STJ mantém CPRB em sua própria base de cálculo
Por Luiza Calegari — De São Paulo
A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) integra sua própria base de cálculo. Ao julgar ontem precedente sobre o tema, os ministros deram razão ao argumento da Fazenda Nacional. Como a 2ª Turma já decidiu no mesmo sentido, o entendimento da Corte fica pacificado.
Instituída no ano de 2011 pelo governo de Dilma Rousseff, a CPRB permite hoje a desoneração da folha salarial de 17 setores intensivos em mão de obra que, juntos, são responsáveis pela manutenção de cerca de 9 milhões de empregos formais. Em vez de pagar 20% sobre a folha de pagamentos ao INSS, esses contribuintes recolhem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.
Por unanimidade, prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Gurgel de Faria. Ele destacou que a tributação ocorre mediante a inclusão, na base de cálculo da CPRB, dos tributos incidentes na operação comercial, “inclusive dos valores relativos à própria CPRB” (REsp 1999905).
Os contribuintes argumentavam que a CPRB não poderia compor a própria base de cálculo, e pediam a aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) na chamada “tese do século”, que assentou que o ICMS não compõe a base do PIS e da Cofins (Tema 69).
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Segundo Gurgel de Faria, no entanto, a interpretação análoga que cabe ao caso é a do Tema 1.048. Nele, o STF considerou constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB. Após esse julgamento, realizado em 2021, o STJ adequou a própria tese para manter o ICMS na base da CPRB (Tema 994).
Ainda envolvendo a CPRB, o Supremo deve julgar a exclusão do PIS e da Cofins da base da contribuição previdenciária. A discussão tem potencial impacto de R$ 1,3 bilhão, segundo levantamento dos escritórios Machado Associados e BVZ Advogados, a pedido do Valor (Tema 1.186). Não há data para o julgamento.
Em 2022, ao julgar a questão da CPRB na base de cálculo da CPRB, por meio do recurso de uma indústria têxtil, a 2ª Turma não abordou o mérito da discussão, que entendeu ser constitucional (REsp 1986209). Mas em outro processo sobre o assunto, aplicou o entendimento do Supremo a respeito do ICMS na base de cálculo da CPRB.
“A Suprema Corte reafirmou a constitucionalidade e legalidade do conceito de receita bruta trazido pelo artigo 12 do Decreto-Lei 1.598/1977, com a nova redação dada pela Lei 12.973/2014, não se aplicando as razões do Tema 69 do STF à presente discussão”, diz o acórdão (REsp 1967400).
Segundo tributaristas, o entendimento do STJ não muda nada para os contribuintes, que já são obrigados a recolher a CPRB incluindo a própria contribuição na base de cálculo. Letícia Micchelucci, sócia do Loeser e Hadad Advogados, pontua que a decisão privilegiou a literalidade da lei vigente, uma vez que o Decreto-Lei nº 1.598/77, citado por Gurgel de Faria, define a receita bruta como o total das operações, incluindo os tributos incidentes.
Do ponto de vista do contribuinte, no entanto, o entendimento foi “excessivo”, aponta Letícia. “A inclusão de um tributo na própria base de cálculo gera um efeito cascata, o que contraria princípios como o da capacidade contributiva.”
A especialista lembra que a própria reforma tributária, já aprovada, determina o cálculo por fora dos tributos, e essa deveria ser a realidade tributária há muito tempo. “A decisão privilegia a arrecadação fiscal, mas deixa margem para debates sobre a justiça tributária e a coerência do sistema”, diz ela.
Rodrigo Marinho, sócio do Machado Meyer, afirma que o tema é mais um reflexo do julgamento da chamada “tese do século”, que deu razão ao contribuinte ao excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Nessas teses reflexas, no entanto, “temos visto que os tribunais superiores estão rechaçando os argumentos dos contribuintes”.
Em relação à CRPB, ele lembra ainda de outro precedente do Supremo, que definiu que o ISS compõe a base de cálculo da CPRB (Tema 1.135). Tanto nesse caso quanto no do ICMS, diz Marinho, o Supremo diferenciou a discussão sobre CPRB do caso que deu origem à “tese do século”.
O tributarista Newton Domingueti, sócio do Velloza Advogados, lembra que a CPRB foi instituída como uma alternativa para empresas que usam muita mão de obra e que, por isso, tinham uma carga de contribuição previdenciária muito pesada, por incidir sobre a folha de pagamentos.
No Supremo, o ministro Alexandre de Moraes, relator dos dois acórdãos sobre a base de cálculo da CPRB, entendeu que a contribuição incidente sobre a receita bruta é uma liberalidade da administração pública, desde que a adesão à sistemática se tornou facultativa, no ano de 2015. Permitir a exclusão dos impostos da base de cálculo seria, para o ministro, ampliar um benefício fiscal, o que violaria o artigo 155, parágrafo 6º da Constituição Federal (RE 1285845).
Assim, a aplicação do precedente do STF pelo STJ não foi uma surpresa para os especialistas. Mas, segundo Domingueti, reforçou a impressão de que a possibilidade do impacto financeiro para os cofres públicos pesou na avaliação dos ministros.
“Quando julgou o Tema 1.048, o Supremo teve uma preocupação orçamentária, tanto do impacto que isso teria para a arrecadação no futuro, quanto se houvesse a necessidade de devolução das parcelas pagas indevidamente nos últimos cinco anos”, diz.
Domingueti ressalva, no entanto, que, embora nos julgamentos relacionados à CPRB o contribuinte tenha saído perdendo, esse resultado não aponta a mesma tendência para outras teses filhotes. “A justificativa [favorável à Fazenda] vem sendo a diferenciação entre a CPRB e o PIS e a Cofins. Mas nos casos do ISS (Tema 118) e dos próprios PIS e Cofins (Tema 1.067) nas bases de cálculo do PIS e da Cofins, já há precedentes favoráveis e possibilidade de vitória dos contribuintes”, afirma.
Em nota ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) diz que a Fazenda vem defendendo que o Tema 69 da repercussão geral do STF (a “tese do século”) deve ser aplicado à situação específica que foi seu objeto. “Tanto o STF como o STJ têm tido a necessária prudência ao aplicá-lo, resguardando a coerência do sistema tributário nacional e a segurança jurídica. No caso específico, muito mais adequada foi a aplicação do Tema 1.048/STF para reconhecer que não é possível a dedução da CPRB de sua própria base de cálculo”.