STF vai julgar disputas tributárias com a União que somam R$ 117,7 bi
Por Beatriz Olivon — De Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) volta hoje do recesso com uma pauta tributária de pelo menos R$ 117,7 bilhões. O valor refere-se apenas ao impacto nos cofres públicos de 3 dos 14 casos envolvendo a União, marcados para agosto. Discutem a cobrança da Cide-Royalties, o cálculo de benefícios previdenciários e a incidência de PIS, Cofins e CSLL sobre produtos ou serviços prestados a associados de cooperativas.
A Cide-Royalties está entre os dois principais casos do semestre elencados, em entrevista ao Valor, pelo coordenador da Atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no STF, Euclides Sigoli. O outro é o que trata da chamada “pejotização”- a contratação de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para prestação de serviços. A questão não foi pautada, mas está prevista a realização de audiência pública em setembro (ARE 1532603).
O caso é classificado como trabalhista, mas a preocupação da PGFN é com os reflexos de uma decisão no sistema previdenciário brasileiro. “Poderia implodir o sistema de previdência social”, afirma ele. Não há, porém, estimativa do impacto econômico.
O caso da Cide-Royalties está pautado para a próxima quarta-feira. Os ministros devem retomar o julgamento que discute se a contribuição pode ser cobrada apenas de empresas da área de tecnologia ou sobre qualquer empresa que preste serviços técnicos-administrativos.
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A estimativa de impacto para a União é de R$ 19,6 bilhões, conforme indicado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026. Por ano, a perda na arrecadação seria de R$ 4 bilhões, segundo a Fazenda Nacional.
Definição sobre tratamento de atos cooperativos será relevante”
— Lana Borges
Os ministros divergem sobre a possibilidade de tributação de remessas alheias à exploração de tecnologia estrangeira. Há dois votos. Para o relator, ministro Luiz Fux, a Cide-Royalties só poderia incidir sobre contratos com exploração de tecnologia. Porém, para o ministro Flávio Dino, a base de tributação poderia ser mais ampla (RE 928943).
O processo de maior impacto econômico está previsto para começar na próxima sexta-feira, no Plenário Virtual. Nele, os ministros decidirão qual regra deve ser observada no cálculo de benefícios previdenciários para segurados filiados ao Regime Geral de Previdência até a data da promulgação da Emenda Constitucional (EC) 20/98 (RE 639856). O impacto é estimado em R$ 89 bilhões. O julgamento termina no dia 18 se não houver pedido de vista ou destaque – envio do caso para o plenário físico.
Para a sessão presencial de hoje está pautado outro tema relevante: se caracteriza confisco a aplicação de “multa isolada” por descumprimento de obrigação tributária acessória – declarações e emissões de documentos fiscais exigidos junto com o pagamento de tributos. Não há previsão de impacto para os cofres públicos.
O julgamento foi iniciado no Plenário Virtual e transferido para sessão presencial. Havia, até então, duas linhas de voto. Ambas indicam haver necessidade de limite para as multas, mas discordam em relação ao patamar que deve ser fixado (RE 640452).
No Plenário Virtual, os destaques da sessão a ser iniciada hoje são os julgamentos que tratam da aplicação de limite temporal (modulação) para a decisão sobre a tributação do terço de férias (RE 1072485) e do diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS (RE 1426271). O caso está suspenso desde março e interessa, particularmente, às varejistas. Os Estados estimam que a tese possa ter impacto de R$ 9,8 bilhões.
No terço de férias, a Fazenda Nacional questiona o limite temporal da decisão que determinou a inclusão do terço de férias no cálculo da contribuição previdenciária patronal. Se os ministros decidissem por não aplicar a modulação, a Receita Federal ficaria livre para cobrar valores que deixaram de ser recolhidos no passado, antes da decisão do STF, em agosto de 2020. Sem o limite, a decisão poderia custar entre R$ 80 bilhões e R$ 100 bilhões aos contribuintes, pela projeção da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat).
Lana Borges, sócia do Bermudes Advogados e ex-procuradora da Fazenda, destaca outro importante julgamento: o que discute o tratamento a ser dado aos atos cooperativos. “É um tema muito relevante para a economia brasileira”, diz. Apesar de o tema falar de PIS, Cofins e CSLL, a definição nesse processo valerá par ao Imposto de Renda, acrescenta. “O STF vai desenhar o que é ato cooperativo e isso vai repercutir em outras discussões tributárias.”
Para o advogado Marcelo Pinto Ribeiro, do Grupo Consultoria Empresarial, trata-se de um tema de “extremo impacto”. Ele lembra que a disputa está estimada em R$ 9,1 bilhões na LDO. O processo está previsto para a sessão virtual a ser iniciada no dia 22 deste mês.
A discussão envolve a Lei nº 5.764/71, que define a política nacional de cooperativismo. “As cooperativas defendem que os atos cooperativos [fornecimento de produtos ou serviços] não geram receita ou faturamento e não estariam sujeitas às contribuições”, diz ele, acrescentando que no Superior Tribunal de Justiça (STJ) os precedentes são favoráveis às cooperativas.
“A definição do alcance do ato cooperado está aberta no texto constitucional há muito tempo e as cooperativas, pela própria natureza do negócio, precisam desse entendimento para minimamente entender a sua escrita fiscal”, afirma o advogado Eduardo Lucas, sócio do Martinelli Advogados.
As teses filhotes da exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins estão também entre os temas relevantes que ainda aguardam no STF, segundo Andrea Mascitto, sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados. A advogada destaca ainda um caso pautado para o dia 13 sobre a validade da lei federal que obriga as distribuidoras de energia elétrica a devolverem aos consumidores os tributos recolhidos a mais (ADI 7324).
Para Bruno Teixeira, sócio da área tributária de TozziniFreire Advogados, a pauta mostra que o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, está preocupado em julgar casos tributários mas, ao mesmo tempo, freia discussões que apontam para decisões favoráveis aos contribuintes. “Um exemplo é a exclusão do ISS da base do PIS e da Cofins. Faltava o voto do ministro Luiz Fux, que formaria maioria a favor do contribuinte, e teve uma pausa”, afirma.
O tributarista Flávio Molinari, sócio do Collavini Borges Molinari Advogados, também destaca a expectativa de o STF pautar ISS na base do PIS e da Cofins. “É um caso de grande repercussão econômica e se espera decisão favorável tendo em vista julgamento da tese do século”, diz.
A PGFN reforça que o tema é importante e que ainda acredita na tese. “Estamos vendo um cenário que não é favorável, mas a gente acredita no nosso argumento técnico de que são situações diferentes [da exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins]. Tentam aproximar do tema, mas são situações diferentes”, afirma o procurador Euclides Sigoli.