TJ-SP diverge sobre inclusão de créditos em plano
Por Bárbara Pombo — De São Paulo
As câmaras empresariais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) estão em franca divergência sobre quais créditos garantidos por cessão fiduciária (recebíveis) ficam de fora da recuperação judicial de empresas. Os desembargadores têm se dividido apesar da sinalização do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que qualquer crédito oriundo desse tipo de contrato não se submete à assembleia de credores.
Durante a pandemia da covid-19, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial abraçou a tese de que estão sujeitos à recuperação – e consequentemente ao pagamento com descontos e parcelamentos – os créditos “a performar”, ou seja, aqueles não constituídos e especificados no início do processo de recuperação.
“É uma tese que ganhou força com a pandemia da covid-19, em que houve aumento de empresas em crise e, consequentemente, dos pedidos de recuperação judicial”, afirma o advogado Guilherme Mendes, do escritório Villemor Amaral.
Na cessão fiduciária, o devedor garante a quitação do empréstimo com valores a que tem direito ou que ainda vai receber, com duplicatas ou faturamento futuro. O tomador do empréstimo pode oferecer como garantia recebíveis de cartão de crédito, por exemplo.
Nesse caso, pela interpretação da 2ª Câmara, a receita com as vendas realizadas até a data do pedido de recuperação poderiam ser retidas pelos bancos. Destino diferente teriam as ocorridas depois do pedido, que se submeteriam ao plano de pagamento.
Na prática, o entendimento acarreta uma limitação à chamada “trava bancária”. Por outro lado, possibilita que as companhias tomem fôlego já que, segundo advogados, a cessão fiduciária passou a ser muito utilizada para obtenção de crédito no mercado, especialmente depois da Lei de Recuperação Judicial (nº 11.101, de 2005) entrar em vigor.
“As garantias reais – hipoteca e penhor – caíram em desuso e os bancos passaram a pedir crédito fiduciário para correr por fora da massa de credores”, explica o advogado Ruan Buarque de Holanda, sócio do Moraes & Savaget Advogados.
O STJ já bateu o martelo que as instituições financeiras podem recuperar esses valores sem se submeterem às assembleias de credores, por força do artigo 49, parágrafo 3º, da Lei de Recuperação Judicial. No fim de novembro, a 3ª Turma considerou “desinfluente” para a aplicação da regra o momento em que o crédito é performado – se antes ou depois da recuperação.
“A constituição da propriedade fiduciária, oriunda de cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e de títulos de crédito, dá-se a partir da própria contratação”, afirma o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze (AgInt no REsp 1932780).
Em decisões recentes, porém, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP tem diferenciado o crédito “performado” daquele “a performar” para permitir que este último seja incluído no processo de recuperação. Em um caso julgado em outubro, os desembargadores, por maioria de votos, determinaram a restituição – estimada em quase R$ 9 milhões – a uma atacadista em recuperação. O montante havia sido retido por oito bancos credores.
“O crédito não performado, ou seja, inexistente ao tempo da distribuição do pedido de recuperação, não chegou às mãos do credor, que é só titular de direito obrigacional contra a recuperanda, não de proprietário fiduciário, sendo inaplicável, portanto, nesses casos, a regra do parágrafo 3º do artigo 49 da LRF”, diz o desembargador Araldo Telles (agravo de instrumento nº 2112268-31.2021.8.26.0000).
Para o colegiado, as instituições financeiras poderiam reter apenas os créditos performados, ou seja, aqueles constituídos até a data da distribuição da recuperação judicial. “Se a propriedade fiduciária de créditos futuros não for constituída até ao ajuizamento do pedido recuperacional, estes não se submetem à regra disposta no artigo 49, parágrafo 3°, da Lei n° 11.101/05, uma vez que a garantia é ineficaz”, afirma o desembargador Maurício Pessoa, relator de outro processo julgado em outubro (agravo de instrumento nº 2143935-69.2020.8.26.0000).
De acordo com o advogado Fernando Lima Amaral, do escritório Villemor Amaral, essa distinção não consta na Lei de Recuperação. “No afã de ajudar uma empresa em crise e liberar recursos para ela, a interpretação gera um efeito sistêmico no mercado, que encarece o crédito”, diz.
Por outro lado, afirma Maria Fabiana Dominguez Sant’Ana, sócia do escritório PGLaw, sem limitação, a empresa fica sem faturamento e 100% dos recebíveis poderiam ser usados em garantia. “Isso mata a empresa.”
A limitação à trava bancária, porém, não tem o aval da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP. Em decisões tomadas durante a pandemia, o colegiado entendeu que créditos não performados também são extraconcursais, ou seja, ficam fora da recuperação judicial. Em um caso, o colegiado negou pedido do devedor para incluir no plano R$ 6,5 milhões – garantido por vendas no cartão de crédito e débito (agravo de instrumento nº 2108970-65.2020.8.26.0000).
“Desqualificar a garantia sob o fundamento da ausência da especialização, mormente naqueles casos relativos a recebíveis a performar, desgasta a relação de confiança, provocando insegurança jurídica e desestimulando novas estruturações de garantias, além de encarecer o custo do crédito”, afirma o relator, desembargador Azuma Nishi.
As câmaras empresariais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) estão em franca divergência sobre quais créditos garantidos por cessão fiduciária (recebíveis) ficam de fora da recuperação judicial de empresas. Os desembargadores têm se dividido apesar da sinalização do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que qualquer crédito oriundo desse tipo de contrato não se submete à assembleia de credores.
Durante a pandemia da covid-19, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial abraçou a tese de que estão sujeitos à recuperação – e consequentemente ao pagamento com descontos e parcelamentos – os créditos “a performar”, ou seja, aqueles não constituídos e especificados no início do processo de recuperação.
“É uma tese que ganhou força com a pandemia da covid-19, em que houve aumento de empresas em crise e, consequentemente, dos pedidos de recuperação judicial”, afirma o advogado Guilherme Mendes, do escritório Villemor Amaral.
Na cessão fiduciária, o devedor garante a quitação do empréstimo com valores a que tem direito ou que ainda vai receber, com duplicatas ou faturamento futuro. O tomador do empréstimo pode oferecer como garantia recebíveis de cartão de crédito, por exemplo.
Nesse caso, pela interpretação da 2ª Câmara, a receita com as vendas realizadas até a data do pedido de recuperação poderiam ser retidas pelos bancos. Destino diferente teriam as ocorridas depois do pedido, que se submeteriam ao plano de pagamento.
Na prática, o entendimento acarreta uma limitação à chamada “trava bancária”. Por outro lado, possibilita que as companhias tomem fôlego já que, segundo advogados, a cessão fiduciária passou a ser muito utilizada para obtenção de crédito no mercado, especialmente depois da Lei de Recuperação Judicial (nº 11.101, de 2005) entrar em vigor.
“As garantias reais – hipoteca e penhor – caíram em desuso e os bancos passaram a pedir crédito fiduciário para correr por fora da massa de credores”, explica o advogado Ruan Buarque de Holanda, sócio do Moraes & Savaget Advogados.
O STJ já bateu o martelo que as instituições financeiras podem recuperar esses valores sem se submeterem às assembleias de credores, por força do artigo 49, parágrafo 3º, da Lei de Recuperação Judicial. No fim de novembro, a 3ª Turma considerou “desinfluente” para a aplicação da regra o momento em que o crédito é performado – se antes ou depois da recuperação.
“A constituição da propriedade fiduciária, oriunda de cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e de títulos de crédito, dá-se a partir da própria contratação”, afirma o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze (AgInt no REsp 1932780).
Em decisões recentes, porém, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP tem diferenciado o crédito “performado” daquele “a performar” para permitir que este último seja incluído no processo de recuperação. Em um caso julgado em outubro, os desembargadores, por maioria de votos, determinaram a restituição – estimada em quase R$ 9 milhões – a uma atacadista em recuperação. O montante havia sido retido por oito bancos credores.
“O crédito não performado, ou seja, inexistente ao tempo da distribuição do pedido de recuperação, não chegou às mãos do credor, que é só titular de direito obrigacional contra a recuperanda, não de proprietário fiduciário, sendo inaplicável, portanto, nesses casos, a regra do parágrafo 3º do artigo 49 da LRF”, diz o desembargador Araldo Telles (agravo de instrumento nº 2112268-31.2021.8.26.0000).
Para o colegiado, as instituições financeiras poderiam reter apenas os créditos performados, ou seja, aqueles constituídos até a data da distribuição da recuperação judicial. “Se a propriedade fiduciária de créditos futuros não for constituída até ao ajuizamento do pedido recuperacional, estes não se submetem à regra disposta no artigo 49, parágrafo 3°, da Lei n° 11.101/05, uma vez que a garantia é ineficaz”, afirma o desembargador Maurício Pessoa, relator de outro processo julgado em outubro (agravo de instrumento nº 2143935-69.2020.8.26.0000).
De acordo com o advogado Fernando Lima Amaral, do escritório Villemor Amaral, essa distinção não consta na Lei de Recuperação. “No afã de ajudar uma empresa em crise e liberar recursos para ela, a interpretação gera um efeito sistêmico no mercado, que encarece o crédito”, diz.
Por outro lado, afirma Maria Fabiana Dominguez Sant’Ana, sócia do escritório PGLaw, sem limitação, a empresa fica sem faturamento e 100% dos recebíveis poderiam ser usados em garantia. “Isso mata a empresa.”
A limitação à trava bancária, porém, não tem o aval da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP. Em decisões tomadas durante a pandemia, o colegiado entendeu que créditos não performados também são extraconcursais, ou seja, ficam fora da recuperação judicial. Em um caso, o colegiado negou pedido do devedor para incluir no plano R$ 6,5 milhões – garantido por vendas no cartão de crédito e débito (agravo de instrumento nº 2108970-65.2020.8.26.0000).
“Desqualificar a garantia sob o fundamento da ausência da especialização, mormente naqueles casos relativos a recebíveis a performar, desgasta a relação de confiança, provocando insegurança jurídica e desestimulando novas estruturações de garantias, além de encarecer o custo do crédito”, afirma o relator, desembargador Azuma Nishi.