Governo freia migração para a poupança

Luciane Medeiros

O projeto do governo federal que prevê a tributação do Imposto de Renda (IR) sobre as cadernetas de poupança acima de R$ 50 mil provocou temor e dúvidas entre poupadores e especialistas no assunto. Segundo a União, o objetivo da medida é impedir que, com a queda da taxa básica de juros, a Selic, a poupança se torne mais rentável que os fundos de investimento no País, provocando uma migração de recursos.
Estarão isentos os rendimentos de até R$ 250,00 por mês, o que corresponde ao ganho mensal de uma caderneta de poupança com saldo de R$ 50 mil. Com isso, nenhuma pessoa com valor inferior a esse aplicado na caderneta de poupança será tributada. As novas regras serão votadas pelo Congresso Nacional e, se aprovadas, entrarão em vigor a partir de 2010.
Alguns especialistas questionam a possibilidade de tributar as cadernetas. “A poupança é reposição patrimonial. Não é renda e portanto não é tributável. Por que pagar Imposto de Renda sobre ela?”, questiona o vice-presidente da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (Fesdt) Fábio Canazaro. Além da crise econômica mundial, ele lembra que esse é um momento de grande instabilidade legislativa. “Especula-se sobre mudanças que poderão ser implantadas, o que nem sempre ocorre. É preciso aguardar para ver se essas medidas serão realmente aprovadas no Congresso.
Para o professor da Pucrs e integrante da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul Alfredo Meneghetti Neto a aprovação do projeto também é incerta. O próximo ano é de período eleitoral. “Havendo pressão por parte da população, muitos deputados não terão interesse em ligar sua imagem a essas regras e votarão contra”, acredita. Se passar no Congresso, o projeto atingirá o principal produto utilizado pela família brasileira para aumentar seus recursos. “Alcançará também aposentados que guardaram suas economias por 30 anos”, exemplifica.
O vice-presidente do Sindicato dos Contabilistas de Porto Alegre (SCPA) Marcone Hahan de Souza lembra que há mais de 25 anos o governo não cobra IR sobre os rendimentos da caderneta de poupança. “Cobrar nesse momento seria um desestímulo aos poupadores”, acredita. O contador rebate o argumento do governo de que a aplicação é voltada aos pequenos poupadores e que esses estariam protegidos, enquanto os especuladores teriam que pagar IR. “Quem especula aposta em outras alternativas, não em caderneta de poupança.”
Souza teme que o valor anunciado de R$ 50 mil atinja outros pupadores que não apenas aqueles considerados grandes. Quem economizou para comprar a casa própria terá, ao longo do tempo, valor superior a R$ 50 mil na poupança. Essa pessoa seria considerada especuladora e teria que pagar IR, o que é um absurdo.


Ampliação das alíquotas do IR beneficiaram contribuinte

A criação de mais duas alíquotas na tabela do IR para pessoa físicas, uma de 7,5% e outra de 22,5% no final de 2008 foram duas boas medidas aplicada pelo governo federal. A mudança tende a reduzir o impacto do imposto sobre a renda dos contribuintes. A ideia, explica Fábio Canazaro, é reduzir o IR a recolher, principalmente para quem se encontra em faixas de rendimento mais baixas. Alguns estudos comprovam isso e mostram que a redução pode chegar a 52,51%.
A alteração é adequada pois se está, definitivamente, buscando uma justiça fiscal, mediante uma distribuição mais equânime da carga tributária. Até então, pessoas que tinham, em tese, um rendimento de, por exemplo, R$ 2 mil recolhiam a uma alíquota de 15%. Agora, irão tributar a uma alíquota de 7,5%. “A própria Constituição, desde 1988 – quando foi promulgada – traz a ideia de um IR progressivo; isto é, que observe um aumento nas alíquotas em face do aumento da base tributável.” Porém, até o momento, a progressividade era muito acanhada, vez que haviam apenas duas alíquotas.
Conforme Canazaro, não se pode comparar, em termos de carga, um cidadão que paga 27,5% de IR sobre R$ 4 mil com aquele que paga 27,5% de IR sobre R$ 25 mil. “Um tem capacidade diversa do outro e estudos demonstram que é injusto que ambos paguem pelo mesmo patamar. Aqui, o que aufere R$ 4 mil está, em termos globais, sendo muito mais onerado do que o outro.” O primeiro passo para resolver o problema foi dado com a criação de novas alíquotas.
Para ele, a redução do IPI deveria ser, – para brasileiros menos favorecidos, sobre os bens de primeira necessidade.


Medida é sinal de ganância arrecadatória

Embora o limite anunciado para a tributação das cadernetas de poupança hoje atinja grandes poupadores, em alguns anos o valor de R$ 50 mil pode abranger um número maior de pessoas. O alerta é do vice-presidente do Sindicato dos Contabilistas de Porto Alegre (SCPA), Marcone Hahan de Souza. “A quantia, atualmente um valor razoável, ao longo do tempo se tornará muito pequena. Com isso, um pequeno poupador estará sujeito ao IR sobre os rendimentos da poupança”, diz.
O governo costuma estabelecer valores que não são corrigidos desde 2001, como é o caso do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) que incentiva, para fins de Imposto de Renda Pessoa Jurídica, refeições de até R$ 2,49. “Isso não permite fazer uma refeição ou um lanche digno nos dias atuais.” Na opinião do contador, essa proposta de tributação deve ser barrada agora, pois após aprovada correrá o risco de ter seus valores atualizados pelo governo. “Ela demonstra mais uma vez a ganância tributária da União, o desejo de arrecadar mais. Para os brasileiros, sempre é bom ter poupança. Seja em momentos de crise, pois ela amenzina o impacto do desemprego ou da redução de ganhos, ou para ajudar a manter a inflação em níveis baixos.”
A integrante do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRC-RS) Tanha Schneider ressalta a segurança oferecida pelas cadernetas de poupança. Segundo ela, ainda é a forma mais segura de poupar, levando em conta as situações vividas no ano passado das perdas com aplicações em ações e fundos. “Para os pequenos, ainda é o meio mais garantido.” A contadora aconselha os pequenos poupadores a não migrarem para outras aplicações antes da votação da proposta, uma vez que podem ser feitas alterações ao texto proposto.
O contador Célio Levandovski explica que a tributação definitiva, se houver incidência do imposto, será na declaração de ajuste anual a ser entregue em abril de 2011. Só terão tributação os rendimentos mensais superiores a R$ 250,00 e utilizando uma tabela progressiva com redução da base de cálculo. “Se a taxa Selic for superior a 10,5% ao ano não haverá incidência do imposto. Só terá IRRF quem tiver valores aplicados acima de R$ 349.830,00 e se a taxa Selic for de 10% ao ano ou menor”, diz. Conforme Levandoviski, a medida não terá alteração para a maioria da população e deve afetar quem tem outros rendimentos tributáveis.


Consultor teme aumento da inadimplência

Um dos possíveis reflexos gerados pela tributação sobre as cadernetas de poupança acima de R$ 50 mil seria o estímulo ao consumo e o consequente da inadimplência. A análise é de Marcos Crivelaro, especialista em matemática financeira e consultor em finanças. Ele teme que os consumidores, achando que ao colocar seu dinheiro na caderneta de poupança terão os valores tributados, desistam de poupar e gastem, gerando maior consumo. “Esse tipo de atitude tirará o dinheiro para outros negócios, fazendo com que muitos gastem suas reservas, ficando sem recursos.”
Crivelaro diz que a decisão de tributar as cadernetas de poupança prejudica a principal vantagem dessa tradicional aplicação, a mais popular do País. A maioria da população opta pela caderneta de poupança como o primeiro passo para tornar-se um investidor. Qualquer mudança deve desestimular o brasileiro a poupar. Isso é ruim porque, segundo estudo elaborado pela Universidade de Oxford, apenas 24% dos brasileiros poupam pensando no futuro, quantidade inferior aos indianos (31%), mexicanos (34%) e americanos (66%) que se mostraram mais previdentes.
Nos patamares atuais da Selic, os tradicionais fundos DI que cobram taxas de administração acima de 2% ao ano já perdem da caderneta, diz o analista. Uma solução paliativa, sugere, será um corte temporário na tributação dos fundos de investimento, principalmente os fundos renda fixa e DI, que seriam taxados com a alíquota de 15%, independentemente do prazo, para que o ganho dessas aplicações continuem mais atrativos que os rendimentos das cadernetas. Atualmente, a tributação dos fundos ocorre da seguinte forma: 22,5% para aplicações de até seis meses; 20% para aplicações de seis meses a um ano; 17,5% de um a dois anos; e 15% acima de dois anos. Sem esse corte temporário, o Banco Central não conseguirá manter o processo de queda da Selic, atualmente de 10,25%.


Nova regra favorece instituições financeiras

Tributar o IR sobre as cadernetas de poupança compensa as perdas que as instituições financeiras sofrem através das taxas de administração nos últimos tempos. Segundo o professor da Pucrs Alfredo Meneghetti Neto, para reverter o cenário futuro de redução da taxa Selic, o ideal seria que as instituições financeiras reduzissem as taxas de administração. Assim elas manteriam os fundos de renda fixa atrativos e não tão perto dos rendimentos de cadernetas de poupança.
Enquanto na Europa existem 2,7 mil instituições financeiras e nos EUA 7,5 mil, o Brasil conta com apenas 157 organizações desse tipo. “Convivemos com uma concorrência deflagrada no setor no País, que extorque a família brasileira através das taxas de juros altas e do spread bancário.”
Algumas medidas criadas recentemente impõem uma pressão maior sobre o segmento. É o caso da aprovação do cadastro positivo, da uniformização das tarifas bancárias e da pretendida redução da taxa de juros. No caso do cadastro, os pagadores serão divididos em bons e maus, o que traz a possibilidade de surgir duas taxas de juros para a cobrança. Já a redução dos juros deverá diminuir o ganho dos bancos. Já a tributação sobre as cadernetas de poupança poderá atingir posteriormente depósitos de outros valores, o que demonstra um favorecimento aos bancos.

Fonte: Jornal do Comércio

Data da Notícia: 27/05/2009 00:00:00

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