Tribunal responsabiliza Eike Batista por dívida tributária de R$ 3,5 bilhões da MMX
Por Luiza Calegari — De São Paulo
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) manteve decisão que responsabiliza Eike Batista por uma dívida tributária de R$ 3,5 bilhões da MMX, mineradora que faliu no ano de 2021. Este é o maior passivo fiscal entre as empresas do empresário, segundo informou ao Valor a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Por unanimidade, a 3ª Turma Especializada em Direito Tributário negou apelação de Eike Batista contra sentença dada em embargos à execução fiscal. O processo trata de uma dívida de R$ 790 milhões de Imposto de Renda (IRPJ) e de R$ 284 milhões de CSLL, referentes ao ano de 2007.
A autuação fiscal contra a MMX foi aplicada em 2012, com multa de ofício de 150% sobre os tributos não pagos, por suposta constatação de fraude. O percentual foi posteriormente reduzido, de ofício, pela Receita Federal para 100%.
Segundo a sentença de primeiro grau, da juíza Bianca Stamato Fernandes, o auto de infração contra a MMX incluiu Eike Batista como corresponsável tributário. Na autuação, a autoridade fiscal registrou “a prática de simulação, perpetrada mediante a articulação de operações com intuito de evitar a ocorrência do fato gerador” do IRPJ e da CSLL, por meio da omissão de ganhos de capital na alienação de participação societária.
Essa omissão de ganhos de capital, de acordo com a Receita Federal, resultou de operação em que a MMX aprovou aumento de capital com a entrada de novos sócios e, posteriormente, vendeu a participação no mercado sem recolher os impostos devidos.
Em 2007, o fundo Centennial Asset Mining Fund LLC, de propriedade de Eike Batista, integralizou 32 mil novas ações da MMX por R$ 16,6 milhões e essa operação foi tratada como aumento de capital. Em operações posteriores, ativos da EBX Mineração, também do empresário, foram transformados em subsidiárias da MMX, no Amapá, Rio-Minas e Corumbá e a participação do fundo Centennial na empresa foi diluída entre as subsidiárias.
Com a operação, o fundo passou a deter 30% de cada uma dessas empresas. Em seguida, ele vendeu essas participações no mercado e o dinheiro levantado foi mandado para conta bancária em Nevada, nos Estados Unidos, para evitar a tributação. Os ganhos de capital de fundos de investimento estrangeiros regularizados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estão isentos de impostos por operação na bolsa de valores, segundo a Lei nº 8.981/95.
Todas as empresas envolvidas nessas operações, inclusive o Centennial, eram de propriedade de Eike Batista. A Receita, então, concluiu que a MMX simulou uma subscrição de ações com ágio para encobrir uma operação de compra e venda de ativos, que constituiria fato gerador da cobrança de imposto.
“Não houve propósito negocial”, diz o auto de infração. “O que ocorreu foi um ‘planejamento tributário’ com fim específico de economia de tributo burlando/fraudando a lei.”
A autuação tomou por base o artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional (CTN). O dispositivo estabelece que a autoridade fiscal pode desconsiderar os atos praticados com a finalidade de dissimular o fato gerador. E o artigo 149, VII, da mesma norma, afirma que o lançamento fiscal pode ser revisto pela autoridade tributária quando o sujeito agir com “dolo, fraude ou simulação”.
Na Justiça Federal, a sentença concluiu que não há ilegalidade na responsabilização de Eike Batista, uma vez que ele “atuou com excesso de poderes, em infração à lei tributária” (processo nº 5066915-05.2022.4.02.5101).
“É incontroverso que a autuação decorreu da verificação, pela fiscalização, de ganho de capital em virtude da alienação de percentual de participação societária em empresas de mineração do grupo econômico capitaneado por Eike Fuhrken Batista, que integravam originalmente o patrimônio da empresa embargante (MMX), mas foram transferidas fraudulentamente ao fundo estrangeiro Centennial Asset Mining Fund LLC (CAMF), criado apenas para este fim”, afirma a juíza na sentença.
Empresário deve responder com o próprio patrimônio, conforme o CTN”
— Marcos Maia
Bianca Fernandes também ressalta o fato de que o fundo estrangeiro era de titularidade de Eike Batista, e que ele não conseguiu provar qualquer investimento efetivo feito nos meses em que integrou o capital social da MMX, antes da cisão.
“A criação de um fundo sediado no exterior teve o único escopo de transferir parte do controle acionário das mineradoras, antes detido pela MMX, para fora do país, visando alcançar artificialmente os benefícios da norma de isenção tributária”, diz.
O caso tramitou primeiro na esfera administrativa. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve a qualificação da multa aplicada pela Receita, entendendo ser ilegítima a estrutura empresarial adotada. O direcionamento da cobrança para Eike Batista e a incidência dos juros sobre a multa também foram chancelados pelo tribunal administrativo, mas por voto de qualidade.
Quando o caso chegou à Justiça, pela via dos embargos à execução fiscal, em primeira instância, a juíza manteve a cobrança dos impostos, da multa qualificada de 150%, e dos juros de mora sobre a multa, mas afastou a multa isolada, que não poderia ter sido cobrada de forma concomitante à multa de ofício.
No julgamento pelo TRF-2, prevaleceu o entendimento do relator, desembargador Paulo Leite, que negou provimento à apelação de Eike Batista, e foi acompanhado por Marcus Abraham e Claudia Neiva.
Em seu voto, o desembargador manteve quase toda a sentença da primeira instância, consignando a redução da multa qualificada de 150% para 100%, que já tinha sido feita de ofício pela Receita. Com esse cálculo, a dívida atualizada hoje é de R$ 3,5 bilhões, segundo a PGFN.
Segundo especialistas, se o empresário não conseguir reverter a decisão do TRF-2 em recurso, deve responder com o próprio patrimônio, conforme a previsão do CTN. “O Judiciário deixa consignado, nesse caso, que as pessoas físicas em posição de administração podem ser consideradas como codevedoras do crédito tributário”, explica Marcos Maia, sócio tributarista do Maneira Advogados.
Julio Lopa, procurador-chefe da Defesa na 2ª Região e que atuou no caso, destaca a relevância do processo “para o combate à fraude fiscal”. “O resultado é extremamente positivo, mostrando tanto o trabalho feito pela Receita, continuado pelo Carf, que também fez uma análise muito minuciosa, e agora a PGFN dando continuidade no Judiciário. Esse trabalho de equipe do Estado brasileiro vem dando resultado contra fraude fiscal”, afirma.
Procurada, a defesa de Eike Batista informou que não se manifestará.