STJ analisa nova Lei das Subvenções e afasta IRPJ e CSLL sobre crédito presumido de ICMS
Por Marcela Villar — De São Paulo
Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a incidência do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL sobre crédito presumido de ICMS para uma empresa, mesmo após a vigência da Lei nº 14.789, de 2023. A norma, editada por iniciativa do Ministério da Fazenda, passou a tributar todos os benefícios fiscais de ICMS, permitindo apuração de crédito fiscal de até 25%. Esta é a primeira manifestação da Corte sobre o tema.
A decisão é monocrática, do ministro Gurgel de Faria, mas é relevante porque há grande expectativa do mercado sobre qual seria a posição do STJ após a lei – se a jurisprudência para afastar a tributação seria mantida ou se prevaleceria a nova determinação legal.
O posicionamento do ministro segue o parecer do Ministério Público Federal (MPF) e vai em linha com o que tem decidido a segunda instância do Judiciário. Como mostrou o Valor, 62% das decisões dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) têm sido favoráveis às empresas para casos de crédito presumido. Considerando todos os tipos de benefício fiscal, esse percentual é de 58%. A pesquisa, feita pelo escritório Mattos Filho, considerou 614 acórdãos, de janeiro a outubro de 2024.
Outro levantamento, feito pelo escritório Rivitti e Dias Advogados, indicou que 89% das decisões do TRF da 3ª Região, com sede em São Paulo, que tratam só de crédito presumido, dão vitória aos contribuintes. A análise considerou 88 acórdãos, de janeiro a abril deste ano, também sobre a nova legislação.
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Na visão de advogados, a decisão do ministro reforça o argumento dos contribuintes de que a lei nova não deveria mudar a jurisprudência do STJ. E, para alguns, aponta que não é necessário entrar com outra ação na Justiça para discutir o assunto após a vigência da norma – como foi o caso analisado por Gurgel de Faria. Isso porque o princípio do pacto federativo, previsto na Constituição Federal, não foi alterado.
O tema é relevante para a Fazenda. Ao propor a Medida Provisória (MP) nº 1.185, de 2023, que antecedeu a Lei das Subvenções, o governo federal previu incremento de R$ 35,4 bilhões na receita anual. Depois reduziu esse número para R$ 26,3 bilhões.
Segundo nota técnica do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros (Cetad), há perda da ordem de R$ 80 bilhões por ano para a União com exclusões indevidas de incentivos fiscais e ICMS da base de tributos federais.
Tributaristas entendem que os precedentes do STJ deveriam prevalecer mesmo após a edição da nova lei, principalmente para crédito presumido. Lembram de julgamento do ano de 2017 em que os ministros da 1ª Seção permitiram a retirada do incentivo das bases do IRPJ e da CSLL por violar o pacto federativo (EREsp 1517492).
Em 2023, a 1ª Seção entendeu que esse precedente não poderia ser estendido aos demais benefícios fiscais. Isso porque, no crédito presumido, o governo estadual concede crédito ao contribuinte, o que seria uma “grandeza positiva” no caixa. Nos outros tipos, haveria desoneração – seriam “benefícios negativos”.
Por isso, o STJ determinou que para afastar a cobrança nos outros tipos de subvenção, deveriam ser cumpridos determinados requisitos, previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014 (Tema 1182). A decisão foi dada em repetitivo, ou seja, deveria ser cumprida por todo o Judiciário.
Só que após o julgamento, veio a nova lei, a nº 14.789, que revogou o artigo 30. As empresas teriam que se habilitar na Receita Federal para depois tomar crédito fiscal. Começou, a partir daí, uma nova onda de ações judiciais para afastar a nova legislação.
O caso agora analisado pelo ministro Gurgel de Faria é anterior à mudança legislativa. A mineradora Andreetta, de Passo Fundo (RS), recorreu de acórdão do TRF da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, que afastou a tributação do crédito presumido de ICMS até a vigência da Lei de Subvenções, ou seja, 31 de dezembro de 2023. Para o tribunal, “afigura-se prudente não ingressar nessa nova temática, relegando-se a análise da legitimidade da Lei 14.789/23 para eventual ação futura, que dela trate de forma específica e justificada”.
Mas o relator no STJ entendeu que o contribuinte poderia continuar fazendo a exclusão mesmo após a nova lei. Isso porque “o teor da Lei nº 14.789/2023 não pode ser hábil a impedir a conclusão firmada no entendimento desta Corte de Justiça de que é indevida a inclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, sob o fundamento de que a incidência de tributo federal sobre o incentivo fiscal em comento ofenderia o princípio federativo do artigo 150, VI, da CF/1988”, diz Faria, na decisão (REsp 2202266).
Para o advogado Ricardo de Holanda Janesch, da Roit, o entendimento do ministro assegura aos contribuintes que não é necessário entrar com nova ação judicial sobre o tema após a Lei nº 14.789. “A decisão ajuda a pacificar a briga, porque o entendimento do ministro é de que não cai a construção jurídica sobre o tema, então acabou chancelando o entendimento dos contribuintes”, afirma.
A advogada Thaíze Tamaio, sócia do escritório Maran, Gehlen & Advogados, que representa a empresa no caso, diz que o TRF-4 tem afastado a tributação dos benefícios fiscais dos processos em curso, mas apenas até o fim do ano de 2023. A partir de 2024, com a vigência da nova lei, tem vedado a exclusão.
A decisão do STJ, para a tributarista, traz segurança jurídica tanto para quem já tem decisão final (trânsito em julgado) quanto para quem tem buscado a exclusão na esfera administrativa. “Como sempre tem uma instabilidade, da Receita Federal buscando autuar esses valores, é uma garantia de que não teve alteração no entendimento mesmo com a mudança de legislação”, diz.
Paulo Coviello Filho, sócio de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados, considera o voto do ministro “coerente”. “A nova lei de subvenções, infraconstitucional, não poderia mudar o entendimento que o STJ já tinha consolidado sobre crédito presumido. Se antes da lei ele não era tributado por ofensa ao pacto federativo, depois da lei, como ela não mudou a Constituição, nada pode mudar”, afirma.
O tributarista Anderson Mainates, do Cascione Advogados, reforça que o “fundamento constitucional permanece o mesmo”. “É uma renúncia do ente federativo que a União não pode tributar”, diz. Sinaliza que foi sugerido para afetação em repetitivo o mesmo tema do julgamento de 2017, da tributação pelo IRPJ e CSLL sobre crédito presumido.
“Como não foi julgado em repetitivo, não tem um precedente vinculante”, acrescenta ele, citando a sugestão de controvérsia 576 – o tema ainda não foi afetado. “Essa decisão [do ministro Gurgel de Faria], embora isolada, já é, de alguma forma, uma sinalização de que talvez o STJ afete o tema para confirmar o que já disse no passado.”
A discussão deve acabar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde existem pelo menos quatro ações sobre o assunto. Em uma delas, a discussão é mais abrangente, sobre a exclusão do PIS e da Cofins da base de cálculo dos créditos presumidos de ICMS (Tema 843). Em outros três casos, é questionada a constitucionalidade da nova Lei das Subvenções (ADIs 7751, 7604 e 7622).
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que recorrerá da decisão monocrática. E afirma que, quanto ao regime inaugurado pela Lei nº 14.687, de 2023, a Fazenda Nacional reafirma sua absoluta juridicidade e constitucionalidade. “A propósito, ao instituir um benefício federal de concessão de crédito fiscal, a Lei nº 14.789, de 2023, revoga todo o arcabouço anterior que autorizava as exclusões de benefícios de ICMS da base de cálculo de tributos federais, razão pela qual há falta de fundamento legal a sustentar ditas exclusões”, diz.