Receita Federal define tributação de honorários advocatícios em casos de parceria

Por Arthur Rosa — De São Paulo

A Receita Federal entendeu que as sociedades de advogados, em casos de parcerias com outras bancas, podem reconhecer como receita bruta, na apuração do Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins, apenas a parcela dos honorários que lhe couber, conforme estipulado em contrato. O valor repassado ao parceiro poderá ser desconsiderado, segundo o órgão, “desde que observadas as disposições da legislação tributária vigente e as normas estabelecidas pelo conselho profissional”.

O entendimento, contido na Solução de Consulta nº 161, editada recentemente pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), é um avanço, especialmente no ponto relativo ao IRPJ e CSLL no lucro presumido, segundo especialistas ouvidos pelo Valor. Porém, acrescentam, traz requisitos não previstos em lei ou que podem acabar inviabilizando o cumprimento da norma.

Na solução de consulta, a Receita destaca que a Lei nº 8.906, de 1994, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), valida, para fins tributários, a segregação de receitas por sociedades de advogados que atuem em regime de parceria. No entanto, de acordo com o órgão, a norma estabeleceria que essa atuação deve envolver o atendimento direto ao cliente por ambas as partes, “não sendo aplicável a situações em que uma das partes atua exclusivamente como contratada da outra, sem contato direto com o cliente”.

Para o advogado Breno de Paula, sócio do escritório Arquilau de Paula Advogados Associados, seria uma interpretação restritiva da lei, que só exige que as bancas “atuem em forma de parceria para o atendimento do cliente”. “Não é correto que a interpretação da lei restrinja o conteúdo e a natureza de como funciona uma parceria, que pode se dar de múltiplas formas, com múltiplas atribuições, que inclusive podem mudar de acordo com o tempo e com a necessidade do caso”, afirma.

O especialista cita ainda outro ponto que considera polêmico, o que exige que o contrato de parceria, com vários detalhes, seja “averbado à margem do registro da sociedade em cada Conselho Seccional da OAB”. A medida, com base em provimentos da OAB, diz ele, precisa ser revista pelo Conselho Federal “para adaptá-la à realidade da atividade e às múltiplas formas de parcerias”.

“As parcerias são estabelecidas entre as partes de múltiplas maneiras e não necessariamente com essas todas essas formalidades. A realidade que se impõe é que um simples texto ou áudio formaliza a parceria. Inclusive muitas vezes nem é necessário tratar previamente, já que a parceria é longeva. O ajuste pode se dar ao final, sendo formalizado, justamente, quando da entrega dos valores ao parceiro”, diz ele.

Outro ponto da solução de consulta questionado por especialistas é o que estabelece que “somente a parcela do IRRF proporcional aos honorários reconhecidos como receita bruta própria pela consulente poderá ser aproveitada para fins de dedução do IRPJ apurado com base no lucro presumido”. “Esse ponto é evidentemente incorreto, já que subtrai indevidamente tributo pago. Basta assegurar o crédito integral, já que o tributo devido nesta operação será integralmente adimplido por ambas as partes”, afirma Breno de Paula.

Presidente da OAB, Beto Simonetti diz, em nota enviada ao Valor, que a decisão da Receita é um avanço. Mas que, para que seja plenamente operacional, ainda é preciso aprimorar pontos práticos: a exigência de atendimento conjunto ao cliente, a burocracia na averbação de contratos e a regulamentação das notas fiscais para o fracionamento do IRRF.

Para que a decisão seja plenamente operacional, é preciso aprimorar pontos práticos”
— Beto Simonetti
“Ou seja, não há um empecilho que inviabilize a medida, mas ajustes necessários para que funcione de forma efetiva em todo o país. A entidade continuará trabalhando para que a regulamentação avance e para que essa realidade legislativa seja plenamente operacional e viável para os escritórios em todo o país, afirma Simonetti.

Para ele, a solução de consulta “reflete o avanço legislativo promovido no Estatuto da Advocacia, que passou a reconhecer as parcerias entre escritórios como um instrumento legítimo de organização da profissão”. “Em um mundo que exige cada vez mais especialização, sem perder de vista a confiança do cliente no advogado, a Receita Federal confirma que cada parceiro deve assumir a responsabilidade tributária pela sua parte nos honorários. Isso traz segurança jurídica, adequação à realidade do mercado e representa uma vitória importante para a advocacia e para a sociedade”, diz.

João Pedro Strambi, advogado tributarista do VBD Advogados, também destaca que o entendimento manifestado pela Receita Federal “estabelece uma diretriz mais clara para as sociedades de advogados, especialmente por reconhecer a validade do Estatuto da OAB para fins tributários”. Temas envolvendo modelos de repartição de receita, diz, “sempre geram dúvidas ao contribuinte e interpretações conflitantes”.

Ele lembra que a Receita já havia sinalizado nesse sentido quando disciplinou a exclusão dessas receitas da base de cálculo do PIS e da Cofins (regime cumulativo), conforme Instrução Normativa RFB nº 2264, publicada em abril de 2025. “Com a solução de consulta, fica esclarecido o tratamento que o Fisco considera correto também para o IRPJ e para CSLL, no caso das sociedades optantes pelo lucro presumido”, afirma ele, acrescentando, contudo, que a formalização e averbação do contrato de parceria junto à OAB é um ponto de atenção e que a restrição pode gerar novos questionamentos.

“A Receita faz menção a provimentos do Conselho Federal da OAB que não se relacionam diretamente com a questão tratada. O Provimento nº 204/2021, que efetivamente trata do assunto e também foi citado pelo Fisco, não faz nenhuma referência à necessidade de averbação, indicando que a repartição seria comprovada somente pela apresentação do contrato”, diz.

Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.

Por Valor

17/09/2025 00:00:00

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