Guerra fiscal coloca reforma tributária em risco
O governo federal vai precisar de muita articulação com os estados se quiser obter consenso sobre o fim da guerra fiscal e dar um passo importante para ajustar o texto da emenda constitucional da reforma tributária, que deverá ser enviada ao Congresso Nacional no fim deste mês ou no início de setembro. No próximo dia 21, secretários estaduais de Fazenda têm nova reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para discutir a questão. A principal pauta do encontro será, mais uma vez, sobre ações para reduzir as distorções tributárias geradas pela guerra fiscal – prática em que estados e municípios atraem empresas e investimentos, oferecendo menor cobrança de imposto. Cada estado, ou região, chegará com uma proposta nada consensual sobre o tema. O Palácio do Planalto deve impor uma data-limite (6 de agosto) para a validação dos atuais benefícios fiscais.
De acordo com a Secretaria da Receita Federal do Brasil, todos os estados e o Distrito Federal registram aumento recorde de arrecadação no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2006. A despeito do bom desempenho dos fiscos estaduais, o presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis do Estado de São Paulo, José Maria Chapina Alcazar, não acredita no consenso entre os estados na busca de um fim à guerra fiscal. “No jogo econômico, ninguém quer abrir mão de interesses. Os estados sempre discutem como atrair novos negócios, mas em nenhum momento se escuta falar em redução de gastos públicos ou mais transparência ao contribuinte”, critica Chapina.
Os estados nordestinos traçaram suas reivindicações ao Confaz na última sexta-feira, durante encontro dos secretários estaduais de Fazenda. Os estados querem que os benefícios industriais, agroindustriais e portuários sejam garantidos até 2016. Além disso reivindicam participação de 97% no Fundo Nacional de Desenvolvimento, que deverá ser criado com a reforma tributária do governo federal. “Queremos o fim da guerra fiscal, mas é fundamental que ocorra um período de transição. Os benefícios já concedidos não podem acabar de uma hora para a outra”, afirma o secretário da Fazenda da Bahia, Carlos Martins.
Guerra fiscal velada
A prova do desencontro entre discurso e prática ocorre em Minas Gerais. Apesar de criticar duramente a guerra fiscal, o governador Aécio Neves usa como artifício o favorecimento fiscal para atrair e manter empresas no estado. A estratégia, conforme pregam correntes no governo, é usar as mesmas armas dos concorrentes. Disposto a transformar Minas Gerais no segundo maior produtor de álcool e açúcar do País, o governo mineiro mantém financiamentos superiores a R$ 100 milhões e fornece vários benefícios fiscais. O estado espera atrair investimentos de aproximadamente US$ 5 bilhões até 2010. Minas também estuda reduzir a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do álcool, de 25% para 12%, o mesmo valor cobrado em São Paulo. Essa redução vem sendo cobrada por empresas do Nordeste e de São Paulo, que têm a intenção de se transferir para o Triângulo Mineiro.
O Paraná, por sua vez, estuda uma modificação na política tributária. Na semana passada, o governo antecipou que pretende suspender incentivos fiscais a setores da construção civil e da panificação. O ICMS foi reduzido de 18% para 12% em vários itens da construção civil, e zerado nas operações de venda de trigo, de farinha de trigo e de misturas pré-preparadas. O governo avalia que o momento atual é favorável às empresas, especialmente à construção civil, que acumulam crescimento nas vendas superior a 20% nos últimos três meses. O governo paranaense pretende atender “outros setores da economia, cujo desempenho está abaixo do esperado”.
O Rio de Janeiro está mudando a sistemática de análise dos incentivos fiscais para incorporar metodologias que permitam avaliar criteriosamente os seus custos e mensurar o seu impacto na cadeia produtiva, de acordo com a secretaria Estadual da Fazenda. O Decreto 40.656/2007 determina que o Comitê de Desenvolvimento Econômico do Estado (Copof) será encarregado de gerir os incentivos. Será efetivada uma reforma tributária, através da qual as empresas com receita bruta anual de até R$ 400 mil ficarão isentas do ICMS. Com a dedução do valor de isenção da receita bruta, se estabelecerá um tratamento tributário mais adequado para as microempresas e incentivará ainda mais o crescimento da produção e a criação de postos de trabalho.
Teoria e prática
Na posição de principal alvo da guerra de interesses fiscais e de líder nacional em arrecadação, com quase R$ 90 bilhões em impostos recolhidos em 2007, o Estado de São Paulo não se pronuncia sobre o assunto. Segundo o consultor tributário Alberto Brumatti, da RSC Auditoria, a maior força econômica do País sofre mais com a perda de empresas dos setores automotivo e de vestuário. Nos últimos 15 anos, por exemplo, São Paulo viu 29% das montadoras de automóveis e indústrias de autopeças migrarem para outros estados. “Os empresários nos procuram para conhecer melhor a legislação complicada de cada estado e fazer um planejamento tributário para recolher seus impostos de forma mais racional e econômica”, explica Brumatti. O governo paulista se articula com outros estados para minimizar os impactos da guerra fiscal. Recentemente, São Paulo e Alagoas formalizaram a substituição do ICMS. Com isso, empresas paulistas que vendem produtos para Alagoas vão recolher antecipadamente o ICMS, e o fisco alagoano passará a receber diretamente do fornecedor da origem. A postura de empresas também conta. Segundo um consultor tributário ouvido pelo DCI, as Casas Bahia não fazem negócios com fornecedores beneficiados por incentivos.
Assim como em São Paulo, nos outros estados o discurso também leva a crer que a guerra fiscal é um mal que precisa ser cortado pela raiz. Mas na prática, os governos não pretendem abrir mão dos incentivos tão cedo.
“Os estados concedem incentivos que extrapolam os parâmetro da Lei. É preciso que todos os estados concordem com os benefícios. Dificilmente há consenso”, diz o especialista em direito tributário Tácio Lacerda Gama, do escritório Barros Carvalho.
Rio Grande do Sul
Na última semana, a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) protagonizou um caso de aproveitamento da política fiscal do Rio Grande do Sul. Há oito anos, a empresa mantém uma fábrica na cidade de Montenegro. Com o compromisso de investir cerca de R$ 1,2 milhão, a empresa receberá um crédito fiscal presumido de 62% do saldo devedor de ICMS de sua unidade local. O objetivo da CBC é transferir da matriz em São Paulo para a unidade do sul a produção de coletes à prova de balas. O diretor de finanças e Relações com Investidores da CBC, José Carlos Fernandez da Silva, não atribui somente aos incentivos a vinda da empresa para o estado. “Na época, o Rio Grande do Sul era o único estado brasileiro que tinha a caça liberada, além da proximidade com a Argentina, um dos nossos principais mercados. Mas os incentivos possibilitaram que investíssemos no aumento da linha de produção”, declarou o executivo. Mesmo assim, o governo gaúcho não vê muitos ganhos com a concessão indiscriminada de benefícios fiscais. “A sistemática baseada na guerra fiscal prejudica as receitas dos estados e exige das empresas um complexo sistema para o acompanhamento das regras que variam em todo o País”, diz o secretário estadual da Fazenda do Rio Grande do Sul, Aod Cunha. Para ele, as vantagens proporcionadas pelo estado às empresas dão prejuízos. O estado registra perda de receita de R$ 3 bilhões.
De acordo com a Secretaria da Receita Federal do Brasil, todos os estados e o Distrito Federal registram aumento recorde de arrecadação no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2006. A despeito do bom desempenho dos fiscos estaduais, o presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis do Estado de São Paulo, José Maria Chapina Alcazar, não acredita no consenso entre os estados na busca de um fim à guerra fiscal. “No jogo econômico, ninguém quer abrir mão de interesses. Os estados sempre discutem como atrair novos negócios, mas em nenhum momento se escuta falar em redução de gastos públicos ou mais transparência ao contribuinte”, critica Chapina.
Os estados nordestinos traçaram suas reivindicações ao Confaz na última sexta-feira, durante encontro dos secretários estaduais de Fazenda. Os estados querem que os benefícios industriais, agroindustriais e portuários sejam garantidos até 2016. Além disso reivindicam participação de 97% no Fundo Nacional de Desenvolvimento, que deverá ser criado com a reforma tributária do governo federal. “Queremos o fim da guerra fiscal, mas é fundamental que ocorra um período de transição. Os benefícios já concedidos não podem acabar de uma hora para a outra”, afirma o secretário da Fazenda da Bahia, Carlos Martins.
Guerra fiscal velada
A prova do desencontro entre discurso e prática ocorre em Minas Gerais. Apesar de criticar duramente a guerra fiscal, o governador Aécio Neves usa como artifício o favorecimento fiscal para atrair e manter empresas no estado. A estratégia, conforme pregam correntes no governo, é usar as mesmas armas dos concorrentes. Disposto a transformar Minas Gerais no segundo maior produtor de álcool e açúcar do País, o governo mineiro mantém financiamentos superiores a R$ 100 milhões e fornece vários benefícios fiscais. O estado espera atrair investimentos de aproximadamente US$ 5 bilhões até 2010. Minas também estuda reduzir a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do álcool, de 25% para 12%, o mesmo valor cobrado em São Paulo. Essa redução vem sendo cobrada por empresas do Nordeste e de São Paulo, que têm a intenção de se transferir para o Triângulo Mineiro.
O Paraná, por sua vez, estuda uma modificação na política tributária. Na semana passada, o governo antecipou que pretende suspender incentivos fiscais a setores da construção civil e da panificação. O ICMS foi reduzido de 18% para 12% em vários itens da construção civil, e zerado nas operações de venda de trigo, de farinha de trigo e de misturas pré-preparadas. O governo avalia que o momento atual é favorável às empresas, especialmente à construção civil, que acumulam crescimento nas vendas superior a 20% nos últimos três meses. O governo paranaense pretende atender “outros setores da economia, cujo desempenho está abaixo do esperado”.
O Rio de Janeiro está mudando a sistemática de análise dos incentivos fiscais para incorporar metodologias que permitam avaliar criteriosamente os seus custos e mensurar o seu impacto na cadeia produtiva, de acordo com a secretaria Estadual da Fazenda. O Decreto 40.656/2007 determina que o Comitê de Desenvolvimento Econômico do Estado (Copof) será encarregado de gerir os incentivos. Será efetivada uma reforma tributária, através da qual as empresas com receita bruta anual de até R$ 400 mil ficarão isentas do ICMS. Com a dedução do valor de isenção da receita bruta, se estabelecerá um tratamento tributário mais adequado para as microempresas e incentivará ainda mais o crescimento da produção e a criação de postos de trabalho.
Teoria e prática
Na posição de principal alvo da guerra de interesses fiscais e de líder nacional em arrecadação, com quase R$ 90 bilhões em impostos recolhidos em 2007, o Estado de São Paulo não se pronuncia sobre o assunto. Segundo o consultor tributário Alberto Brumatti, da RSC Auditoria, a maior força econômica do País sofre mais com a perda de empresas dos setores automotivo e de vestuário. Nos últimos 15 anos, por exemplo, São Paulo viu 29% das montadoras de automóveis e indústrias de autopeças migrarem para outros estados. “Os empresários nos procuram para conhecer melhor a legislação complicada de cada estado e fazer um planejamento tributário para recolher seus impostos de forma mais racional e econômica”, explica Brumatti. O governo paulista se articula com outros estados para minimizar os impactos da guerra fiscal. Recentemente, São Paulo e Alagoas formalizaram a substituição do ICMS. Com isso, empresas paulistas que vendem produtos para Alagoas vão recolher antecipadamente o ICMS, e o fisco alagoano passará a receber diretamente do fornecedor da origem. A postura de empresas também conta. Segundo um consultor tributário ouvido pelo DCI, as Casas Bahia não fazem negócios com fornecedores beneficiados por incentivos.
Assim como em São Paulo, nos outros estados o discurso também leva a crer que a guerra fiscal é um mal que precisa ser cortado pela raiz. Mas na prática, os governos não pretendem abrir mão dos incentivos tão cedo.
“Os estados concedem incentivos que extrapolam os parâmetro da Lei. É preciso que todos os estados concordem com os benefícios. Dificilmente há consenso”, diz o especialista em direito tributário Tácio Lacerda Gama, do escritório Barros Carvalho.
Rio Grande do Sul
Na última semana, a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) protagonizou um caso de aproveitamento da política fiscal do Rio Grande do Sul. Há oito anos, a empresa mantém uma fábrica na cidade de Montenegro. Com o compromisso de investir cerca de R$ 1,2 milhão, a empresa receberá um crédito fiscal presumido de 62% do saldo devedor de ICMS de sua unidade local. O objetivo da CBC é transferir da matriz em São Paulo para a unidade do sul a produção de coletes à prova de balas. O diretor de finanças e Relações com Investidores da CBC, José Carlos Fernandez da Silva, não atribui somente aos incentivos a vinda da empresa para o estado. “Na época, o Rio Grande do Sul era o único estado brasileiro que tinha a caça liberada, além da proximidade com a Argentina, um dos nossos principais mercados. Mas os incentivos possibilitaram que investíssemos no aumento da linha de produção”, declarou o executivo. Mesmo assim, o governo gaúcho não vê muitos ganhos com a concessão indiscriminada de benefícios fiscais. “A sistemática baseada na guerra fiscal prejudica as receitas dos estados e exige das empresas um complexo sistema para o acompanhamento das regras que variam em todo o País”, diz o secretário estadual da Fazenda do Rio Grande do Sul, Aod Cunha. Para ele, as vantagens proporcionadas pelo estado às empresas dão prejuízos. O estado registra perda de receita de R$ 3 bilhões.