O dilema não resolvido do sistema fiscal brasileiro
RODRIGO DA ROCHA LOURES
06/03/2008
Uma vez mais volta à tona o tema da reforma tributária. Há vários anos presente na agenda nacional, a proposta retorna agora com força redobrada como uma prioridade para favorecer o crescimento do Brasil, de forma sustentável, adaptando-se às exigências da economia globalizada.
Em períodos pré-eleitorais, mesmo de eleições municipais, o debate tributário ganha destaque. São comuns as promessas de um ansiado paraíso fiscal, com melhor qualidade nas relações entre fisco e contribuinte, carga tributária mais razoável e mais adequada utilização das receitas, sem desvios nos gastos públicos.
Todavia, temos toda razão em temer que a história se repita: antes das urnas, a promessa de que haverá até diminuição da carga tributária. Depois, sentimos no bolso aqueles sucessivos aumentos na tributação. Aliás, alguém já disse que, no Brasil, os governos ultimamente têm se vangloriado mais de bater recordes de arrecadação do que de prestar serviços públicos com qualidade.
Mas as intermináveis discussões sobre a reforma tributária têm provocado, quando menos, um efeito benéfico: maior consciência da sociedade sobre a sua importância e sobre os efeitos deletérios que o atual sistema de tributação gera sobre a economia do País e a vida do contribuinte.
O que não se admite é a retórica da redução da carga tributária acompanhada da prática de elevar os tributos. Acreditamos que é justamente por causa deste enviesado comportamento do poder público que a sociedade vem se organizando cada vez mais para exercer o seu direito de resistência civil.
Mas é importante estarmos conscientes de que não basta exigir uma carga tributária mais racional.
Uma questão pouco discutida e que deveria chamar mais a atenção da sociedade diz respeito aos gastos públicos, seu controle e o que chamamos de tributação paralela. De um lado, há a costumeira má aplicação das receitas tributárias, com escolhas equivocadas, por vezes até demagógicas, grandes desvios e usos impróprios do dinheiro público. De outro, por não termos o devido retorno em serviços públicos, além do tributo somos obrigados a pagar por educação, saúde, previdência e segurança, o que constitui uma autêntica tributação paralela.
Por esse e outros motivos, não basta falarmos apenas em reforma tributária. Deve ser buscada, com determinação, uma abrangente e adequada reforma fiscal, que contemple tanto as formas de arrecadar quanto as de gastar. Assim como a renegociação – sem dúvida difícil – do próprio pacto federativo. Na qual seja repensada a repartição de receitas tributárias e de tarefas entre as esferas de governo.
O tema é complexo e multifacetado, portanto precisa ser analisado com cautela e descortino, sem paixões ou interesses mesquinhos.
Para além destas nossas breves considerações, o leitor pode ter contato com uma visão mais ampla no livro “O Dilema Fiscal”, de autoria de três respeitados estudiosos, Fernando Rezende, Fabrício Oliveira e Érika Araújo. Publicado recentemente, em conjunto, pela FGV Editora e pela CNI, é um trabalho de fôlego, que vale a pena ler e reler. Demonstra-nos que não podemos pensar apenas em ficar remendando a toda hora o nosso sistema tributário, mas que o Brasil precisa, isto sim, de uma reforma ampla, bem pensada e devidamente negociada.
Trata-se de um precioso estudo. Ao mesmo tempo em que consegue realizar um profundo diagnóstico das mazelas fiscais brasileiras, aponta, com precisão cirúrgica, soluções a serem tomadas.
Para citar apenas um exemplo, o livro comenta que o atual sistema tributário gerou um efeito cremalheira, porquanto “cada aumento na arrecadação de contribuições sociais corresponde a um acréscimo das despesas de natureza obrigatória, o que implica a necessidade de um novo aumento de arrecadação para sustentar o superávit primário no nível desejado”. O círculo vicioso decorrente disto é a essência do dilema fiscal.
A partir daí, Rezende, Oliveira e Érika Araújo passam a realizar uma análise bastante profunda e crítica da nossa recente história fiscal e a propor um desatamento do nó fiscal amarrado em 1988. Vale a pena conferir. Como prefaciaram Armando Monteiro Neto e Jorge Gerdau Johannpeter, “o enfoque é inovador e, portanto, capaz de gerar grande polêmica”.
Presidenteda Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e presidente do Conselho de Política Industrial da CNI. Próximo artigo do autor em 27 de março)
06/03/2008
Uma vez mais volta à tona o tema da reforma tributária. Há vários anos presente na agenda nacional, a proposta retorna agora com força redobrada como uma prioridade para favorecer o crescimento do Brasil, de forma sustentável, adaptando-se às exigências da economia globalizada.
Em períodos pré-eleitorais, mesmo de eleições municipais, o debate tributário ganha destaque. São comuns as promessas de um ansiado paraíso fiscal, com melhor qualidade nas relações entre fisco e contribuinte, carga tributária mais razoável e mais adequada utilização das receitas, sem desvios nos gastos públicos.
Todavia, temos toda razão em temer que a história se repita: antes das urnas, a promessa de que haverá até diminuição da carga tributária. Depois, sentimos no bolso aqueles sucessivos aumentos na tributação. Aliás, alguém já disse que, no Brasil, os governos ultimamente têm se vangloriado mais de bater recordes de arrecadação do que de prestar serviços públicos com qualidade.
Mas as intermináveis discussões sobre a reforma tributária têm provocado, quando menos, um efeito benéfico: maior consciência da sociedade sobre a sua importância e sobre os efeitos deletérios que o atual sistema de tributação gera sobre a economia do País e a vida do contribuinte.
O que não se admite é a retórica da redução da carga tributária acompanhada da prática de elevar os tributos. Acreditamos que é justamente por causa deste enviesado comportamento do poder público que a sociedade vem se organizando cada vez mais para exercer o seu direito de resistência civil.
Mas é importante estarmos conscientes de que não basta exigir uma carga tributária mais racional.
Uma questão pouco discutida e que deveria chamar mais a atenção da sociedade diz respeito aos gastos públicos, seu controle e o que chamamos de tributação paralela. De um lado, há a costumeira má aplicação das receitas tributárias, com escolhas equivocadas, por vezes até demagógicas, grandes desvios e usos impróprios do dinheiro público. De outro, por não termos o devido retorno em serviços públicos, além do tributo somos obrigados a pagar por educação, saúde, previdência e segurança, o que constitui uma autêntica tributação paralela.
Por esse e outros motivos, não basta falarmos apenas em reforma tributária. Deve ser buscada, com determinação, uma abrangente e adequada reforma fiscal, que contemple tanto as formas de arrecadar quanto as de gastar. Assim como a renegociação – sem dúvida difícil – do próprio pacto federativo. Na qual seja repensada a repartição de receitas tributárias e de tarefas entre as esferas de governo.
O tema é complexo e multifacetado, portanto precisa ser analisado com cautela e descortino, sem paixões ou interesses mesquinhos.
Para além destas nossas breves considerações, o leitor pode ter contato com uma visão mais ampla no livro “O Dilema Fiscal”, de autoria de três respeitados estudiosos, Fernando Rezende, Fabrício Oliveira e Érika Araújo. Publicado recentemente, em conjunto, pela FGV Editora e pela CNI, é um trabalho de fôlego, que vale a pena ler e reler. Demonstra-nos que não podemos pensar apenas em ficar remendando a toda hora o nosso sistema tributário, mas que o Brasil precisa, isto sim, de uma reforma ampla, bem pensada e devidamente negociada.
Trata-se de um precioso estudo. Ao mesmo tempo em que consegue realizar um profundo diagnóstico das mazelas fiscais brasileiras, aponta, com precisão cirúrgica, soluções a serem tomadas.
Para citar apenas um exemplo, o livro comenta que o atual sistema tributário gerou um efeito cremalheira, porquanto “cada aumento na arrecadação de contribuições sociais corresponde a um acréscimo das despesas de natureza obrigatória, o que implica a necessidade de um novo aumento de arrecadação para sustentar o superávit primário no nível desejado”. O círculo vicioso decorrente disto é a essência do dilema fiscal.
A partir daí, Rezende, Oliveira e Érika Araújo passam a realizar uma análise bastante profunda e crítica da nossa recente história fiscal e a propor um desatamento do nó fiscal amarrado em 1988. Vale a pena conferir. Como prefaciaram Armando Monteiro Neto e Jorge Gerdau Johannpeter, “o enfoque é inovador e, portanto, capaz de gerar grande polêmica”.
Presidenteda Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e presidente do Conselho de Política Industrial da CNI. Próximo artigo do autor em 27 de março)