A melhora da relação entre o Fisco paulista e os contribuintes

Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli

Novos ventos, de fato, parecem atingir o estado de São Paulo. E que assim o seja.

No âmbito fiscal duas recentes medidas sinalizam a melhora da relação entre o Fisco e os contribuintes paulistas.

A primeira delas decorre do Decreto nº 67.853/23 que acaba de ser editado para regulamentar a possibilidade de os contribuintes paulistas, classificados nas categorias A+, A e B do Programa Nos Conformes (Lei Complementar Estadual nº 1.320/2018), apropriarem valores de crédito acumulado do ICMS, mediante o cumprimento de procedimentos menos burocráticos. Esta medida permite a monetização dos valores destes saldos credores, contribuindo para a melhora da saúde financeira dos contribuintes. É sabido que o estoque de créditos de ICMS ainda é muito alto, daí a razão de o projeto da reforma tributária da PEC 45 ter estabelecido prazo de 240 (duzentos e quarenta) meses para a sua utilização. De qualquer forma, a minimização dos procedimentos de utilização destes valores é medida que precisa ser aplaudida.

Nesta onda de medidas benéficas, dando cumprimento ao previsto nos incisos I e II do artigo 2º da referida Lei Complementar nº 1.320/2018 [1], saldamos também a recente Portaria SRE nº 51, de 31/07/2023 que regulamenta a dispensa da lavratura do auto de infração pela fiscalização, desde que sejam atendidas, cumulativamente, as seguintes condições:

“I – a infração não implicar falta ou atraso no recolhimento do imposto;
II – não existirem indícios de dolo, fraude ou simulação;
III – ficar constatado que a infração não trouxe prejuízos à fiscalização, assim entendida qualquer ação ou omissão que:

a) implique embaraço, atraso ou dificuldade à ação fiscal, inclusive o descumprimento à notificação fiscal específica;
b) prejudique o controle fiscal sobre as operações ou prestações;

IV – o contribuinte não tiver sido autuado por qualquer das infrações previstas no artigo 85 da Lei nº 6.374, de 1º de março de 1989, ou notificado nos termos do artigo 2º, nos últimos três anos;
V – o contribuinte não possuir débitos, inscritos ou não em dívida ativa, ou, caso possua, estiverem com exigibilidade suspensa”.

Esta nova regulamentação substitui a Portaria CAT nº 115/2014 que, embora tratasse também desta dispensa do auto de infração, submetia tal decisão às Comissões de Controle de Qualidade do Auto de Infração e Imposição de Multa (Aiim) da Secretaria de Fazenda. O cenário, agora, parece atribuir esta decisão à própria fiscalização, tornando, ao que tudo indica, mais ágil o procedimento de não lavratura do auto de infração. A conferir os próximos capítulos.

Não apenas isso, a portaria também determina que os contribuintes sejam notificados para regularizar pendências que poderiam dar causa à lavratura do auto de infração. Isto, obviamente, mediante a concessão de prazo razoável e compatível com o problema apontado pela fiscalização que requer solução.

Os contribuintes paulistas, portanto, passam efetivamente a ter regra da própria Sefaz-SP que lhes permite corrigir procedimentos que poderiam custar valores significativos a título de multas formais, muitas vezes indefensáveis. Nunca é demais recordar, todavia, que tal previsão, agora devidamente regulamentada no âmbito da Sefaz-SP, se alinha ao direito dos contribuintes paulistas expressamente fixado no inciso II [2] do artigo 5º da Lei Complementar nº 939/03, que trata do Código de Defesa do Contribuinte.

De qualquer forma, estas medidas representam avanço normativo que contribuirá para a melhoria do ambiente de negócios no estado de São Paulo, reduzindo a litigiosidade ou tornando-a mais técnica e restrita às especificidades da própria complexidade dos tributos paulistas.

Não obstante, como apontamos no próprio título deste artigo, é preciso avançar nas questões que ainda remanescem.

Cito uma que certamente decorrerá da própria redação adotada nesta Portaria SRE.

Vejam que, uma das condições para a não realização do lançamento de ofício é a de o contribuinte não ter sido autuado ou notificado pela fiscalização nos três anos anteriores. Pois bem, mas qual será o entendimento da fiscalização quando se deparar com uma situação na qual o contribuinte tenha sofrido um auto de infração, posteriormente cancelado na via administrativa ou mesmo na judicial?

Parece-nos que esta celeuma deverá ser solucionada pela distinção havida entre o tempo da autuação e o tempo da fiscalização. A se considerar o tempo da autuação inegavelmente o contribuinte não terá cumprida tal condição que lhe garanta não sofrer nova autuação. Todavia, a se considerar o tempo desta nova fiscalização, este mesmo contribuinte não poderá ser acusado de descumprimento da condição, porque neste novo tempo (o da fiscalização) a autuação não mais existirá juridicamente, porque extinta.

Tal extinção pode ser, por exemplo, decorrente de equívoco da própria fiscalização, como acontece com autuações nas quais se demonstre o efetivamente pagamento do débito exigido. Ora, não nos parece que se possa qualificar o contribuinte como destituído da condição de beneficiário desta regra de não autuação, quando a acusação feita pela fiscalização mostra-se improcedente. Com rigor, aquela autuação, ao tempo da fiscalização, é manifesta e juridicamente inexistente. Logo, não pode ser impediente da fruição da não lavratura de autos de infração de que trata a Portaria SRE.

Outro exemplo de melhor compreensão. O contribuinte recebe auto de infração de débito caduco; ou seja, de débito já extinto por força da decadência do direito fazendário, nos termos do que estabelecem as regras do CTN. Note-se que, neste caso, não estamos tratando da revogação do ato administrativo de lançamento tributário, mas sim de sua nulidade, por ausência do respectivo objeto (o débito tributário) que implica a necessária aceitação da inexistência de efeitos jurídicos dele decorrentes. Logo, este auto de infração de débito caduco, por exemplo, não pode igualmente ser obstáculo para que o contribuinte se beneficie destas regras de não lavratura de autos de infração.

Os exemplos, como vimos, são vários e requerem, cada qual, a devida análise para que os contribuintes não venham a ser prejudicados na concessão destes benefícios trazidos por tais regras.

Não obstante há que se destacar a iniciativa fazendária de estabelecer este novel tratamento jurídico!

[1] “Artigo 2º – Para implementar os princípios estabelecidos no artigo 1º desta lei complementar, fica instituído, no âmbito da Secretaria da Fazenda, o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – ‘Nos Conformes’, compreendendo as seguintes diretrizes e ações:

I – facilitar e incentivar a autorregularização e a conformidade fiscal;

II – reduzir os custos de conformidade para os contribuintes;”.

[2] “Artigo 5º – São garantias do contribuinte:

II – a faculdade de corrigir obrigação tributária, antes de iniciado o procedimento fiscal, mediante prévia autorização do fisco e observada a legislação aplicável, em prazo compatível e razoável;”.

Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli

advogado, mestre e doutor pela PUC/SP. Sócio titular da Advocacia Lunardelli. Coordenador do Comitê Tributário do CESA/SP e presidente do Comitê de Sociedade de Advogados da ABAT.

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