Risco de judicialização com reforma é baixo
Por Lu Aiko Otta e Guilherme Pimenta — De Brasília
Numa escala de zero a dez, é da ordem de três o risco de haver um aumento no volume de ações judiciais em função de decisões divergentes nas duas instâncias administrativas que julgarão os casos envolvendo a cobrança do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), ambos criados na reforma dos tributos sobre o consumo. Evitar que interpretações diferentes provoquem uma corrida aos tribunais é um dos grandes desafios à frente, afirmou ao Valor o presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Carlos Higino Ribeiro de Alencar.
“Não podemos deixar surgir essa semente do mal, essa erva daninha. Aí vai criar mais complexidade no sistema”, disse Higino. “Eu diria que para o ano que vem, para os demais, esse é um ponto bem importante.”
A existência de duas instâncias julgadoras é um dos maiores pontos de preocupação de especialistas em tributos. O tema faz parte do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/24, que institui o Comitê Gestor do IBS.
É um dos dois projetos que detalham o funcionamento da reforma tributária. Essa proposição deve ser votada em 2025, enquanto o texto que detalha o funcionamento dos novos tributos, o Projeto de Lei Complementar nº 68/24, pode concluir sua tramitação até o fim do ano.
A reforma tributária criou um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) nos moldes do que existe nas economias mais avançadas, mas criou uma particularidade: o tributo é dual. Ou seja, é composto por duas partes, uma federal (CBS) e uma dos Estados e municípios (IBS).
Em teoria, o imposto e a contribuição são similares, para funcionar como um tributo só. A uniformidade, porém, fica sob risco porque haverá duas instâncias para os contribuintes discutirem a cobrança dos tributos: o Carf para a CBS e o Comitê Gestor para o IBS. Problema poderá ocorrer se os entendimentos do Conselho e do Comitê Gestor forem diferentes.
Para contornar esse problema, a versão do PLP nº 108/24, que está em análise no Senado Federal, cria um comitê de harmonização. Na visão de Higino, se a ideia de uma instância destinada a conciliar posições funcionar, o risco de ocorrer uma onda de contribuintes buscando a Justiça é reduzido. “Do contrário, pode haver judicialização em massa”, alertou.
Criticada por especialistas, a instituição de dois órgãos de julgamento é vista por Higino como uma forma de preservar competências. “O tributo IBS é de Estados e municípios, o tributo CBS é da União, então cada um tem que ter essa competência de julgar”, afirmou. Ele considera, porém, que esse é um ponto de atenção e que é preciso manter um olhar atento para evitar que as divergências se transformem numa bola de neve.
Não podemos deixar surgir essa semente do mal, essa erva daninha”
— Carlos H. R. de Alencar
Por outro lado, lembrou Higino, a reforma tributária trará uma “brutal” redução das ações e questionamentos administrativos envolvendo tributos.
Hoje, lembra ele, há uma grande quantidade de disputas. Por exemplo, se uma despesa constitui ou não um crédito tributário. Isso porque os atuais PIS/Cofins e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) concedem crédito a partir do controle físico se um produto foi ou não usado na produção da empresa.
“Aí surgem discussões do tipo: uma bota de borracha usada pela pessoa que trabalha na peixaria gera crédito para a peixaria, mas a mesma bota usada por alguém que atua no transporte do peixe, não”, exemplificou.
A reforma tributária pretende acabar com esse tipo de debate ao instituir o crédito financeiro. Assim, tudo o que for despesa da empresa gerará crédito. Só haverá exceção para certos itens, como uma garrafa de vinho consumida pelos dirigentes da empresa.
Outra fonte de litígio administrativo e judicial são os incentivos fiscais concedidos por Estados, comentou Higino. Há muitos processos que discutem se o benefício está ou não de acordo com as normas do Conselho de Política Fazendária (Confaz), colegiado que reúne os secretários estaduais de finanças. Também nesse caso, a expectativa é que as discussões acabem, uma vez que a “guerra fiscal”, que está na raiz da concessão desses incentivos fiscais, também deve ser eliminada.