Receita esclarece PIS e Cofins de securitizadoras de crédito
Por Luiza Calegari — De São Paulo
As securitizadoras de crédito que pagam PIS e Cofins pelo regime cumulativo podem deduzir, em meses subsequentes, as despesas que tenham ultrapassado as receitas em um determinado período de apuração. O entendimento é da Receita Federal e está na Solução de Consulta nº 99, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) – o que orienta toda a fiscalização.
Essas empresas atuam na aquisição de direitos creditórios, ou seja, de dívidas a receber de uma determinada empresa, convertendo-as em títulos que podem ser negociados no mercado de capitais. Assim, a empresa antecipa o recebimento desses recursos e os investidores são remunerados pelos juros dessas aplicações. Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e debêntures são os tipos mais comuns de títulos gerados pelas securitizadoras.
Conforme a Lei nº 9.718, de 2018, a atividade de captação de recursos para esse tipo de atividade pode ser deduzida da base de cálculo do PIS e da Cofins, que é auferida mensalmente. Por vezes, no entanto, o custo de captação é tão alto que pode superar a receita dessas empresas em um determinado mês.
Para as empresas que atuam no regime não cumulativo, a legislação autoriza expressamente a utilização dos créditos de PIS e Cofins em meses subsequentes quando há saldo credor em um determinado período. Por analogia, portanto, a Receita entende que a mesma possibilidade deve ser estendida também às empresas que atuam pelo regime cumulativo – quando o pagamento das contribuições sociais não gera créditos para que o elo subsequente da cadeia abata dos valores devidos sobre suas receitas.
Na prática, a securitizadora levanta recursos no mercado ao emitir títulos e usa esses recursos para comprar os créditos das empresas. Conforme os devedores pagam as dívidas, os investidores também são remunerados e a securitizadora lucra com a diferença entre a remuneração recebida das empresas e aquela paga aos investidores. O problema é que, às vezes, a seguradora precisa pagar os investidores antes de receber a remuneração.
Havia dúvida entre as empresas a respeito do que fazer com o PIS e Cofins nessa situação. A Receita, com essa solução de consulta, definiu que a securitizadora pode “guardar” esse resultado negativo e ir utilizado os referidos valores nos meses subsequentes, quando a base do PIS e da Cofins for positiva, evitando a perda dos saldos negativos, conforme explica Dante Zanotti, sócio tributarista do Lefosse.
Nesse sentido, ele afirma que o entendimento da solução de consulta é positivo, pois preenche uma lacuna que poderia gerar questionamento judicial posteriormente. “Isso dá, para o mercado, a segurança de que, se houver esses descasamentos temporais entre a receita e o gasto, o contribuinte fica protegido”, diz.
Para Fernanda Ogata, sócia do escritório ALS Advogados, a interpretação é coerente com os princípios da razoabilidade e da capacidade contributiva, mas também com a realidade da operação dessas empresas no dia a dia. “Apesar de o PIS e a Cofins serem apurados mensalmente, as operações das empresas não possuem duração de um mês. Seguem um fluxo contínuo”, explica.
Ela destaca apenas a ressalva feita pela Receita de que as deduções não constituem créditos. Dessa forma, não é possível restituir os tributos quitados anteriormente, seja por repetição de indébito, restituição, ressarcimento ou compensação.
“A possibilidade de deduzir a base de cálculo em momento posterior, no entanto, restringe-se ao propósito estabelecido pelo legislador. Dessa forma, por falta de previsão legal, não são gerados créditos tributários a serem compensados com os tributos a recolher”, diz a solução de consulta.
Segundo os especialistas, não havia controvérsia judicial nem administrativa relevante até a divulgação da solução de consulta pela Receita. O entendimento, assim, evita que uma dúvida comum entre os contribuintes venha a se tornar motivo de contencioso no futuro, apontam.
Por outro lado, ficou em aberto, com a resposta à consulta, qual é a situação do contribuinte quando acontecer a situação oposta à da hipótese: ou seja, quando a securitizadora tiver recebido o pagamento da empresa, mas só for repassar o valor dos investidores em um mês posterior, destaca Dante Zanotti.
“A solução de consulta dá a entender que não seria possível não recolher o PIS e Cofins no mês da apuração nessa situação, uma vez que deixa claro que o entendimento se aplica a períodos anteriores, mas não menciona os períodos posteriores”, afirma o tributarista.
Apesar de esse entendimento não ter aplicação automática para outros setores, ele traz uma sinalização positiva para outras instituições financeiras, como bancos, seguradoras, entidades de previdência complementar e de capitalização, dizem os especialistas.
O entendimento também está em linha com outra solução de consulta da Cosit, a de nº 150, de 2019, que permitia a dedução em mês posterior do valor relativo a vendas canceladas e devoluções de vendas para incorporadoras imobiliárias.
“A solução de consulta atual protege a securitizadora e, ao mesmo tempo, manifesta a posição da Receita em um tema que não se restringe às securitizadoras”, afirma Dante Zanotti.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.