Entidade assistencial deve reter IRRF em remessa ao exterior
Por Joice Bacelo — De São Paulo
Entidades assistenciais, mesmo beneficiadas por imunidade tributária, têm o dever de reter e pagar Imposto de Renda (IRRF) sobre juros remetidos ao exterior. Esse entendimento foi proferido ontem pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que uniformiza a posição a ser adotada nas turmas de direito público da Corte.
Os ministros analisaram um recurso envolvendo a Sociedade Vicente Pallotti, sem fins lucrativos. A entidade exerce atividade gráfica. Realizou a importação de máquinas e, em razão do alto valor dos equipamentos, optou pelo pagamento a prazo. Daí a incidência de juros e consequente envio desses valores ao exterior.
O placar fechou em seis a um, prevalecendo o voto da relatora, a ministra Regina Helena Costa, que classificou o dever de retenção e pagamento do imposto como uma obrigação acessória. “A imunidade, obviamente, só alcança a obrigação tributária principal”, afirmou ao votar.
Esse tema começou a ser julgado pelos ministros em setembro do ano passado e vinha, desde lá, rolando de voto-vista em voto-vista (EREsp 1480918).
A Sociedade Vicente Pallotti tentava, na Seção, reverter decisão da 2ª Turma da Corte, que já havia entendido pela tributação. O argumento, no processo, era de que entidades beneficentes que remetem valores ao exterior a título de juros teriam imunidade tributária e, por esse motivo, não poderiam ser cobradas pela Receita Federal.
No ano passado, quando as discussões foram abertas, Amanda Costa, advogada da entidade, enfatizou aos ministros do STJ que os equipamentos importados são indispensáveis para a atividade gráfica e os recursos gerados são convertidos integralmente na sociedade – que não distribui lucros, participações ou dividendos.
Já o procurador da Fazenda Nacional Sandro Soares afirmou, também em sustentação oral, que o contribuinte, nesse caso, é o destinatário do valor no exterior e que ele não é alcançado pela imunidade tributária.
Frisou, no entanto, ser possível reputar a obrigação de retenção e recolhimento do imposto a quem não é contribuinte, nesse caso, a entidade beneficente.
A ministra Regina Helena já havia se posicionado, no ano passado, pela obrigação de a entidade reter e pagar o tributo. Ontem, ela apresentou uma ratificação, confirmando o seu voto e esclarecendo alguns pontos que geraram divergência entre os demais ministros da 1ª Seção.
Para Regina Helena, o retentor de tributos é simples fonte pagadora. Não atua no lugar do contribuinte. “Se traduz no cumprimento de obrigação acessória a qual pode ser atribuída à entidade imune”, frisou a ministra, acrescentando que estava acolhendo integralmente o posicionamento da Fazenda Nacional sobre o tema.
Três ministros que participaram do julgamento – Gurgel de Faria, Benedito Gonçalves e Francisco Falcão – acompanharam integralmente o voto da relatora Regina Helena Costa.
Outros dois, o ministro Herman Benjamin, e a ministra Assusete Magalhães, concordaram com a conclusão da relatora do caso: a entidade, mesmo imune, deve reter e pagar o imposto. Mas por um caminho diferente do adotado pelos demais.
Eles haviam participado do julgamento da 2ª Turma que decidiu contra a entidade e repetiram a argumentação utilizada naquela ocasião. Para Herman Benjamin e Assusete Magalhães, a entidade que adquiriu o equipamento e está domiciliada no Brasil “é sujeito passivo tributário na condição de responsável tributário por substituição”.
Consideraram que o entendimento da ministra Regina Helena Costa, de que, nesse caso, a entidade atua como mero agente de retenção do tributo, poderia levar à conclusão diversa, ou seja, pela impossibilidade da cobrança.
A divergência de fundamentação gerou debate acalorado e tomou boa parte do tempo do julgamento na tarde de ontem. Para chegar à conclusão, frisou aos colegas a relatora, é preciso definir a natureza jurídica da figura do retentor.
“Não quer dizer que o retentor não tem responsabilidade. Nunca se disse isso. Mas ele não é responsável por substituição, uma figura diferente, que tem uma porção de outros reflexos. Então, para ser coerente, se adotar entendimento pela responsabilidade tributária por substituição, tem que concluir com o ministro Mauro”, acrescentou Regina Helena durante as discussões.
O ministro Mauro Campbell Marques, a quem a relatora se referiu, foi o único a votar contra a possibilidade de entidades imunes serem obrigadas a reter e pagar o imposto. “Dá maior efetividade à imunidade constitucional que lhe foi conferida”, ele disse ao defender o seu ponto de vista. “Com a tributação, o custo do financiamento para a entidade imune irá aumentar”, concluiu.