Fórum vai debater Reforma Tributária no cenário de crise econômica
Em entrevista à DS/SP, o tributarista Ives Gandra Martins fala sobre o evento e sua posição quanto
à proposta que tramita no Congresso
Unafisco DS/SP – 9/2/2009
No dia 13 de março, será realizado em São Paulo o Fórum Nacional “Reforma Tributária e
Desenvolvimento no Cenário de Crise Econômica”, organizado pelo Centro de Expansão Universitária
(CEU) e pelo Departamento de Direito do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), com
apoio da Fecomercio. O fórum ocorrerá em um momento decisivo, pois a Reforma Tributária (PECs
233/08, 31/07 e 45/07 ) deve ser votada no plenário da Câmara em março.
Serão expositores o deputado Sandro Mabel, relator do projeto na Câmara; o ex-secretário da
Receita Federal Everardo Maciel; o tributarista Ives Gandra da Silva Martins; o secretário da Fazenda
do Estado de São Paulo, Mauro Ricardo Machado Costa; entre outros grandes especialistas em
matéria tributária. Depois das apresentações, haverá um debate.
De acordo com o Dr. Ives Gandra Martins, coordenador pedagógico do evento, “seria extremamente
importante a participação dos auditores-fiscais porque a discussão dos grandes temas tributários do
Brasil tem sido uma preocupação do Unafisco Sindical. Certamente, os auditores dariam uma
contribuição muito grande às conclusões do seminário, que serão levadas ao Congresso Nacional”.
Leia a seguir entrevista concedida à DS São Paulo pelo
Dr. Ives Gandra Martins em 27 de janeiro.
DS/SP – Quais os objetivos do Fórum Nacional “Reforma Tributária e Desenvolvimento no
Cenário de Crise Econômica”?
Dr. Ives Gandra Martins – A ideia é examinar basicamente três pontos. Em primeiro lugar, qual é
o efeito da crise econômica sobre o nível de arrecadação; os impactos da crise para os projetos do
governo que dependem fundamentalmente da arrecadação; o comportamento do contribuinte, que
está sofrendo os efeitos da crise e do desemprego; e se deveríamos utilizar os instrumentos
clássicos para equilibrar, de um lado, emprego, de outro lado, desenvolvimento, receita e
necessidades de Estado na crise econômica.
Dentro deste cenário, o elemento mais importante é a discussão da Reforma Tributária, que vai
recomeçar no mês de março. E traremos, inclusive, o relator do projeto, deputado Sandro Mabel
[PR-GO], e o principal crítico da Reforma Tributária, que é o ex-secretário da RF, Everardo Maciel.
Os dois estarão no mesmo painel, junto comigo, e nós vamos discutir, primeiro, a oportunidade da
reforma neste momento e qual o nível de reforma que podemos fazer sem que isso traga um
complicador maior no cenário em que estamos vivendo, em que o “doente” Brasil – não só o Brasil,
o mundo inteiro está numa UTI – está precisando de apoio governamental, redução de alíquotas,
financiamentos dados pelo BNDES, etc.
Vamos analisar se é o momento de realmente se fazer uma reforma em profundidade, que inclui a
criação de um novo imposto, o chamado IVA [Imposto sobre Valor Agregado] federal, e uma
reformulação do sistema do ICMS, de semidestino para quase inteiramente destino, o que vai trazer
problemas monumentais e reorganização fiscal de todos os estados. Então, o segundo ponto é
exatamente discutir a oportunidade da reforma neste momento.
E o terceiro ponto é discutir a própria reforma; se o projeto de Reforma Tributária que está se
apresentando é um projeto bom. Todos criticam o sistema que nós temos. Nesse sistema, a União
tem muito, quase 70% do bolo tributário, e os estados e municípios têm pouco. Mas vamos discutir
se realmente esse projeto, que pretende reequilibrar as fatias tributárias no País, atende à
necessidade de simplificação e de racionalidade.
Então, nós discutiremos a crise e o sistema atual; em segundo, a oportunidade de uma mudança; e
em terceiro, o projeto de Reforma Tributária e se haveria alternativas melhores ao projeto que aí
está.
DS/SP – E as reflexões resultantes do fórum serão encaminhadas ao Congresso?
Dr. Ives Gandra Martins – Sim, nós vamos gravar todas as palestras e fazer uma publicação, que
será encaminhada ao Congresso, e até, se houver possibilidade, com proposições tomadas ao fim do
seminário.
Todos os expositores possuem nome formado no campo do Direito Tributário e já tiveram uma
participação intensa em discussões. Por exemplo, Guilherme Afif, quando era presidente da
Associação Comercial, eu era presidente do Instituto dos Advogados. Nós discutimos na época do
presidente Sarney uma reformulação do Imposto de Renda, que terminou sendo aceita pelo
presidente, por meio das propostas que nós fizemos juntos, com o jornal “O Estado de S. Paulo”.
Clóvis Panzarini é um dos maiores entendedores do ICMS. Alcides Jorge Costa redigiu o Decreto-lei
406 [1968], aquele que deu, com a reforma tributária de 1965, o perfil do ISS e aquilo que
representaria o sistema do ICMS. Basta dizer que os governos dos estados pediram ao Alcides Jorge
Costa que ele redigisse o projeto de Lei Complementar 87 [1996]. Ele é, como eu, um dos últimos
sobreviventes do grupo que trabalhou na reforma em 1965.
DS/SP – Os expositores foram escolhidos a dedo…
Dr. Ives Gandra Martins – Foram escolhidos a dedo. Eu e Alcides Jorge Costa vamos trazer a
experiência da reforma de 1965 e um pouco da evolução do sistema durante todo esse período até
chegarmos à proposta de reformulação completa do sistema anterior. O sistema brasileiro tem
praticamente a mesma espinha dorsal da Emenda 18 de 1965. O ICMS, o IPI e o Imposto de Renda
têm o mesmo perfil. Houve, evidentemente, variantes em percentuais e regimes, mas o sistema é o
mesmo da emenda 18/65.
Agora está se pretendendo uma reformulação completa do sistema. Entendo ser muito importante
essa experiência de alguns que viveram aquela reforma. Eu, por exemplo, era muito amigo de
Aliomar Balieiro, que foi quem discutiu o Código Tributário Nacional na Câmara; foi o relator. Nós
conversávamos bastante sobre isso. Inclusive, na primeira ou segunda edição dos comentários
iniciais do Código Tributário Nacional, que foi o próprio Aliomar quem fez, ele cita minhas posições
em relação a aspectos do sistema tributário.
Estaremos juntos nós, os “velhos”, que trazemos um pouco da história do sistema tributário até
agora, e os “novos”, aqueles que estão fazendo a reforma. Eu creio que será uma discussão rica,
especialmente pelos nomes que foram escolhidos.
Clóvis Panzarini tem uma notável experiência em ICMS, que é o principal tributo do País. Eu tenho
conversado muito com Sandro Mabel que o pior problema do IVA é que, se analisarmos do ponto de
vista da racionalidade, busca o mesmo encampar Cofins, PIS e Salário Educação. O governo federal
disse: “vamos unificar os três para simplificar”. Ideia fantástica, mas por que não fazer isso por
medida provisória, por que mudar a Constituição e a natureza do tributo?
DS/SP – Então o senhor questiona ser uma PEC?
Dr. Ives Gandra Martins – Não precisaria de uma PEC porque se é para simplificar poder-se-ia
juntar o regime jurídico dos três em um só e aplicar-se de imediato. Mas eles estão criando um novo
imposto, que vai incidir da mesma forma que o IPI, o ICMS, o ISS. Então, o que eu tenho colocado é
o seguinte: não haveria uma maneira de fazer isso sem necessidade de mexer na Constituição, o
que traz problemas monumentais? Fazer a junção por meio de legislação ordinária, em que a própria
contestação que se possa fazer no Supremo, o Supremo se manifestará numa Ação Direta de
Inconstitucionalidade de imediato: ou será constitucional ou não será. Se o Supremo disser que é
constitucional, já se aplicará sem que ninguém mais discuta.
Quando se trata de uma PEC, temos um problema muito mais sério porque terá que se discutir toda
a legislação infraconstitucional que precisará ser feita a partir da PEC. Isso porque a emenda
constitucional só define competências; na emenda nós não temos projetos de lei complementar ou
lei ordinária. Então, entendo que a idéia de uma reforma é importante. Minha dificuldade é com esta
reforma como está, sem ter maiores esclarecimentos de projetos de legislação infraconstitucional, e
acho que nisso o debate será muito rico.
DS/SP – De uma maneira geral, qual a posição do senhor quanto ao projeto que está em
trâmite?
Dr. Ives Gandra Martins – Quanto ao projeto, eu sempre fui contrário, em relação ao ICMS, à
mudança por esse sistema porque nós poderíamos ter feito um controle mais fácil mantendo um
sistema misto, em que estado de origem e estado de destino, cada um recebesse sua parte, mas
eliminando-se, na própria legislação, a possibilidade da chamada nota turística, aquela em que a
mercadoria não sai, só a nota navega por este País. E não só em nível de penalidades mais fortes,
em nível de controles de Estado, de proibição. A própria legislação complementar teria que tratar
essa questão especificamente.
E para evitar a guerra fiscal eu só colocaria um dispositivo na Constituição. Foi isso que eu disse em
meus depoimentos, nas diversas vezes em que fui à audiência pública no Supremo. Em relação ao
ICMS não há incentivos fiscais. Eu posso oferecer incentivos fiscais no IPI? Posso porque o IPI é
federal, se eu conceder incentivos fiscais servirá para o Amazonas, para São Paulo, para o Rio de
Janeiro, para qualquer lugar. Como o ICMS é um imposto de vocação nacional, mas dirigido
regionalmente, não há possibilidade de haver incentivo fiscal porque, fatalmente, vai ter uma
repercussão em relação a outro estado, nas operações interestaduais.
Então, se houvesse um dispositivo dizendo que o ICMS não comporta incentivos fiscais, nós
terminaríamos com a guerra fiscal no País porque não haveria as notas turísticas. Mas cada vez que
eu expus isso na Câmara, os deputados diziam: “Nós não podemos abrir mão de dar incentivos”.
Eles não queriam acabar com a guerra fiscal. Mas bastaria um artigo dizendo que o ICMS não
comporta incentivos fiscais por ser um imposto de vocação nacional aplicado no Brasil inteiro mas
cobrado regionalmente e nós não teríamos mais guerra fiscal, ficaria um percentual para origem, um
percentual para destino e ganhariam os dois. Não se precisaria implantar um sistema complicado.
Eu vou continuar defendendo a tese, sabendo, entretanto, que os estados querem manter a guerra
fiscal. O próprio projeto vai constitucionalizar as inconstitucionalidades praticadas até agora, dando
um prazo de implantação que, a meu ver, será sempre prorrogado, como tem sido prorrogada a
Zona Franca de Manaus, etc.
Eu considero que a solução não é criar um sistema extremamente complexo, em que o estado de
origem cobra, manda o dinheiro para o estado de destino, o estado de destino recebe e se o estado
de destino tiver desconfianças pode fiscalizar o estado de origem. Uma empresa que hoje tem três
fiscalizações – uma federal, uma estadual e uma municipal – vai passar a ter uma federal, uma
municipal e 27 fiscalizações estaduais, se ela trabalhar com os 26 estados e o distrito federal, o que
poderá se tornar um inferno austral. Ela precisará ter departamentos especiais para atender todos
os dias fiscalizações do Brasil inteiro.
Outra questão é quem vai redigir essa lei. O Congresso vai redigir uma lei de princípios gerais,
depois o responsável será o Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária], por maioria. Ora, o
Confaz é que não tem conseguido inibir a guerra fiscal, como é que ele terá a responsabilidade de
redigir o regulamento geral para ser aplicado pelo Estado de São Paulo e pelo Amapá?
A minha dificuldade é entender como funcionará o fundo de equalização. Estados exportadores
líquidos, com esse projeto, vão perder receita. Então, São Paulo vai perder receita porque hoje ele
ganha, quando manda mercadoria, 7 ou 12% e vai passar a receber 2%. Mas São Paulo é que vai
ter que cobrar e mandar para o outro estado o ICMS. Então mesmo que ele receba dos outros um
percentual, como ele é um exportador líquido, perderá, enquanto que o importador líquido, aquele
que compra mais do que vende, ganhará.
O governo criou no projeto o fundo de equalização para compensar o estado que perder. Mas a
compensação custará dinheiro para o governo federal. De onde é que o governo tirará receita para
as suas próprias despesas e ainda para compensar os estados? Isso trará impacto tributário num
momento de crise.
Por isso eu digo que a oportunidade, o segundo ponto que será discutido no fórum, é elemento
importante. Como é que num momento em que o governo está abrindo mão de receita de um lado,
tentando incentivar de outro, ele vai poder compensar os estados perdedores tendo que ter uma
receita adicional além das receitas necessárias para suas próprias obrigações?
Eu poderia mudar a minha opinião se já tivéssemos os textos dos projetos de lei complementar e lei
ordinária, como aconteceu na emenda em que participei, a 18/65. Quando o governo mandou a
emenda 18/65, já se tinha em mãos o projeto do Código Tributário Nacional, que foi discutido na
década de 50 e no começo da década de 60. Então nós já sabíamos como o sistema iria funcionar.
Hoje eu não sei como o sistema funcionará. Há uma PEC, em que se discutem os princípios gerais,
mas não há nenhum texto de como vai funcionar o IVA e o ICMS. Não havendo textos, é muito difícil
opinar.
DS/SP – Isso seria regulamentado depois?
Dr. Ives Gandra Martins – Sim, o que eu acho um risco, uma carta em branco. Quando eu
participei das discussões de PECs a convite de deputados, senti perfeitamente que é muito difícil.
Um deputado de Pernambuco vai interessar pela receita de Pernambuco em relação ao ICMS, e
assim por diante.
Uma vez em que coloquei a proposta de eliminação de incentivos fiscais no ICMS, o deputado
Roberto Magalhães [DEM-PE], que é bom amigo meu e foi governador de Pernambuco, disse:
“professor Ives, o senhor sempre foi um defensor dos estados menos desenvolvidos, com mais
necessidades, agora está sendo contra que nós façamos nossas políticas regionais?” Disse-lhe que é
o texto constitucional que proíbe, os governadores dão incentivos que não poderiam dar.
Retrucou Roberto Magalhães: “se o governo federal não pensar em políticas regionais como havia no
passado, teremos que continuar solucionando os nossos problemas dessa forma”. Em parte ele tem
razão porque depois da Constituição de 1988 houve uma redução das políticas regionais por parte
do governo. Isso exige uma mudança, mas não uma mudança descumprindo a Constituição. Não
podemos por meio dos incentivos fiscais fazer nossas políticas regionais de desenvolvimento.
Há necessidade de termos conhecimento dos textos infraconstitucionais. Eu considero ser esta a
única forma de um projeto dessa complexidade poder ser discutido com maior racionalização e disse
isso a Bernardo Appy [ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e atual assessor
especial do presidente], já no primeiro dia em que estive com ele para discutir a matéria. Ele disse
que isso complicaria muito, porque poderiam aparecer resistências que não existem hoje. E eu
respondi que essas resistências serão muito mais complexas, muito mais complicadas, haverá
pressões e desilusões, se por acaso for aprovada uma PEC e depois os resultados não forem o
esperado.
Eu também disse ao Bernardo Appy que não vejo como não haver aumento de nível impositivo. De
onde a União tirará esse dinheiro? Não há possibilidade de haver um fundo de equalização e um
fundo de desenvolvimento sem ter que aumentar o nível de imposição, pois os estados que
ganharem ficarão muito felizes, mas os que perderem, como serão compensados? Eu posso mudar
completamente de opinião, mas para isso eu precisaria conhecer os textos dos anteprojetos de
legislação infraconstitucional.
Enfim, nós temos material mais do que suficiente para uma belíssima discussão no seminário. E
vamos dar um prazo maior de exposição para Sandro Mabel. No primeiro painel, Everardo Maciel e
eu vamos falar 30 minutos e Sandro, 40. Ele será o primeiro a falar, e nos debates, evidentemente,
contestará o que nós apresentarmos.
Nos debates, os inscritos também poderão expor suas dificuldades. Enfim, teremos esclarecimentos
sobre as nossas dúvidas. Porém, não estou convencido de que vamos equacionar as dúvidas. Eu
tenho a impressão de que com toda essa discussão nós vamos consideravelmente aumentar o nível
das dúvidas, mas considero isso positivo para a reflexão de deputados e senadores.
à proposta que tramita no Congresso
Unafisco DS/SP – 9/2/2009
No dia 13 de março, será realizado em São Paulo o Fórum Nacional “Reforma Tributária e
Desenvolvimento no Cenário de Crise Econômica”, organizado pelo Centro de Expansão Universitária
(CEU) e pelo Departamento de Direito do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), com
apoio da Fecomercio. O fórum ocorrerá em um momento decisivo, pois a Reforma Tributária (PECs
233/08, 31/07 e 45/07 ) deve ser votada no plenário da Câmara em março.
Serão expositores o deputado Sandro Mabel, relator do projeto na Câmara; o ex-secretário da
Receita Federal Everardo Maciel; o tributarista Ives Gandra da Silva Martins; o secretário da Fazenda
do Estado de São Paulo, Mauro Ricardo Machado Costa; entre outros grandes especialistas em
matéria tributária. Depois das apresentações, haverá um debate.
De acordo com o Dr. Ives Gandra Martins, coordenador pedagógico do evento, “seria extremamente
importante a participação dos auditores-fiscais porque a discussão dos grandes temas tributários do
Brasil tem sido uma preocupação do Unafisco Sindical. Certamente, os auditores dariam uma
contribuição muito grande às conclusões do seminário, que serão levadas ao Congresso Nacional”.
Leia a seguir entrevista concedida à DS São Paulo pelo
Dr. Ives Gandra Martins em 27 de janeiro.
DS/SP – Quais os objetivos do Fórum Nacional “Reforma Tributária e Desenvolvimento no
Cenário de Crise Econômica”?
Dr. Ives Gandra Martins – A ideia é examinar basicamente três pontos. Em primeiro lugar, qual é
o efeito da crise econômica sobre o nível de arrecadação; os impactos da crise para os projetos do
governo que dependem fundamentalmente da arrecadação; o comportamento do contribuinte, que
está sofrendo os efeitos da crise e do desemprego; e se deveríamos utilizar os instrumentos
clássicos para equilibrar, de um lado, emprego, de outro lado, desenvolvimento, receita e
necessidades de Estado na crise econômica.
Dentro deste cenário, o elemento mais importante é a discussão da Reforma Tributária, que vai
recomeçar no mês de março. E traremos, inclusive, o relator do projeto, deputado Sandro Mabel
[PR-GO], e o principal crítico da Reforma Tributária, que é o ex-secretário da RF, Everardo Maciel.
Os dois estarão no mesmo painel, junto comigo, e nós vamos discutir, primeiro, a oportunidade da
reforma neste momento e qual o nível de reforma que podemos fazer sem que isso traga um
complicador maior no cenário em que estamos vivendo, em que o “doente” Brasil – não só o Brasil,
o mundo inteiro está numa UTI – está precisando de apoio governamental, redução de alíquotas,
financiamentos dados pelo BNDES, etc.
Vamos analisar se é o momento de realmente se fazer uma reforma em profundidade, que inclui a
criação de um novo imposto, o chamado IVA [Imposto sobre Valor Agregado] federal, e uma
reformulação do sistema do ICMS, de semidestino para quase inteiramente destino, o que vai trazer
problemas monumentais e reorganização fiscal de todos os estados. Então, o segundo ponto é
exatamente discutir a oportunidade da reforma neste momento.
E o terceiro ponto é discutir a própria reforma; se o projeto de Reforma Tributária que está se
apresentando é um projeto bom. Todos criticam o sistema que nós temos. Nesse sistema, a União
tem muito, quase 70% do bolo tributário, e os estados e municípios têm pouco. Mas vamos discutir
se realmente esse projeto, que pretende reequilibrar as fatias tributárias no País, atende à
necessidade de simplificação e de racionalidade.
Então, nós discutiremos a crise e o sistema atual; em segundo, a oportunidade de uma mudança; e
em terceiro, o projeto de Reforma Tributária e se haveria alternativas melhores ao projeto que aí
está.
DS/SP – E as reflexões resultantes do fórum serão encaminhadas ao Congresso?
Dr. Ives Gandra Martins – Sim, nós vamos gravar todas as palestras e fazer uma publicação, que
será encaminhada ao Congresso, e até, se houver possibilidade, com proposições tomadas ao fim do
seminário.
Todos os expositores possuem nome formado no campo do Direito Tributário e já tiveram uma
participação intensa em discussões. Por exemplo, Guilherme Afif, quando era presidente da
Associação Comercial, eu era presidente do Instituto dos Advogados. Nós discutimos na época do
presidente Sarney uma reformulação do Imposto de Renda, que terminou sendo aceita pelo
presidente, por meio das propostas que nós fizemos juntos, com o jornal “O Estado de S. Paulo”.
Clóvis Panzarini é um dos maiores entendedores do ICMS. Alcides Jorge Costa redigiu o Decreto-lei
406 [1968], aquele que deu, com a reforma tributária de 1965, o perfil do ISS e aquilo que
representaria o sistema do ICMS. Basta dizer que os governos dos estados pediram ao Alcides Jorge
Costa que ele redigisse o projeto de Lei Complementar 87 [1996]. Ele é, como eu, um dos últimos
sobreviventes do grupo que trabalhou na reforma em 1965.
DS/SP – Os expositores foram escolhidos a dedo…
Dr. Ives Gandra Martins – Foram escolhidos a dedo. Eu e Alcides Jorge Costa vamos trazer a
experiência da reforma de 1965 e um pouco da evolução do sistema durante todo esse período até
chegarmos à proposta de reformulação completa do sistema anterior. O sistema brasileiro tem
praticamente a mesma espinha dorsal da Emenda 18 de 1965. O ICMS, o IPI e o Imposto de Renda
têm o mesmo perfil. Houve, evidentemente, variantes em percentuais e regimes, mas o sistema é o
mesmo da emenda 18/65.
Agora está se pretendendo uma reformulação completa do sistema. Entendo ser muito importante
essa experiência de alguns que viveram aquela reforma. Eu, por exemplo, era muito amigo de
Aliomar Balieiro, que foi quem discutiu o Código Tributário Nacional na Câmara; foi o relator. Nós
conversávamos bastante sobre isso. Inclusive, na primeira ou segunda edição dos comentários
iniciais do Código Tributário Nacional, que foi o próprio Aliomar quem fez, ele cita minhas posições
em relação a aspectos do sistema tributário.
Estaremos juntos nós, os “velhos”, que trazemos um pouco da história do sistema tributário até
agora, e os “novos”, aqueles que estão fazendo a reforma. Eu creio que será uma discussão rica,
especialmente pelos nomes que foram escolhidos.
Clóvis Panzarini tem uma notável experiência em ICMS, que é o principal tributo do País. Eu tenho
conversado muito com Sandro Mabel que o pior problema do IVA é que, se analisarmos do ponto de
vista da racionalidade, busca o mesmo encampar Cofins, PIS e Salário Educação. O governo federal
disse: “vamos unificar os três para simplificar”. Ideia fantástica, mas por que não fazer isso por
medida provisória, por que mudar a Constituição e a natureza do tributo?
DS/SP – Então o senhor questiona ser uma PEC?
Dr. Ives Gandra Martins – Não precisaria de uma PEC porque se é para simplificar poder-se-ia
juntar o regime jurídico dos três em um só e aplicar-se de imediato. Mas eles estão criando um novo
imposto, que vai incidir da mesma forma que o IPI, o ICMS, o ISS. Então, o que eu tenho colocado é
o seguinte: não haveria uma maneira de fazer isso sem necessidade de mexer na Constituição, o
que traz problemas monumentais? Fazer a junção por meio de legislação ordinária, em que a própria
contestação que se possa fazer no Supremo, o Supremo se manifestará numa Ação Direta de
Inconstitucionalidade de imediato: ou será constitucional ou não será. Se o Supremo disser que é
constitucional, já se aplicará sem que ninguém mais discuta.
Quando se trata de uma PEC, temos um problema muito mais sério porque terá que se discutir toda
a legislação infraconstitucional que precisará ser feita a partir da PEC. Isso porque a emenda
constitucional só define competências; na emenda nós não temos projetos de lei complementar ou
lei ordinária. Então, entendo que a idéia de uma reforma é importante. Minha dificuldade é com esta
reforma como está, sem ter maiores esclarecimentos de projetos de legislação infraconstitucional, e
acho que nisso o debate será muito rico.
DS/SP – De uma maneira geral, qual a posição do senhor quanto ao projeto que está em
trâmite?
Dr. Ives Gandra Martins – Quanto ao projeto, eu sempre fui contrário, em relação ao ICMS, à
mudança por esse sistema porque nós poderíamos ter feito um controle mais fácil mantendo um
sistema misto, em que estado de origem e estado de destino, cada um recebesse sua parte, mas
eliminando-se, na própria legislação, a possibilidade da chamada nota turística, aquela em que a
mercadoria não sai, só a nota navega por este País. E não só em nível de penalidades mais fortes,
em nível de controles de Estado, de proibição. A própria legislação complementar teria que tratar
essa questão especificamente.
E para evitar a guerra fiscal eu só colocaria um dispositivo na Constituição. Foi isso que eu disse em
meus depoimentos, nas diversas vezes em que fui à audiência pública no Supremo. Em relação ao
ICMS não há incentivos fiscais. Eu posso oferecer incentivos fiscais no IPI? Posso porque o IPI é
federal, se eu conceder incentivos fiscais servirá para o Amazonas, para São Paulo, para o Rio de
Janeiro, para qualquer lugar. Como o ICMS é um imposto de vocação nacional, mas dirigido
regionalmente, não há possibilidade de haver incentivo fiscal porque, fatalmente, vai ter uma
repercussão em relação a outro estado, nas operações interestaduais.
Então, se houvesse um dispositivo dizendo que o ICMS não comporta incentivos fiscais, nós
terminaríamos com a guerra fiscal no País porque não haveria as notas turísticas. Mas cada vez que
eu expus isso na Câmara, os deputados diziam: “Nós não podemos abrir mão de dar incentivos”.
Eles não queriam acabar com a guerra fiscal. Mas bastaria um artigo dizendo que o ICMS não
comporta incentivos fiscais por ser um imposto de vocação nacional aplicado no Brasil inteiro mas
cobrado regionalmente e nós não teríamos mais guerra fiscal, ficaria um percentual para origem, um
percentual para destino e ganhariam os dois. Não se precisaria implantar um sistema complicado.
Eu vou continuar defendendo a tese, sabendo, entretanto, que os estados querem manter a guerra
fiscal. O próprio projeto vai constitucionalizar as inconstitucionalidades praticadas até agora, dando
um prazo de implantação que, a meu ver, será sempre prorrogado, como tem sido prorrogada a
Zona Franca de Manaus, etc.
Eu considero que a solução não é criar um sistema extremamente complexo, em que o estado de
origem cobra, manda o dinheiro para o estado de destino, o estado de destino recebe e se o estado
de destino tiver desconfianças pode fiscalizar o estado de origem. Uma empresa que hoje tem três
fiscalizações – uma federal, uma estadual e uma municipal – vai passar a ter uma federal, uma
municipal e 27 fiscalizações estaduais, se ela trabalhar com os 26 estados e o distrito federal, o que
poderá se tornar um inferno austral. Ela precisará ter departamentos especiais para atender todos
os dias fiscalizações do Brasil inteiro.
Outra questão é quem vai redigir essa lei. O Congresso vai redigir uma lei de princípios gerais,
depois o responsável será o Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária], por maioria. Ora, o
Confaz é que não tem conseguido inibir a guerra fiscal, como é que ele terá a responsabilidade de
redigir o regulamento geral para ser aplicado pelo Estado de São Paulo e pelo Amapá?
A minha dificuldade é entender como funcionará o fundo de equalização. Estados exportadores
líquidos, com esse projeto, vão perder receita. Então, São Paulo vai perder receita porque hoje ele
ganha, quando manda mercadoria, 7 ou 12% e vai passar a receber 2%. Mas São Paulo é que vai
ter que cobrar e mandar para o outro estado o ICMS. Então mesmo que ele receba dos outros um
percentual, como ele é um exportador líquido, perderá, enquanto que o importador líquido, aquele
que compra mais do que vende, ganhará.
O governo criou no projeto o fundo de equalização para compensar o estado que perder. Mas a
compensação custará dinheiro para o governo federal. De onde é que o governo tirará receita para
as suas próprias despesas e ainda para compensar os estados? Isso trará impacto tributário num
momento de crise.
Por isso eu digo que a oportunidade, o segundo ponto que será discutido no fórum, é elemento
importante. Como é que num momento em que o governo está abrindo mão de receita de um lado,
tentando incentivar de outro, ele vai poder compensar os estados perdedores tendo que ter uma
receita adicional além das receitas necessárias para suas próprias obrigações?
Eu poderia mudar a minha opinião se já tivéssemos os textos dos projetos de lei complementar e lei
ordinária, como aconteceu na emenda em que participei, a 18/65. Quando o governo mandou a
emenda 18/65, já se tinha em mãos o projeto do Código Tributário Nacional, que foi discutido na
década de 50 e no começo da década de 60. Então nós já sabíamos como o sistema iria funcionar.
Hoje eu não sei como o sistema funcionará. Há uma PEC, em que se discutem os princípios gerais,
mas não há nenhum texto de como vai funcionar o IVA e o ICMS. Não havendo textos, é muito difícil
opinar.
DS/SP – Isso seria regulamentado depois?
Dr. Ives Gandra Martins – Sim, o que eu acho um risco, uma carta em branco. Quando eu
participei das discussões de PECs a convite de deputados, senti perfeitamente que é muito difícil.
Um deputado de Pernambuco vai interessar pela receita de Pernambuco em relação ao ICMS, e
assim por diante.
Uma vez em que coloquei a proposta de eliminação de incentivos fiscais no ICMS, o deputado
Roberto Magalhães [DEM-PE], que é bom amigo meu e foi governador de Pernambuco, disse:
“professor Ives, o senhor sempre foi um defensor dos estados menos desenvolvidos, com mais
necessidades, agora está sendo contra que nós façamos nossas políticas regionais?” Disse-lhe que é
o texto constitucional que proíbe, os governadores dão incentivos que não poderiam dar.
Retrucou Roberto Magalhães: “se o governo federal não pensar em políticas regionais como havia no
passado, teremos que continuar solucionando os nossos problemas dessa forma”. Em parte ele tem
razão porque depois da Constituição de 1988 houve uma redução das políticas regionais por parte
do governo. Isso exige uma mudança, mas não uma mudança descumprindo a Constituição. Não
podemos por meio dos incentivos fiscais fazer nossas políticas regionais de desenvolvimento.
Há necessidade de termos conhecimento dos textos infraconstitucionais. Eu considero ser esta a
única forma de um projeto dessa complexidade poder ser discutido com maior racionalização e disse
isso a Bernardo Appy [ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e atual assessor
especial do presidente], já no primeiro dia em que estive com ele para discutir a matéria. Ele disse
que isso complicaria muito, porque poderiam aparecer resistências que não existem hoje. E eu
respondi que essas resistências serão muito mais complexas, muito mais complicadas, haverá
pressões e desilusões, se por acaso for aprovada uma PEC e depois os resultados não forem o
esperado.
Eu também disse ao Bernardo Appy que não vejo como não haver aumento de nível impositivo. De
onde a União tirará esse dinheiro? Não há possibilidade de haver um fundo de equalização e um
fundo de desenvolvimento sem ter que aumentar o nível de imposição, pois os estados que
ganharem ficarão muito felizes, mas os que perderem, como serão compensados? Eu posso mudar
completamente de opinião, mas para isso eu precisaria conhecer os textos dos anteprojetos de
legislação infraconstitucional.
Enfim, nós temos material mais do que suficiente para uma belíssima discussão no seminário. E
vamos dar um prazo maior de exposição para Sandro Mabel. No primeiro painel, Everardo Maciel e
eu vamos falar 30 minutos e Sandro, 40. Ele será o primeiro a falar, e nos debates, evidentemente,
contestará o que nós apresentarmos.
Nos debates, os inscritos também poderão expor suas dificuldades. Enfim, teremos esclarecimentos
sobre as nossas dúvidas. Porém, não estou convencido de que vamos equacionar as dúvidas. Eu
tenho a impressão de que com toda essa discussão nós vamos consideravelmente aumentar o nível
das dúvidas, mas considero isso positivo para a reflexão de deputados e senadores.