CMT decide aspecto temporal da incidência do ISS no Habite-se
Anselmo Zilet Abreu
Por Anselmo Zilet Abreu
Em recentes decisões, as Câmaras Reunidas do Conselho Municipal de Tributos do Município de São Paulo fixaram o entendimento de que se considera ocorrido o fato gerador do ISS Habite-se somente por ocasião do término da obra de construção civil, servindo tal data para se marcar a início da contagem dos prazos de decadência tributária.
Nesse sentido foram as decisões dos processos 6017.2016/0008489-2, 6017.2016/0004628-1 e 6017.2016/0008480-9, julgados em 17 em novembro de 2016. Reproduz-se a ementa do último:
EMENTA ISS HABITE-SE. […] DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO QUANTO AO MOMENTO EM QUE SE CONSIDERA OCORRIDO O FATO GERADOR DO ISS HABITE-SE. SOMENTE POR OCASIÃO DO TÉRMINO DA OBRA SE TORNA POSSÍVEL APURAR A BASE DE CÁLCULO CORRETA PARA APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA PREVISTA NO ART. 13, I DA LEI 13.701/2203. […]
Anteriormente, o assunto possuía divergências entre as câmaras, encontrando-se decisões no sentido de que a incidência do tributo dá-se com a conclusão da obra, contando-se o prazo decadencial a partir dessa data, bem como outras no sentido de que a incidência ocorre quando da prestação de cada um dos serviços executados pelos prestadores durante a obra, caso em que o prazo decadencial se contaria conforme a ocorrência de cada um desses fatos tributários.
Ilustrando o primeiro posicionamento, segue a seguinte ementa:
ISS-HABITE-SE – […] – AFASTADA A ALEGAÇÃO DE DECADENCIA – SEM LANÇAMENTO PARA A NÃO COMPROVAÇÃ DO RECOLHIMENTO – FINAL DA OBRA, EMISSÃO DO CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DA CONSTRUÇÃO – MOMENTO EM QUE SE CONSIDERA PRESTADO O SERVIÇO DE CONSTRUÇÃO CIVIL DE UMA OBRA […][1]
No sentido oposto, segue decisão que reconheceu a contagem do prazo decadencial considerando a incidência do imposto no momento de cada serviço prestado:
ISS HABITE-SE. CONTRIBUINTE AUTUADO NA CONDIÇÃO DE RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO CONFORME ART 13, I, DA LEI 13.701/2003 – […] – DECADÊNCIA DO ISS RELATIVO A NOTAS FISCAIS DE SERVIÇOS QUE COMPÕEM A PAUTA MÍNIMA (SUBITENS 7.02, 7.04, 7.05 e 7.15 da lista). DEMAIS VALORES NÃO COMPROVADOS, CONTA-SE O TERMO INICIAL DA DECADÊNCIA A PARTIR DA CONCLUSÃO DA OBRA […][2].
As decisões das Câmaras Reunidas tendem a uniformizar a jurisprudência no âmbito do CMT. Assim, estaria afastada a tese defendida pelos contribuintes de que, quando da emissão do Habite-se, não se poderia exigir o imposto relativo às notas fiscais cujos fatos geradores, individualizadamente, houvessem sido atingidos pela decadência.
Entretanto, ainda não há súmula sobre o assunto. Apesar do respeitável entendimento adotado, e, devido à matéria ser bem controvertida, cabe uma melhor análise a respeito.
Inicialmente, ao se falar de ISS – Habite-se, não se pode olvidar que se trata do mesmo tributo, o ISS, de competência dos municípios e do Distrito Federal, conforme lhes foi conferida pela Constituição Federal de 1988.
Não se pode esquecer também que cabe a tais entes instituí-lo e cobrá-lo, nos termos e limites fixados pelas disposições constitucionais e pelas previsões da LC 116/2003, a qual, na função de lei complementar em matéria tributária, define os fatos geradores, a base de cálculo e os contribuintes do imposto.
Fixar esse ponto de partida é essencial para compreensão dos problemas que surgem com as previsões das legislações municipais, que geralmente exigem o imposto para fins de concessão do Certificado de Conclusão da Obra, e, comumente cobrando o mesmo do dono do imóvel, como responsável tributário.
O que se denomina de ISS Habite-se é a exigência da comprovação de recolhimento do ISS sobre determinados serviços de construção civil prestados durante a obra, do proprietário do imóvel. Essa exigência em São Paulo está prevista no artigo 32 do Regulamento do ISS (Decreto 50.896/2009):
Art. 32. É indispensável a exibição da documentação fiscal relativa à obra na expedição de “Habite-se” ou “Auto de Conclusão” e na conservação ou regularização de obras particulares.
Parágrafo Único. Os documentos de que trata este artigo não podem ser expedidos sem o pagamento do Imposto na base mínima dos preços fixados pela Secretaria Municipal de Finanças, em pauta que reflita os correntes na praça.”
O pagamento do imposto exigido para esse fim refere-se apenas ao ISS dos serviços dos subitens 7.02, 7.04, 7.05 e 7.15 da lista, para os quais houve atribuição de responsabilidade ao proprietário da obra, nos termos do art. 11 da Lei 13.701/2003:
“Art. 11. É responsável solidário pelo pagamento do imposto:
I – o detentor da propriedade, domínio útil, ou posse do bem imóvel onde se realizou a obra, em relação aos serviços constantes dos subitens, 7.02, 7.04, 7.05 e 7.15 da lista do caput do artigo 1º, quando os serviços forem prestados sem a documentação fiscal correspondente ou sem a prova do pagamento do Imposto pelo prestador;”
Várias questões surgem devido a tais previsões legais. Dentre elas, a de quando se dá a incidência do imposto: se na prestação de cada serviço individualmente ou na conclusão da obra. Outra questão, advinda desta, é a partir de quando se contam os prazos de decadência. As soluções devem partir das balizas constitucionais e complementares tangentes ao imposto.
Considerando a regra matriz do tributo, o ISS que se exige na expedição do Habite-se somente pode ser o incidente sobre os serviços prestados na obra pelos prestadores que os executaram. E, sendo os prestadores os contribuintes do imposto, o proprietário do imóvel é sujeito passivo na qualidade de responsável.
Logo, o fato gerador do ISS para fins de Habite-se não é a conclusão da obra, nem tomar serviços, ou ser proprietário de imóvel no qual foi concluída obra. A hipótese de incidência é a prestação dos serviços executados.
A tese vencedora nas decisões das Câmaras Reunidas que adota como momento da incidência a data de conclusão da obra baseia-se no argumento que o objeto dos serviços é a obra, e que somente quando esta estiver perfeita e acabada o serviço estará completo, havendo aí a incidência do imposto. Veja-se trecho do voto vencedor dos processos analisados:
“Quando se trata de obra de construção civil, é notória a sua composição por vários “serviços meio” para o alcance do objetivo final que é a entrega da obra pronta e acabada com as condições de habitabilidade e de ocupação.[…] No entanto, já externando meu entendimento, a existência de etapas intermediárias necessárias à consecução do resultado final da obra não possui o condão de caracterizar a ocorrência do fato gerador do ISS sobre o serviço de construção civil. Isso somente se dá por ocasião do término da obra. É esse o objeto do serviço. Ainda que durante a realização da obra estejam presentes diversos prestadores, estamos diante de uma única prestação de serviço, que é a “obra” como um todo. […] se considera ocorrido o fato gerador do ISS “Habite-se” no momento em que se dá a conclusão da obra, sendo esse o marco inicial para a contagem do prazo decadencial para a constituição dos créditos tributários.” (Processo SEI nº. 6017.2016/0004628-1).
A tese apoia-se ainda na doutrina de Aires Barreto:
“Em síntese, no caso de prestação de serviço de construção civil: incidindo o ISS sobre a prestação de serviço e não sobre contratos de serviço, só poderá haver a exigência de imposto diante da concreta prestação de serviços, que manterá essa unidade, a despeito de para ela terem concorrido vários prestadores . Note-se que se terão vários prestadores, mas um só serviço. Logo, só se faz possível uma única incidência[3].”
Não obstante a respeitável solução construída, ao se analisar a questão com suporte na matriz constitucional e complementar do tributo, a conclusão não se sustenta. A incidência do imposto ocorrerá e terá todos seus reflexos irradiados com a prestação dos serviços. Os fatos tributários praticados pelos prestadores é que marcam o momento da incidência do tributo.
Não se pode esquecer das lições de Ataliba de que a incidência tributária está condicionada ao acontecimento de um fato previsto na hipótese legal, fato este cuja verificação acarreta automaticamente a incidência do mandamento[4]. Ainda segundo autor, o vínculo obrigacional do tributo nasce, por força da lei, da ocorrência do fato imponível, e, cada fato imponível é um todo uno e incidível, que determina o nascimento da obrigação tributária[5].
Portanto, se há diversos fatos tributários que se amoldam à hipótese de incidência do imposto, praticados ao longo de uma obra, preenchendo os requisitos mínimos para a subsunção do fato à norma, não se pode negar a ocorrência de diversos fatos geradores do ISS, que ocorrem cada qual no momento em que foram executados.
De acordo com o inciso I do artigo 11 da Lei 13.701/2003, os prestadores dos serviços também são sujeitos passivos do ISS incidente sobre os fatos imponíveis que praticaram; a responsabilidade é solidária. A responsabilidade pelo recolhimento do imposto dos serviços dos subitens 7.02, 7.04, 7.05 e 7.15 é dos prestadores, não havendo dispensa do recolhimento porque haverá pagamento por ocasião do Habite-se.
Tal fato confirma que o momento da incidência do tributo dá-se com a prestação de cada serviço. Não pode o município exigir o imposto do proprietário do imóvel considerando como data do fato gerador momento diverso daquele considerado para cobrá-lo do prestador. O tributo é um só, e o fato tributário que lhe deu origem também.
Adotar a data de conclusão da obra como o momento da incidência de todos os fatos tributários ocorridos na obra levaria à absurda hipótese de que os prestadores estariam dispensados de recolher o tributo quando da prestação dos serviços; afinal ainda não haveria acontecido a subsunção do fato à norma, já que a incidência só ocorreria posteriormente.
Tal hipótese não se sustenta. A incidência dá-se com a ocorrência de cada fato gerador. E eventual decadência tributária também deve levar em conta esse momento.
Ocorre que a legislação paulistana estabelece um preço mínimo para os serviços, uma pauta fiscal (§ 3º do art. 14 da Lei 13.701/03). Além de comprovar os pagamentos do ISS relativo aos serviços tomados, o proprietário é responsável quanto ao imposto corresponder ao valor mínimo. Caso não comprove a totalidade do ISS relativo à pauta fiscal, presume-se que há serviço tomado cujo recolhimento do imposto não foi comprovado.
É nesse ponto que a questão da decadência do tributo pode levar a soluções diferentes. Com a pauta fiscal, há uma presunção de que a conclusão da obra, e dos serviços, ocorre na data de expedição do Certificado de Conclusão, quando se daria a incidência do tributo. Contudo, a presunção somente é válida no caso de não haver comprovação de serviços que componham o total da pauta.
O aspecto temporal da hipótese de incidência do ISS Habite-se é o mesmo que de qualquer serviço sujeito ao imposto. A incidência ocorre com a prestação de cada serviço. Havendo serviços destacáveis, como subempreitadas, demolição, fundações, entre outros, se estes foram contratados ou subcontratados separadamente, a incidência do imposto se dá com a prestação.
Portanto, caso o proprietário da obra comprove serviços dos subitens 7.02, 7.04, 7.05 e 7.15, destacadamente tomados durante a obra, comprova também a data de ocorrência dos fatos geradores, podendo ocorrer a decadência, contada da efetiva data do fato tributário.
Por outro lado, se o proprietário não comprovar a totalidade de serviços correspondentes à pauta, quanto à diferença, o momento da incidência é a data de expedição do Certificado de Conclusão, quando se presume concluída a obra, ou a data de conclusão desta, caso comprove ser anterior.
É essa a tese contrária, adotada por algumas Câmaras Julgadoras, cuja ideia fica bem delineada nas decisões dos PAs 6017.2015/0000260-6, 2014-0.343.609-2 e 6017.2015/0003159-2, e em voto no PA 2014-0.356.268-3:
“Embora a lei não o diga expressamente, entendo, a partir de uma interpretação sistemática dos textos positivos pertinentes, que os serviços presumidos – e apenas os presumidos, isto é, os não comprovados – foram tomados, também presumivelmente, quando da conclusão da obra. […]. A obra de construção civil é perfeitamente fracionável em etapas, a depender, unicamente, do objeto da relação jurídica mantida entre o dono da obra e os diversos prestadores.[…] Quando a obra é erguida sob regime de empreitada por administração, […] o proprietário mantém relação jurídica direta com cada subempreiteiro […]. Nesse contexto, os serviços contratados claramente se autonomizam. A empresa que prestou à recorrente, por exemplo, serviços de fundação, lá no início da obra, exauriu a prestação a que se obrigou contratualmente perante a recorrente quando as fundações foram concluídas; […] prestou o serviço encomendado; nesse momento, ocorreu o fato gerador e tornou-se devido o ISS; […] deflagrou-se o prazo decadencial.”[6]
Bem ilustrada a questão, conclui-se que somente há possibilidade de se tomar como momento da incidência do ISS a conclusão da obra, em duas hipóteses:
1) Por presunção quanto aos serviços não comprovados, cujos valores são necessários a compor a pauta fiscal;
2) Em caso de empreitada global contratada pelo proprietário do imóvel com um único prestador de serviço, caso em que, a depender do teor do contrato, se poderia defender que o serviço seria único e somente estaria concluído com a conclusão da obra.
Para tais situações, o prazo do art. 150, §4º do CTN somente se iniciaria com a conclusão da obra, e, o prazo decadencial do art. 173, I do mesmo diploma, a partir do ano seguinte ao da conclusão da obra.
Já no tocante ao ISS devido quanto a serviços destacados e individualizados, prestados por diversos prestadores e devidamente comprovados por meio de nota fiscal, cabe considerar suas respectivas datas de prestação para fins de contagem do prazo decadencial, de modo que o imposto relativo a serviços concluídos há mais de cinco anos antes do lançamento, por ocasião do Habite-se, podem estar extintos por homologação tácita em caso de recolhimentos parciais, ou, alcançados pela decadência, acaso transcorrido o prazo previsto no art. 173, I do CTN.
Referências
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
ATALIBA. Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Melhoramentos, 6ª Ed. 2016
BARRETO, Aires F. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Imposto sobre serviços na constituição. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1976.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 30 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
____________________. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
SHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014.
[1] Processo 6017.2016/0004717-2 – 2ª Câmara Julgadora –21/09/2016. Em igual sentido: PA 6017.2016/0004151-4 – 1ª Câmara – 18/08/2016; PA 2014-0.356.268-3. – 4ª Câmara – 14/04/2015;
[2] Processo 6017.2015/0000260-6 – 1ª Câmara Julgadora – 18/02/2016. Em igual sentido: PA 2014-0.343.609-2 – 2ª Câmara Julgadora – 08/10/2015;
[3] BARRETO, Aires F. – Curso de Direito Tributário Municipal – 2ª Ed.– 2012 – páginas 146 e 434.
[4] ATALIBA. Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Melhoramentos, 6ª Ed. 2016. P. 46.
[5] Op. Cit. P. 66/73.
[6] PA 2014-0.356.268-3 – 4ª Câmara Julgadora – Julgado em 14/04/2015. Voto vencido do Conselheiro Paulo Roberto Andrade.
Anselmo Zilet Abreu
Auditor fiscal tributário do município de São Paulo e foi conselheiro julgador do Conselho Municipal de Tributos (biênio 2014-2016). Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC-SP; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário; Bacharel em Direito e Ciências Contábeis.