Super-Receita e escravidão do contribuinte

Antonio Carlos R. do Amaral

Quem comparar o projeto da Super-Receita aprovado pelo Senado Federal no ano passado com aquele votado na Câmara dos Deputados logo antes do Carnaval – e que agora segue para sanção presidencial – logo perceberá que o tema da escravidão, na perspectiva tributária, é muito caro ao governo atual. Não no errôneo e grotesco sentido de que uma emenda de proteção ao contribuinte – que apenas proíbe aos auditores fiscais a desconsideração da legítima personalidade jurídica de uma empresa prestadora de serviços – tivesse qualquer relação na luta contra o trabalho servil, mas sim porque houve simplesmente a erradicação de todo um capítulo dedicado aos direitos e garantias do contribuinte. Criado pelo Senado, que se sensibilizou com o crescente descaso das autoridades públicas com o cidadão, um importante rol de disposições de proteção ao contribuinte foi simplesmente extirpado pela Câmara dos Deputados. Ou seja, foi aprovado tudo aquilo que interessava às autoridades fiscais – visando a superfusão de estruturas fiscalizatórias e arrecadatórias – e tornado pó quase tudo do pouco de bom que a Super-Receita poderia representar para o cidadão.


A insensibilidade da Câmara dos Deputados – e note-se que já integrada pelos novos parlamentares — foi indescritível, e a sua distância dos anseios sociais é também notável. No ano passado, em nome da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) havíamos apresentado ao Senado um rol de emendas que logo foram incorporadas ao projeto de lei da Super Receita. Por um amplo acordo fomentado pelo PSDB e o PFL (a quem coube a relatoria do projeto) os senadores aprovaram a Super-Receita condicionada à aceitação das emendas da OAB-SP e de algumas importantes outras de proteção mínima ao cidadão. As emendas aprovadas no Senado e eliminadas pelos deputados marcariam um novo tempo nas relações fisco-contribuinte e concorreriam para importante diminuição da complexidade burocrática que afoga o cidadão e trava a administração pública.



Eram propostas simples, diretas e voltadas ao desarmamento burocrático do Estado, a fomentar o crescimento e a proteger cidadãos de menor capacidade econômica. Tratava-se, por exemplo, da proibição de inscrever débitos – muitas vezes já pagos – na dívida ativa sem que tenha sido garantido o direito de defesa; a necessidade de serem consolidadas obrigações burocráticas; a vedação à repetição de controles fiscais; e a exigência de anterioridade mínima de 90 dias para eficácia de novas obrigações acessórias.



Com o estrago feito pelos deputados, os novos parlamentares empurram o contribuinte à servidão tributária, pois cada vez mais o cidadão é um mero produtor de tributos para as burras estatais, com direito apenas a pagar e calar! Enaltece-se um Estado sempre mais forte em que o cidadão trabalhador é um mero “administrado”. Para os cidadãos honrados e honestos – e bons pagadores de tributos — começa muito mal este novo parlamento e o segundo mandato do governo Lula. Aliás, no que se refere às relações fisco-contribuinte e Estado-cidadão, se o mau tratamento ao contribuinte continuar a exemplo do primeiro mandato do presidente, haverá uma tal concentração de poderes pela administração tributária que nem o regime militar logrou promover. Algo que realmente nunca se viu neste país.



A insensibilidade da Câmara dos Deputados foi indescritível e a distância dos anseios sociais é notável



Atualmente está sob ataque da burocracia estatal uma das únicas emendas a favor do cidadão que não foi abolida – que não foi elaborada pela OAB-SP, mas por ela apoiada conjuntamente a diversas entidades representativas da sociedade brasileira (CNC, CNI, Fiesp, Sescon, Fecomércio, ACSP, entre tantas outras). É justamente a que trata da proteção ao empreendedorismo em uma época de complexas e difíceis relações de trabalho.



Em suma, nada mais fez o dispositivo do que assegurar que não será apenas um palpite fiscal que jogará no vazio uma pessoa jurídica legitimamente estabelecida pelo contribuinte para a prestação de serviços. A sua eventual desconsideração dependerá de prévia decisão judicial, o que não é nada de mais em um Estado de Direito. Mas isto é um tremendo acinte a algumas das superautoridades estatais que, para qualquer mínima restrição a um poder que pretendem total e incontrolável, logo alardeiam ofensa de lesa majestade e disseminam factóides burlescos propugnando que esta legítima proteção ao cidadão seria “um meio de impedir a luta contra a escravidão!” Até o grande abolicionista José Bonifácio zombaria de tal estultice! Para dizer o mínimo, o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, percebendo o rumo risível da discussão, logo anotou que seria uma contribuição notável à história mundial a criação de uma pessoa jurídica para ser “escravizada”.



Ora, o dispositivo aprovado pelo Congresso Nacional objetiva simplesmente evitar a arbitrária desconsideração, por apenas um funcionário do fisco, da prestação de serviços por uma pessoa jurídica, mesmo que esta prestação seja de natureza personalíssima – o que não é em nada incompatível com a atividade empresarial. Assim, esclarece a disposição normativa, que ora segue à esperada sanção presidencial, que tal desconsideração deverá ser promovida pelos tribunais. A matéria, inclusive, já é objeto de norma interpretativa (art. 129 da Lei nº 11.196/05) que reconhece a legitimidade, nessa hipótese, da contratação de empresas – exceção feita, obviamente, à fraude trabalhista pura e simples. A emenda de iniciativa de quase 80% do Senado Federal e também aprovada na Câmara privilegia, assim, a segurança jurídica e o empreendedorismo, especialmente em tempos de emprego escasso, competição globalizada e crescimento econômico muito aquém da média mundial e praticamente o pior da América Latina. Enfatize-se que, ao confiar esta matéria aos tribunais pátrios, o Congresso Nacional enaltece o que já prevê a Constituição Federal e prestigia um dos fundamentos basilares do Estado Democrático de Direito, que se lastreia no império da lei e na aplicação independente da Justiça. E assim deverá ser mantida a legítima e razoável disposição legal de proteção à liberdade empreendedora do brasileiro, com a outorga da sanção presidencial.



Antonio Carlos Rodrigues do Amaral é professor de direito constitucional e tributário da Universidade Mackenzie. Mestre em Direito (LL.M.) pela Harvard Law School e pós-graduado, com a distinção de excelência, em tributação comparada e internacional, pela Universidade de Harvard. Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP. Conselheiro dos Conselhos Jurídicos da FIESP e da Fecomercio/SP.

Fonte: Valor Online

Data da Notícia: 28/02/2007 00:00:00

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