PGFN volta atrás e restabelece acordo com empresa
Por Marcela Villar — De São Paulo
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) aceitou o recurso de uma empresa de embalagens e restabeleceu transação tributária que havia sido cancelada por não pagamento de duas das primeiras 12 parcelas, período conhecido como “pedágio”. O órgão rompeu o acordo individual de forma automática com o contribuinte após não constar no sistema a quitação das prestações. Não existia, porém, previsão legal para a anulação e tampouco constava na negociação firmada.
Segundo advogados, apenas nos editais de transação tributária mais recentes, que são por adesão, existe cláusula para rescindir o acordo se uma das parcelas do pedágio não é paga. Ou se três parcelas consecutivas ou alternadas não são adimplidas. Mas não há essa hipótese nem na Lei nº 13.988, de 2020, que criou as transações em âmbito federal, nem na Portaria nº 6.757, de 2022, que estabeleceu os acordos individuais. Ambas as normas regulavam a minuta da transação.
A negociação com a PGFN foi celebrada em novembro do ano passado. A dívida de R$ 45 milhões foi reduzida para R$ 12 milhões, permitindo uso de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL. Hoje, com correção monetária e Selic, já está em quase R$ 50 milhões. A empresa não pagou as parcelas referentes a setembro e outubro, por conta das enchentes no Rio Grande do Sul, o que gerou a o cancelamento.
Em recurso administrativo, alegou que nem a portaria da PGFN nem a lei que regula o tema tratam de cancelamento de transação em razão de inadimplemento de duas parcelas, apenas preveem hipóteses de rescisão. Já na transação firmada, haveria a rescisão apenas se não houvesse pagamento de três parcelas consecutivas ou alternadas e uma a duas parcelas ao fim do acordo.
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“Nas cláusulas do termo não há sanção específica para o inadimplemento de duas parcelas da entrada, não podendo a impugnante ser prejudicada por condição da qual não foi acordada e negociada pelas partes durante a negociação”, disse o contribuinte, na petição.
Argumentou ainda que “não pode sofrer sanção que extrapola os limites legais e o acordo celebrado entre as partes, sob pena de violação aos princípios da isonomia e da legalidade”. E que também não foi dado prazo para o contribuinte apresentar recurso, conforme previsto na portaria do órgão.
Citou ainda o princípio da economia processual, de forma a não utilizar o Judiciário para discutir a questão e evitar reiniciar o trabalho de nova proposta de transação individual. Em despacho, o procurador Eduardo Cadó Soares, da 4ª Região, afirmou não ter vislumbrado hipótese de rescisão e disse que considerou a boa-fé da devedora para restabelecer a transação.
A tributarista Jussandra Hickmann, do escritório Hickmann Advogados Associados, que atuou no caso, diz que a decisão da PGFN reforça a postura do órgão de evitar litigiosidade e buscar cooperação, mesmo após a celebração do acordo. “A PGFN está muito mais dialógica no trato com o contribuinte e primando pela eficiência na arrecadação e redução da litigiosidade”, afirma.
Jussandra confessa que nem mesmo ela esperava a decisão, pois a postura da PGFN é manter o cancelamento pelo não pagamento da entrada. Esse entendimento ecoa na jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), ao qual o contribuinte está vinculado. “Acho que litigar em razão de problemas da negociação vai de encontro ao espírito do instituto”, diz a advogada.
Em precedente da 2ª Turma, os desembargadores entenderam que o não pagamento do pedágio autoriza o cancelamento da transação, por ser um “requisito à sua formalização, conforme previsão da Portaria PGFN 14.402/2020”. “A obrigação descumprida pelo contribuinte, consistente no pagamento integral da entrada (ou pedágio), tem caráter essencial ao atingimento da própria formalização da transação, previsto pela normatização do programa, e impede o êxito da adesão”, diz a decisão (processo nº 5039212-37.2023.4.04.7000).
Segundo a advogada Andréa Mascitto, sócia do Pinheiro Neto Advogados e conselheira no Instituto Brasileiro de Arbitragem e Transação Tributária (IBATT), as condições de uma transação precisam ser bastante claras e a confirmação da adesão só ocorre com o pagamento das parcelas de entrada. “A entrada é o momento da confirmação da adesão e, a partir daí é que vale efetivamente o acordo”, diz.
Mas a legislação, acrescenta, era silente quanto a isso. “Foi nesse limbo que o caso entrou, porque não está escrito que o não pagamento de uma parcela de pedágio é causa de cancelamento. É causa de confirmação, mas não cancelamento.”
A jurisprudência, afirma a advogada, tem sido contrária aos contribuintes, mantendo o cancelamento da transação por descumprimento de qualquer condição. “A jurisprudência é bastante restrita, aplicando o sentido literal, mas, nesse caso, havia um limbo e não tinha a previsão no acordo específico.”
Em nota, a PGFN diz que, “diferentemente das transações por adesão, as individuais não trazem hipóteses de cancelamento, mas apenas de rescisão”. As causas de rescisão, acrescenta, estão previstas no artigo 69 da Portaria PGFN nº 6.757/2022, assim como na portaria ou edital da modalidade aplicada ao acordo.
Sobre o caso com a empresa de embalagens, acrescentou “não terem sido implementadas causas legais de rescisão do acordo, tornando-o ativo”. “O caso reflete procedimento normal e regular no relacionamento decorrente da celebração de um acordo que pode durar até 145 meses”, afirma.