Reforma tributária: O imposto seletivo não pode ser um ‘cheque em branco’
Eduardo Salusse
A reforma tributária prevê a criação de um imposto seletivo, conhecido como “imposto do pecado”, objetivando tributar a produção, a comercialização ou a importação de bens e serviços que façam mal à saúde ou ao meio ambiente. É esta a redação na PEC 45.
É um genuíno imposto extrafiscal que possui o real objetivo de induzir comportamentos, de modo que os contribuintes consumidores sejam desincentivados a consumir produtos que prejudiquem suas saúdes e o meio ambiente.
Na perspectiva do Estado, tem-se que os consumidores de bens nocivos à saúde sobrecarregam e oneram o serviço público, sendo razoável que custeiem mais incisivamente este gasto público.
Além do mais, é dever do Estado proteger o bem essencial da vida, de modo que o menor consumo também protegerá os cidadãos em face de consequências de maus hábitos de consumo. No que diz respeito ao meio ambiente, é o mesmo racional. A preservação do meio ambiente foi eleita pelo legislador como valor a ser perseguido. Está em linha com os compromissos internacionais de preservar a natureza, reduzir a emissão de carbono e prevenir as mudanças climáticas em beneficio de todo o planeta.
Há várias imperfeições neste texto que devem ser objeto de debate e alinhamentos no Senado Federal.
A primeira delas diz respeito à ausência de previsão de que este imposto será não-cumulativo. Sabe-se que a ideia é onerar o produto final e desincentivar o consumo. A incidência deste imposto deve ser monofásica, ou seja, incidir apenas uma vez, seja na produção ou na importação. Assim sendo, não faz sentido deixar a previsão de que o imposto seletivo possa incidir também na comercialização.
A ideia do Ministério da Fazenda – e com alguma razão – é evitar que indústrias que se submetam ao imposto seletivo uma única vez no estabelecimento industrial possam transferir seus produtos industrializados a preços reduzidos para distribuidoras do seu próprio grupo econômico, deslocando a maior margem da lucro a elas e minimizando o impacto do imposto seletivo nas suas atividades. É medida de planejamento tributário que já foi alvo de inúmeros embates entre fisco e contribuintes no passado, especialmente diante de operações sujeitas ao PIS e Cofins monofásicos.
De qualquer forma, este comportamento pode ser capturado pela legislação ou neutralizado mediante a fixação da alíquota do imposto seletivo na produção ou importação por um valor fixo, conhecida como alíquota “ad rem”.
Não bastasse, a redação do dispositivo que trata do imposto seletivo faz menção à produção de bens que façam mal à saúde ou ao meio ambiente. É um cheque em branco para o legislador infraconstitucional, pois simplesmente a produção de tudo, inclusive água ou xuxu orgânico, tem potencial de causar algum mal ao meio ambiente. É evidente que não é esta a intenção do texto, sendo, portanto, altamente recomendável que não seja a produção de bem que faça mal à saúde ou ao meio ambiente que se pretenda alcançar, mas a produção de bens “cujo consumo” faça mal à saude ou ao meio ambiente que deve estar na mira deste imposto.
Por fim, uma anomalia capital: a PEC prevê que o imposto seletivo pode alcançar bens produzidos em todo o país se estes mesmos bens forem também industrializados na Zona Franca de Manaus ou nas áreas de livre comércio, de forma a garantir tratamento favorecido às operações originadas nessas áreas incentivadas. Vale dizer, qualquer bem que seja ou venha a ser fabricado nas áreas incentivadas (potecialmente “tudo”), autorizaria a imposição deste imposto a estes mesmos bens quando fabricados fora destas áreas. Isso deve ser revisto, pensando-se em outros diferenciais para as áreas favorecidas.
Com tais ajustes, o imposto extrafiscal deixa de ser uma assombração a todos os contribuintes, evitando que o pouco confiável legislador infraconstitucional seja seduzido por ímpetos arrecadatórios indesejados em um futuro no qual nenhum dos atuais atores políticos estarão à frente dos seus cargos e funções.
É uma questão de proteger o contribuintes de possíveis e prováveis autoritarismos fiscais, desarmando críticas e redigindo algo condizente com o que realmente é pretendido.
Eduardo Salusse
Graduado e doutor em direito pela PUC/SP, mestre em direito tributário e responsável executivo de pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais na FGV Direito SP