STJ exclui de recuperação créditos de cooperativas

Por Marcela Villar — De São Paulo A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, pela primeira vez, que os créditos de cooperativas não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial. Ou seja, o cooperado em processo de reestruturação deverá pagar toda a dívida, sem os deságios e prazos prolongados previstos no plano aprovado. O que se discutiu no STJ foi se contratos firmados com cooperativas de crédito podem ser classificados como “atos cooperativos” – que, pela legislação, não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. O parágrafo 13º do artigo 6º da Lei nº 11.101, de 2005, inserido em 2020, diz que “não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados”. Há divergência de interpretação sobre o dispositivo, segundo advogados. Devedores entendem que essas operações de crédito teriam natureza mercantil e se igualariam às de instituições financeiras – portanto, a dívida poderia ser inserida na recuperação judicial. Já os credores entendem que são atos cooperativos, os quais a lei de recuperação judicial prevê a exclusão desde o ano de 2020. LEIA MAIS: Justiça livra metalúrgica de dívida fiscal de falida Ainda de acordo com especialistas, juízes do Centro Oeste, principalmente do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, têm sido mais favoráveis aos devedores, principalmente quando são empresas do agronegócio e produtores rurais, admitindo a inclusão dos créditos. Em São Paulo, os precedentes são para ambos os lados. A avaliação é que a decisão do STJ, apesar de não ser em recurso repetitivo, poderá influenciar os casos em curso, ajuizados após a mudança legislativa. E inclusive desincentivar os pedidos de recuperação judicial por produtores rurais – grande parte do que devem geralmente é para cooperativas. O caso julgado pelo STJ é do Grupo Baurular, varejista de construção com sede em Penápolis (SP). Ela pediu recuperação judicial em fevereiro de 2022, declarando dívida quase R$ 900 mil. Inseriu no processo créditos com a Sicredi Alta Noroeste SP, da ordem de R$ 425 mil, e com a Sicoob Nosso, de R$ 1,7 milhão. As cooperativas impugnaram a inclusão dos valores e obtiveram decisões favoráveis na primeira e segunda instâncias da Justiça paulista. Segundo os advogados do caso, os créditos já foram excluídos. Se tivessem sido mantidos na recuperação judicial, sofreriam 70% de deságio e a primeira parcela só seria paga em 22 meses, conforme prevê o plano de recuperação judicial do grupo. No recurso ao STJ, o grupo diz que a cooperativa é uma instituição financeira, equiparando-se a bancos, devendo o crédito ser tratado de mesmo modo. Argumenta que a operação é similar à praticada pelo mercado, com condições normais de juros e prazos. Mas a tese não foi acatada pelo relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Para ele, o ato cooperativo, definido pelo artigo 79 da Lei nº 5.764/1971 (Lei das Cooperativas), é qualquer ato realizado entre cooperativa e associados para cumprir os objetivos sociais. Isso porque “os associados participam da gestão da cooperativa e, ao mesmo tempo, utilizam de seus produtos e serviços, são ‘donos e usuários’”. “Assim, não há como criar distinções entre os atos dos usuários realizados dentro do objeto social”, diz Cueva, no acórdão (REsp 2091441 e REsp 2110361). Na visão dele, “é suficiente que os atos sejam praticados entre a cooperativa e o cooperado para a consecução do objeto social para serem considerados atos cooperativos, regidos pelo mutualismo”. O advogado Fabiano Jantalia, sócio-fundador do Jantalia Advogados, que defende a Sicredi Alta Noroeste SP no processo, afirma que a discussão é antiga, mas ganhou relevância no último ano por conta do aumento expressivo das recuperações judiciais, especialmente no agronegócio. “Acredito que a decisão deve servir de desestímulo a pedidos de recuperação judicial no agro porque grande parte das dívidas são com cooperativas de crédito”, diz Jantalia, realçando o “timing” da decisão. De acordo com o advogado, a jurisprudência, até então dividida, deve agora seguir o posicionamento do STJ, mesmo que não seja vinculante. “A jurisprudência era um pouco mais inclinada a favor dos devedores do que das instituições, justamente com uma interpretação, a meu ver, equivocada”, diz Jantalia. Já a advogada Cybelle Guedes Campos, sócia do Moraes Junior Advogados, discorda do entendimento. Para ela, é preciso distinguir o ato cooperativo “puro”, com base no mutualismo, da atividade financeira típica de mercado. “Na prática são idênticas às operações bancárias convencionais, com a cobrança de juros e encargos financeiros que visam tão somente o lucro, e não são revertidos em benefício dos próprios cooperados”, afirma. Para ela, “o que deve ser levado em consideração é a análise substancial e aprofundada da operação que de fato ocorreu e não simplesmente a tipificação do contrato, com a análise formal e literal dos dispositivos legais”. A decisão, adiciona, distorce o instituto do ato cooperativo, cria um desequilíbrio entre credores e pode comprometer o próprio soerguimento da empresa. Visão diferente tem o advogado Vladimir Lozano Junior, do Godoy Advogados Associados, que defende a Sicoob no caso. “A alteração trazida pela lei em 2020 excluiu a cooperativa e atos cooperados da recuperação judicial. Então entendemos que eles não podem mais ser submetidos aos efeitos da recuperação”, diz Junior, que obteve entendimento favorável em outros casos. Procurada pelo Valor, a defesa do Grupo Baurular não deu retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico

Data da Notícia: 02/06/2025 00:00:00

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