STF analisa receitas do Judiciário no arcabouço fiscal

Por Marcela Villar, Valor — São Paulo O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, na sexta-feira, para excluir as receitas próprias do Judiciário do novo arcabouço fiscal, criado pela Lei Complementar nº 200/2023. O entendimento permite que valores arrecadados com custas e taxas judiciais, por exemplo, sejam exceção ao novo teto de gastos, como as universidades públicas federais e instituições de ensino voltadas para fomento da ciência. Segundo especialistas, essa é mais uma manobra do Judiciário para aumentar seu orçamento. A medida também enfraquece o arcabouço, já frágil. Só no ano de 2024, as receitas próprias dos tribunais federais foram da ordem de R$ 2 bilhões, que podem ser gastos além do que é repassado pela União. Os valores foram levantados pelo pesquisador associado do Insper Marcos Mendes. Leia também: BTG diz em comunicado ao mercado que não fez due diligence nos ativos do Master Análise: Crise do Banco Master é mais crônica que aguda, mas gera preocupações no sistema A discussão abrange todos os tribunais federais — o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), os seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), os 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Superior Tribunal Militar (STM) e o próprio STF. Além do repasse da União, os tribunais têm as receitas próprias, advindas de auxílios, doações, inscrição em concursos públicos, venda de assinatura de revistas e de espaços na TV e Rádio Justiça, aluguéis, venda de equipamentos, multas contratuais, do banco que recebe a folha de pagamentos dos servidores e dos “spreads” bancários provenientes dos depósitos judiciais. SAIBA MAIS: Empresas esperam litígios sobre IA e cibersegurança este ano, diz estudo Contribuintes conseguem no Judiciário adiar o fim do benefício fiscal do Perse Prevalece, até então, o voto do relator, o ministro Alexandre de Moraes, acompanhado por Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Cristiano Zanin. O julgamento terminará na sexta-feira, dia 11, no Plenário Virtual. Ele havia começado em fevereiro, mas foi interrompido por pedido de vista. A ação foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em 2024. Ela alega ser inconstitucional um dispositivo da LC nº 200/2023 que limita despesas para órgãos e poderes em âmbito federal. Para a AMB, o teto viola os princípios da separação dos Poderes, da autonomia financeira do Judiciário, da eficiência e da proporcionalidade. Há uma divergência entre os posicionamentos da Presidência da República, representada pela Advocacia-Geral da União (AGU), e da Procuradoria-Geral da República (PGR). A AGU pede a improcedência do pedido, mas a PGR é a favor da exclusão, pois os valores seriam usados para custeio dos tribunais. A AGU afirma, no processo, que “a exclusão de certas despesas do limite para o montante global das dotações orçamentárias relativas a despesas primárias fundamentou-se, única e exclusivamente, no juízo político do Congresso Nacional”. Não caberia ao STF, acrescenta, “alterar tal decisão, em respeito ao princípio da separação dos Poderes”. Votação Mas o relator não acatou esses argumentos. Para Alexandre de Moraes, a exclusão das receitas próprias do Judiciário federal do arcabouço “prestigia sua autonomia, se aproxima daquilo que já se pratica entre os tribunais estaduais e não afeta o comprometimento institucional no esforço de recuperação da higidez fiscal” (ADI 7641). Isso porque as “receitas provenientes da União e conformadas pelo orçamento público continuarão a ser regidas pelo teto do regime fiscal sustentável. Subtrai-se dele somente aquilo que o Poder Judiciário angaria sponte própria”, acrescentou. Análise O pesquisador Marcos Mendes, do Insper, acredita que o entendimento do STF é grave pois é “mais uma investida” do Judiciário em conseguir benefícios, além dos penduricalhos que já recebem e dos gastos excessivos. Segundo ele, dados do Tesouro Nacional indicam que o Brasil gastou 1,37% do Produto Interno Bruto (PIB) com tribunais no último ano, algo que, em média, é de 0,2% a 0,3% em outros países. “É uma distorção muito grande”, acrescenta. “Estão explorando uma brecha aberta pelo Executivo que permitiu que órgãos do Executivo tirem do teto as despesas custeadas com recursos próprios. Foi uma leniência do Executivo que ajudou uma demanda do Judiciário”, avalia. Na visão do pesquisador, a receita “própria” dos tribunais é pública, pois “o que eles fazem é um serviço público”. “Toda a argumentação de Alexandre de Moraes é claramente um exercício para atender uma demanda corporativa e uma corporação a que ele pertence”, diz. Ele acredita que o arcabouço já está muito fragilizado. “Já demonstrou que não tem condições de entregar o equilíbrio fiscal que o país precisa”, diz. Mas que essa discussão vai além. “Reforça a sensação na sociedade de que a profissão jurídica tomou de assalto o Tesouro”, afirma. Em nota, a AMB diz que pleiteia “a autonomia do Poder Judiciário da União no uso dos recursos que arrecada diretamente, por meio de custas judiciais, taxas, emolumentos, aluguéis, valores de concursos e multas contratuais”. “De acordo com o parágrafo 2º do artigo 98 da Constituição, tais recursos só podem ser destinados ao custeio dos serviços da Justiça. Não devem ser englobados pelo novo regime”, afirmou. A entidade pede “o mesmo tratamento já previsto na lei para outras instituições”. “O impedimento do uso desses recursos impacta, negativamente, a qualidade dos serviços prestados à população”, concluiu.

Fonte: Valor Econômico

Data da Notícia: 07/04/2025 00:00:00

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