Imunidade do ITBI
Kiyoshi Harada
A Constituição Federal a par da imunidade recíproca e das imunidades genéricas estabeleceu, também, imunidades específicas para determinados impostos.
No caso do ITBI dispôs no inciso I, do § 2°, do art. 156:
“§ 2° o imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”;
Essa imunidade específica é regulada pelo CTN em seus artigos 36 e 37:
“Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.
Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos”.
“Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
§ 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante”.
A disposição do art. 36 do CTN está fundada na Emenda 18/65, pelo que não foi recepcionada em sua integralidade.
A Constituição de 1988 instituiu a imunidade do ITBI de forma mais ampla para abranger, também, as hipóteses de cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Quanto ao art. 37 do CTN ele deve ser interpretado conforme a Constituição. Este dispositivo estabelece requisito condicional para o gozo da imunidade para todas as hipóteses. Tanto para as hipóteses do inciso I, do art. 36, como também, para as hipóteses do inciso II, a fruição da imunidade não será possível se o adquirente tiver como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição. A Carta Política de 1988 acrescentou, também, a atividade de arrendamento mercantil.
A sua interpretação literal resulta na modificação do alcance e conteúdo da imunidade prevista no inciso I, do § 2°, do art. 156, da CF que distingue, de forma nítida, duas modalidades de imunidade:
a) imunidade auto-aplicável que corresponde à primeira parte do inciso I, ou seja, transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital;
b) imunidade condicionada, correspondente à segunda parte do inciso I, ou seja, transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Somente na hipótese “b”, o benefício não pode ser usufruído por pessoa jurídica que tenha como atividade preponderante a compra e venda de bens ou direitos imobiliários, assim como, a locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Se for para não distinguir essas duas modalidades não teria sentido o inciso I em questão separar a primeira parte da segunda parte, precedida da vírgula e da conjunção “nem”. Bastaria prosseguir sem a conjunção “nem” ou substituir essa conjunção pela conjunção aditiva “e”. A existência da conjunção negativa “nem” indica, fora de dúvida, que o requisito da inexistência da atividade preponderante aí mencionada não tem aplicação em relação à imunidade prevista na primeira parte do citado inciso I, do § 2°, do art. 156, da CF.
Tratando-se de imunidade cheia ou incondicionada ou, ainda, auto-aplicável não há que se ater aos requisitos da lei complementar.
Os requisitos dos §§ 1° e 2°, do art. 37, também, devem merecer interpretação conforme a Constituição.
Se a pessoa jurídica adquirente teve a sua existência por um período inferior ao mencionado nesses parágrafos o princípio da razoabilidade impõe que a verificação da atividade preponderante deve ser feita pelo período em que for possível a verificação de suas atividades. Não é possível exigir a verificação da receita operacional da pessoa jurídica nos dois anos anteriores e nos dois anos posteriores à aquisição imobiliária se a empresa promoveu a operação imobiliária imune no primeiro ano de sua fundação, ou foi extinta antes de três anos após a operação.
Não se pode, nesse caso, como tem feito algumas municipalidades, dar por prejudicado o exame da atividade preponderante e exigir o pagamento do ITBI. Isso implica supressão da imunidade que é garantia fundamental protegida por cláusula pétrea, conforme decidiu o Plenário da Corte Suprema (Adin 939-7/05, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 18-3-1994).
Portanto, essas disposições do CTN, que estabelecem os requisitos para a verificação da atividade preponderante do adquirente de imóveis ou de direitos a ele relativos, devem ser interpretadas conforme a Constituição, que não permite a restrição ou ampliação da imunidade, a qual, se insere exclusivamente no campo de definição de competência tributária.
Kiyoshi Harada
Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.