Rio cobra imposto até sobre plano de previdência herdado ou doado

POR GLAUCE CAVALCANTI

RIO – Em meio à crise fiscal, o tombo na arrecadação tem levado os estados a fazerem malabarismos para ajustar as contas públicas. É esforço para — em paralelo ao corte de despesas — ampliar a combalida receita. Um caminho cada vez mais escolhido é o tributário. As secretarias de Fazenda avaliam com lupa áreas com abertura para aumentar a arrecadação por meio do reajuste de alíquotas ou pela inclusão de novos processos e operações sujeitas à tributação.

Algumas delas estão sujeitas a questionamentos legais. Um dos principais exemplos foi a revisão da legislação no Rio para ampliar a base de incidência do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), cobrado de heranças e doações.

— O ajuste pelo lado tributário, embora traga arrecadação, resulta também em contração econômica porque reduz a renda das pessoas. Uma política fiscal mais restritiva pode também reduzir a produção. É um equilíbrio difícil — explica Fábio Klein, analista de Finanças Pública da Tendências Consultoria.

Raios X da arrecadação

Governo também elevou a alíquota do imposto de doação



O Estado do Rio tem hoje a mais ampla base tributável para o ITCMD no país, afirmam advogados tributaristas ouvidos pelo GLOBO. A Lei nº 7.174/2015, em vigor desde 2016, instituiu, por exemplo, a incidência do ITCMD sobre os planos de previdência complementar, a exemplo do que já acontece em estados como Paraná, Minas Gerais e Goiás.

— O esforço para sanear a crise fiscal tem de acontecer. Mas é preciso ver quais são as medidas de menor custo econômico. No caso das heranças, é uma tributação sobre patrimônio, não está atrelado à atividade econômica. Se sobe o ICMS, por exemplo, encarece a produção, afeta o consumo. Mas, como toda legislação tributária, está sujeita a questionamentos — diz Klein.

AUMENTO DA ALÍQUOTA PARA 5%

A FenaPrevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida), que reúne as empresas do setor no Brasil, entrou com representações de inconstitucionalidade, questionando a legislação fluminense, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJRJ).

“No entendimento da FenaPrevi, a incidência de tal tributo fere princípios técnicos e legais dos referidos planos”, afirmou em nota a entidade, ao ser indagada sobre a incidência do ITCMD nos planos de previdência complementar dos tipos Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), entre outros, em herança ou doação.

— A discussão sobre a tributação de heranças e doações deve voltar com força este ano. É um período de penúria fiscal no estado e de forte pressão sobre a Fazenda para aumentar a arredação. No caso da legislação para o ITCMD, o estado não apenas ajustou a alíquota. Ele passou a tributar operações antes não sujeitas ao imposto — pondera o advogado tributarista Hermano Barbosa.
Com a nova legislação fluminense, a alíquota do ITCMD subiu de 4% para 5% em 2016, valendo sobre um número maior de operações. Na ponta do lápis, resultou numa arrecadação total de R$ 1,4 bilhão, uma expansão de 46,57% na comparação com o ano anterior, já descontado o efeito da inflação.

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A Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) explicou, em nota, que avalia constantemente as alíquotas praticadas por outros estados do país. E, quando revisou a legislação referente ao imposto sobre heranças e doações, levou em consideração que o escopo de casos tributáveis pelo ITCMD em outros estados era mais abrangente e que houve entendimento de que se fazia necessário atualizar a lei em vigor no Estado do Rio. A Sefaz ponderou ainda que, na época, não recebeu questionamentos sobre a mudança.

O desembargador Marcos Alcino de Azevedo Torres, do Órgão Especial do TJRJ, pediu informações ao presidente da Assembleia estadual Legislativa e também ao governador sobre a representação da FenaPrevi. O Palácio Guanabara foi notificado da ação, declarando que a Procuradoria Geral do Estado já prestou os esclarecimentos solicitados.


A cobrança sobre planos de previdência complementar incide tanto no caso do resgate do saldo de recursos quanto na transferência dos pagamentos sob forma de renda programada para beneficiários por morte do titular. O debate ganha mais fôlego com as discussões sobre a reforma da Previdência. Em 2016, os aportes em planos de previdência privada subiram quase 20%, para R$ 114,72 bilhões, segundo a FenaPrevi.

NO PAÍS, 13 MILHÕES TÊM PLANO

A maior parte desse total foi para planos do tipo VGBL, com R$ 104,94 bilhões, mais indicado para contribuintes que fazem a declaração de Imposto de Renda (IR) simplificada. O PGBL, que teve aportes de R$ 8,92 bilhões, é a opção para quem faz a declaração completa de IR, permitindo abater o valor aplicado até o limite de 12% da renda bruta. Em todo o Brasil, são 13 milhões de usuários.

— Não se pode tributar planos de previdência complementar. O VGBL é um seguro de vida e, pelo Código Civil, não é herança, tanto que permite direcionar o patrimônio a qualquer pessoa. O PGBL também não é herança — explica Linneu Mello, professor da FGV Direito Rio.

Para o contribuinte, está cada vez mais difícil fazer o planejamento sucessório.

— O legislador estadual identificou as principais ações de planejamento sucessório feitas pelas pessoas e fechou o cerco. No Rio, esse processo foi bem além de outros estados — afirma o advogado tributarista Felipe Renault.

O seguro de vida segue como uma opção segura, diz a advogada Mariana Jatahi. Outros caminhos antes usados em planejamento sucessório também foram cerceados, como o usufruto e a doação de imóvel situado no exterior.

— No caso do usufruto, a nova legislação pede o pagamento total do ITCMD na doação. Antes, eram 50% na doação e o restante quando expirava a reserva de usufruto. Esta parcela era questionável, e as pessoas acabavam não pagando. Agora, isso não é mais possível — conta Mariana, destacando que já foi procurada por clientes questionando a cobrança.

A taxação de doações ou herança de imóvel internacional tem discussão mais ampla como pano de fundo, ressalta Renault:

— Pela Constituição Federal, essa cobrança deveria ser definida por uma Lei Complementar, mas que nunca foi editada. Outros estados já fazem a cobrança. Mas um questionamento de São Paulo levou a discussão ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Em julho de 2015, o STF anunciou que iria debater o tema por meio do Recurso Extraordinário 851.108, de relatoria do ministro Dias Toffoli. Nesse caso, o Estado de São Paulo questiona uma decisão do Tribunal de Justiça paulista negando incidência de ITCMD num processo com doador com bens na Itália. A decisão do Supremo vai definir se os estados poderão ou não recolher o tributo em casos similares. Ainda não há decisão final.

Fonte: O Globo

Data da Notícia: 13/03/2017 00:00:00

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