a opinião dos representantes dos trabalhadores e que solicite a eles e ao empregador que participem na busca de soluções com o fim de limitar o número de demissões e a atenuar suas consequências.

Para o caso de descumprimento dos procedimentos de consulta ou de notificação, a lei ou as convenções coletivas costumam estabelecer distintos tipos de sanções, que podem ter um efeito cumulativo, como, por exemplo, multas, indenizações compensatórias ou nulidade das demissões.

A Recomendação nº 166 refere os procedimentos e preconiza, ademais, a adoção de medidas concretas para evitar ou limitar as demissões, assim como para atenuar seus efeitos adversos para os trabalhadores. Além disso, contém disposições sobre os critérios de seleção dos trabalhadores cuja relação de trabalho esteja para terminar-se e sobre a prioridade que deve ser dada a eles em caso de serem realizadas novas contratações. As medidas a serem adotadas para reduzir os efeitos das demissões inscrevem-se no plano geral das políticas de emprego, de que trata a Convenção nº 122, de 1964, formação e readaptação profissionais.

O item. 21 da Recomendação elenca, entre as medidas que deveriam considerar-se no intuito de evitar ou limitar ao máximo as demissões por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos: a restrição da contratação de pessoal, o recurso à diminuição natural do pessoal sem repor as baixas durante certo período, as transferências internas, a formação e a readaptação dos trabalhadores, a aposentadoria antecipada voluntária com a adequada proteção dos rendimentos, a diminuição das horas extraordinárias e a redução da jornada normal do trabalho.

O item. 22 reza que, ante a estimativa de que uma redução temporária da jornada normal do trabalho possa evitar ou limitar demissões devidas a dificuldades econômicas passageiras, conviria cogitar-se da concessão de uma compensação parcial pela perda dos salários correspondentes às horas normais não trabalhadas, financiadas segundo métodos adequados conforme a legislação e a prática nacionais.

Nos itens. 21 e 22, a Recomendação nº 166 socorre-se do princípio de que, na eventualidade de o empregador, ante dificuldades econômicas, se veja compelido a efetuar na empresa modificações de ordem técnica ou de outro tipo, só deverá recorrer às demissões como meio para resolver esses problemas em última instância, convindo-lhe estudar previamente todas as demais medidas capazes de evitá-las. Essas medidas, segundo a Recomendação, são de duas ordens: redução do número de trabalhadores por meios voluntários e trabalho partilhado, que implica o trabalho a tempo parcial, como resposta a imperativos econômicos. Vêm a propósito, quanto a este, a diminuição das horas extraordinárias e a redução da jornada normal do trabalho. É mais frequente a combinação desses dois métodos.

3 – Ratificação e denúncia pelo Estado brasileiro

A Convenção nº 158 foi adotada na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em 22 de junho de 1982. Foi aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro por meio do Decreto Legislativo nº 68, de 16 de setembro de 1992. Sua vigência no plano internacional teve início em 23 de novembro de 1985. A Carta de Ratificação respectiva pelo Brasil foi depositada, na Repartição Internacional do Trabalho, em 5 de janeiro de 1995. Sua promulgação deu-se pelo Decreto nº 1.855, de 10.4.96. O início de sua vigência em nosso país deu-se em 5 de janeiro de 1996. Foi denunciada pelo Governo brasileiro em 20 de novembro de 1996, vindo a denúncia a ter efeito a partir de 20 de novembro de 1997.

Ao ser ratificada pelo Brasil, provocou acerbas reações em nosso país, notadamente da parte da classe empresarial, provavelmente em face do ônus econômico-financeiro que sua aplicação acarretaria aos empregadores, com a restrição ao seu poder de comando no que tange, especialmente, à despedida arbitrária ou sem justa causa, ex vi do disposto em seu art. 4. Por outro lado, no seio da classe jurídica questionou-se amplamente a constitucionalidade desse instrumento normativo.

4 – A questão de inconstitucionalidade da Convenção n. 158/OIT

Levantou-se a questão de inconstitucionalidade do decreto que promulgou a Convenção nº 158 da OIT, com alegação de incompatibilidade dela com o artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Ora, esse dispositivo, dispondo sobre matéria idêntica (a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa), prevê, como compensação por esta, basicamente, indenização, ao passo que a Convenção 158, em seu artigo 10, alvitra a possibilidade de os organismos competentes segundo a legislação e prática nacionais anularem o término da relação de trabalho de iniciativa do empregador e, eventualmente, ordenarem ou proporem a readmissão do trabalhador.

Outrossim, haveria inadequação dela ao mandamento do art. 7º, I, da CF/88, porquanto o dispositivo constitucional em apreço diz que a matéria de que trata será regulamentada nos termos de lei complementar, do que se infere estar-se diante de norma de eficácia contida. Ora, a aplicação do tratado multilateral em causa corresponderia a regulamentação daquele dispositivo constitucional, para o que ele, tecnicamente, segundo os defensores dessa ideia, não era apto, visto que, com sua inserção no direito interno, posicionava-se no nível de lei ordinária, hierarquicamente inferior à lei complementar (13).

Ademais, a Convenção nº 158, por seu contexto, seria meramente programática, ou de princípios, dependendo de regulamentação, através de atos normativos de origem estatal ou negocial no âmbito interno, para ser devidamente aplicada, haja vista a hipótese (prevista no artigo 13) de término das relações de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, que implica dispensa coletiva, para cuja regulação ainda não está aparelhado o sistema jurídico brasileiro. Ora, o mencionado dispositivo reporta-se, para esse efeito, aos métodos de aplicação aludidos no artigo 1, ou seja, a legislação nacional, ou contratos coletivos, laudos arbitrais, sentenças judiciais ou outra forma, de acordo com a prática nacional.

Sobre a questão relativa a inconstitucionalidade da Convenção nº 158 da OIT, releva o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, proferido nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 1.480-3-DF, aforada pela Confederação Nacional do Transporte e a Confederação Nacional da Indústria, que objetivava a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Legislativo nº 68, de 16.9.92, que a aprovou, e do Decreto Presidencial nº 1.855, de 10.4.96, que promulgou a Convenção. Sustentavam as autoras que os arts. 4º e 10 do referido tratado conflitavam com o art. 7º, I, da CF, bem assim com o art. 10, I, do ADCT. Pediam, liminarmente, a suspensão dos efeitos da norma internacional.

Em 4.9.97, completou-se, no Plenário do STF, o julgamento do pedido liminar, que foi atendido por 7 votos a 4, decidindo aquela Excelsa Corte, com fundamento no voto do Min. Celso de Mello, que a referida convenção não seria auto-aplicável, visto que o art. 7º, I, da CF exige, como meio para o estabelecimento da garantia geral de emprego no Brasil, lei complementar. Fixou-se, então, o entendimento de que os tratados e convenções internacionais adotados pelo Brasil entram no ordenamento jurídico do país no mesmo plano hierárquico das leis ordinárias.

De notar que o voto do Min. Carlos Velloso (14) (1997:1161-1169), a propósito da medida liminar, foi contrário à mesma, posto que ele entendia que os referidos decretos não padeciam da eiva da inconstitucionalidade (15).

Ante o óbice decorrente da decisão do Supremo Tribunal Federal e a polêmica que se levantou em vários setores da atividade jurídica nacional, bem assim a pressão da classe empresarial pela invalidação do instrumento em nosso meio, o Governo cedeu, resolvendo denunciar a Convenção nº 158.

Contra essa deliberação se insurgiram segmentos da classe trabalhadora e juristas. Dentre estes, Sussekind (16), que questionava a competência para denunciar a Convenção. Ele distinguia o tratado-contrato do tratado-normativo. O primeiro compõe interesses diversos entre dois ou mais Estados, com prestações recíprocas, podendo ser denunciado pelo próprio Chefe de Estado, que o ratificou. O segundo visa a produzir efeitos jurídicos em relação aos habitantes dos países que a ele aderiram, posto que suas normas se incorporam à legislação nacional; por isso, o instrumento é aprovado pelo Parlamento e depois ratificado pelo Chefe de Estado, tendo como efeito revogar ou modificar as leis que disponham em contrário. Desse tipo são as Convenções aprovadas pela OIT. Assim, parece injurídica sua revogação por simples ato administrativo do Poder Executivo, mesmo porque "a legislação alterada ou revogada pela vigência nacional do tratado não se restabelece com a denúncia da sua ratificação (art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro)" (17). Por conseguinte, a denúncia deveria ser autorizada pelo Congresso Nacional, ou submetida ao seu referendo, com a cláusula de condição suspensiva.(18)

O Governo brasileiro, em 14.02.2008, novamente submeteu a Convenção nº 158 ao Congresso Nacional; mas a proposição foi derrotada na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, em 02.07.2008. Após esse revés, a mensagem seguiu para a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, em 13.08.2009. Lá recebeu parecer favorável do Relator, em 12.05.2010, mas ainda não foi submetida à apreciação do Plenário. Encontra-se aguardando a realização de audiência pública, requerida por um dos membros da referida Comissão, desde 26.05.2010.

IV – Conclusões

Do que acabamos de expor, conclui-se:

1) As normas internacionais têm importância singular e são imprescindíveis para regulação das relações humanas, quer no plano individual, quer no coletivo, neste compreendidas as que se desenvolvem em nível supranacional;

2) No que tange, especificamente, às relações de trabalho, essa função cabe à Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, desde sua criação (1919), vem exercendo eficiente atividade normativa, através da qual contribui significativamente para o aperfeiçoamento dos sistemas jurídicos internos, na espécie, do que resulta a melhoria das condições de vida dos trabalhadores;

3) Dentre as normas produzidas pela OIT nesse sentido, destaca-se a Convenção nº 158, de 1982, sobre o término das relações de trabalho por iniciativa do empregador, visando a protegê-las contra a despedida arbitrária, ou sem justa causa;

4) A arguição de inconstitucionalidade do referido instrumento não tem – data venia da decisão do Supremo Tribunal Federal – consistência jurídica (como atrás ficou demonstrado), posto que seu objeto coincide com o escopo do mandamento inscrito no art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988;

4) Seu desiderato atende aos legítimos interesses dos trabalhadores, em contraponto aos reflexos negativos, para eles, do processo de globalização econômica. Nesse contexto, a Convenção nº 158/OIT revela-se extremamente útil, convindo ao país novamente adotá-la e tornar efetivas as diretrizes nela estabelecidas. Aguarda-se, com razoável expectativa, a decisão final do Congresso Nacional sobre a recente proposta do Governo de ratificação desse instrumento internacional, que certamente trará bons frutos para as relações de trabalho no país, concorrendo para o desenvolvimento econômico com justiça social.

V – Referências

ESTÉVES, José B. Acosta. El Sistema Jurídico de la Organización Internacional del Trabajo y el Derecho Español. Barcelona: Cedecs Editorial S.L., 1997.

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO: Convenção n. 158, sobre o término da relação de trabalho, 1982. Revista LTr Legislação do Trabalho. São Paulo, 1996, v. 60, n.05, p. 713-716maio de 1996,

OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO: Protección contra el despido injustificado. Informe III – Parte 4B. Genebra: 1995, 171 p.

POTOBSKY, Geraldo W. von, DE LA CRUZ, Hector G. Bartolomei. La Organización Internacional del Trabajo. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1990.

SOARES FILHO, J. O BRASIL FRENTE À OIT: DENÚNICA DA CONVENÇÃO 158. Revista doDireitoTrabalhista.BRASÍLIA,v.01,p.20-25,1997.

SOARES Fº, José. A proteção da relação de emprego: análise crítica em face de normas da OIT e da legislação nacional. São Paulo: LTr, 2002.

SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: LTr Editora Ltda., 2000.

VELLOSO, Carlos: A Convenção n. 158-OIT: constitucionalidade, Revista LTr Legislação do Trabalho. São Paulo, v.61, n.09, p.1161-1169, setembro/1997.

Notas

(01) SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: LTr Editora Ltda., 2000, p.19.

(02) ESTEVES, José B. Acosta. El Sistema Jurídico de la Organización Internacional del Trabajo y el Derecho Español. Barcelona: Cedecs Editorial S.L., 1997, p.19.

(03) Tradução do autor: "A obra realizada pela OIT desde seus primórdios – 1919 – tem permitido o nascimento e desenvolvimento do Direito internacional do trabalho, assim como o progresso universal da legislação laboral e social".

(04) OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO, op. cit, p.2.

(05) Op. cit,. p.37.

(06) Op. cit, p.376.

(07) OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO, op. cit. p.99.

(08) Op. cit, p.107.

(09) OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO, op. cit,. p.108.

(10) Op. cit, p.109.

(11) OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO, op. cit., p.115.

(12) Para que a consulta seja frutífera, deve realizar-se o mais breve possível, antes que se concretize o término das relações laborais, de modo que seja possível estudar a adoção de medidas preconizadas na Convenção, sem precipitação e com a devida cautela. Além disso, para que os representantes dos trabalhadores se habilitem a expor suas idéias sobre as medidas que poderiam ser adotadas, deve o empregador disponibilizar-lhes, em tempo oportuno, os elementos necessários em termos de informação "pertinente", que indique os motivos dos términos previstos, o número e as categorias dos trabalhadores que possam ser afetados por eles, bem assim o período durante o qual deverão ocorrer. De posse desses dados, os representantes dos trabalhadores poderão iniciar a consulta e fazer um balanço da situação, para exporem suas ideias sobre as medidas cabíveis, dando sua participação eficaz e concreta. Somente dessa forma se cumprirá o objetivo da Convenção.

(13) Essa colocação não tem mais sentido, pois, segundo o § 2º do art. 5º da Carta Magna de 1988, os tratados internacionais adotados pela República Federativa do Brasil incluem-se entre os direitos e garantias na Constituição.

(14) VELLOSO, Carlos: A Convenção n. 158-OIT: constitucionalidade, Revista LTr Legislação do Trabalho. São Paulo, v.61, n.09, p.1161-1169, setembro/1997.

(15) Argumentava Carlos Velloso: 1) Não há falar em inconstitucionalidade formal da Convenção n. 158/OIT, ao argumento de que o art. 7º, I, da CF, exige lei complementar na sua regulamentação e, até que esta seja promulgada, tem vigência a regra inscrita no art. 10, I, ADCT, dado que a referida Convenção não faz as vezes de lei complementar. Não ocorre a inconstitucionalidade formal arguída, por isso que o tratado incorpora-se ao direito interno como lei, lei como gênero, do qual lei complementar, lei ordinária, lei delegada e medida provisória constituem espécies. Firmado o Tratado pelo Presidente da República (CF, art. 84, VIII) e ratificado este pelo Congresso Nacional (CF, art. 49, I), dá-se a sua incorporação ao direito interno como lei complementar, se, relativamente à matéria, a Constituição exige essa espécie de lei, mesmo porque não há hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, sendo que a Constituição reserva para aquela certas matérias. Noutras palavras, se a CF, para determinada matéria, exige lei complementar, e um certo Tratado dispondo a respeito de tal matéria, é ratificado pelo Congresso Nacional e, por decreto do Chefe do Executivo, é incorporado ao direito interno, é como lei complementar que se dá essa incorporação.
2) A Convenção n. 158/OIT contém direitos e garantias que integram a doutrina dos direitos fundamentais de 2ª geração. Os direitos e garantias fundamentais decorrentes de tratado internacional celebrado pelo Presidente da República (CF, art. 84, VIII) e ratificado pelo Congresso Nacional (CF, art. 49, I), constituem direitos fundamentais que a Constituição consagra – CF, art. 5º, § 2º. Assim, os direitos e garantias contidos na Convenção n. 158/OIT constituem direitos e garantias com vida autônoma, não dependentes das normas inscritas no art. 7º, I, da CF, e art. 10, I, ADCT/CF.
3) O fato de a Constituição não consagrar, no art. 7º, I, c.c. o art. 10, I, ADCT, estabilidade plena, mas indenização compensatória, não faz inconstitucional, sob o ponto de vista material, a Convenção n. 158/OIT, dado que esta não estabelece, apenas, a garantia da reintegração. O que é preciso fazer é interpretar o artigo 4º da citada Convenção em consonância com o seu artigo 10, que admite tanto a reintegração como a indenização compensatória. Essa indenização poderia ser arbitrada tendo presentes as normas inscritas nos artigos 477, 478 e 497, CLT. Os Tribunais do Trabalho se incumbirão de construir jurisprudência a respeito.
4) A Convenção n. 158/OIT, nas suas regras maiores, é auto-aplicável. Um ou outro dispositivo seu, simplesmente periférico, pode depender de explicitação legislativa. Isto, entretanto, não infirma a auto-aplicabilidade da Convenção, nas suas linhas maiores, básicas, certo que essas linhas maiores, básicas, inscrevem-se nos seus artigos 4º e 10.

(16) Op. cit., p.53.

(17) SUSSEKIND, op. cit., p.53.

(18) Sussekind integrava a Comissão Permanente de Direito Social do Ministério do Trabalho e, de tão decepcionado com a forma pela qual o Governo brasileiro deliberou a denúncia da Convenção 158 da OIT, em sinal de protesto renunciou ao seu mandato na referida Comissão.

José Soares Filho

Juiz do Trabalho aposentado. Mestre e Doutor em Direito pela UFPE. Professor da Universidade Católica de Pernambuco e da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6ª Região. Membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (Rio de Janeiro-RJ), do Instituto Latinoamericano de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas, da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho. Especialista em derechos laborales - Curso de Especialización para Expertos Latinoamericanos Universidad de Castilla-la Mancha, UCLM, Espanha.

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