TJSP isenta do imposto bens em outros países
Por Luiza Calegari — De São Paulo
Desde o mês de março, a maioria das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) tem isentado os contribuintes da cobrança de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre bens localizados no exterior. O levantamento foi feito pelo Charneski Advogados, a pedido do Valor.
De 15 processos julgados sobre o tema entre os meses de março e junho, 13 tiveram resultado favorável ao contribuinte e só dois deram razão ao Fisco.
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do ano de 2022 assentou que o Estado de São Paulo não podia ter instituído a cobrança sobre bens no exterior, sem que houvesse a edição de uma lei complementar federal para regular o tema. Assim, o Supremo declarou inconstitucionais os dispositivos da Lei estadual nº 10.705, de 2000, que tratavam sobre esse ponto.
Depois disso, no entanto, a reforma tributária (Emenda Constitucional nº 132, de 2023) previu que a cobrança é válida se for prevista em lei estadual específica. Segundo os contribuintes, o Estado precisaria editar uma nova lei para passar a cobrar o ITCMD nessas hipóteses. O Fisco, por outro lado, continua a autuar os contribuintes com base na lei estadual em vigor.
STF permite partilha de bens sem comprovação de pagamento de ITCMD
A jurisprudência do TJSP vem se consolidando a favor do argumento do contribuinte. Nas câmaras de Direito Público, os desembargadores se baseiam na decisão do Supremo e no fato de que a reforma tributária não chancelou retroativamente as legislações estaduais sobre o tema, ao dispensar provisoriamente a necessidade de lei federal.
Em um caso recente, contribuintes conseguiram cancelar a cobrança de ITCMD sobre uma empresa situada no exterior que foi recebida como herança. Segundo a 8ª Câmara de Direito Público, apesar da reforma tributária ter mudado a redação do artigo 155 da Constituição, ela não “afastou a necessidade da edição da lei complementar nacional” para a cobrança sobre bens no exterior (processo nº 1052020-49.2024.8.26.0053).
Segundo Heron Charneski, fundador do escritório Charneski Advogados, o levantamento revela que a jurisprudência pró-contribuinte está se consolidando no tribunal. As decisões apontam que o Estado não pode exigir o ITCMD em situações internacionais antes que seja editada uma nova lei pelo Estado -, ou seja, a reforma tributária não pode retroagir para validar uma lei.
Um levantamento anterior, feito pelo escritório André Teixeira, Rossi, Andrade & Saadi Advogados, mostrou que, de dezembro de 2024 a fevereiro de 2025, 11 decisões no TJSP foram favoráveis ao contribuinte e outras quatro foram desfavoráveis, o que já indicava um cenário de consolidação da jurisprudência. Apenas a 1ª, a 5ª e a 10ª Câmaras de Direito Público do tribunal têm entendimento diferente.
O advogado afirma, porém, que não há consenso sobre a necessidade de uma lei complementar para tratar especificamente dos casos que têm relação com o exterior. “Há decisões que entendem que, mesmo com a EC nº 132, seria necessário editar não só uma lei estadual estabelecendo a cobrança, mas também uma lei complementar federal para harmonizar a legislação brasileira com a estrangeira”.
Foi o caso de um processo na 4ª Câmara de Direito Público, que destacou que a autuação do Fisco para tributar uma doação de R$ 138 milhões provinda de Liechtenstein “não encontra suporte legal, tendo em vista a ausência de norma geral em âmbito nacional que discipline a matéria” (processo nº 1100849-61.2024.8.26.0053).
Os desembargadores que dão razão ao Fisco, por sua vez, entendem que a reforma afastou requisito até então exigido para a incidência tributária, tornando possível a cobrança do ITCMD sobre bens de doador residente ou domiciliado no exterior. “Não se trata de reconhecer a amplitude indevida à ‘constitucionalidade superveniente’, mas a superação do óbice à produção de efeitos da lei estadual”, afirma acórdão da 1ª Câmara de Direito Público (processo nº 1081180-22.2024.8.26.005).
Por meio de nota, a Procuradoria Geral do Estado (PGE-SP) afirma que “a regra matriz de incidência tributária do ITCMD passou a ser eficaz em relação às transmissões do exterior com o advento do artigo 16 da Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023”. “Tal como exigido pelo STF no julgamento do Tema nº 825/RG, o novo dispositivo constitucional supriu a lacuna legislativa com a postura das normas gerais exigidas pelo artigo 155, parágrafo 1º, inciso III da Constituição Federal”.
Procurada pelo Valor, a Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo não deu retorno até o fechamento da reportagem.