Disputas bilionárias

Ao mesmo tempo em que os acionistas da Vale precisam estar atentos neste ano ao desempenho econômico da China, principal país comprador dos produtos da mineradora, é importante também que acompanhem o movimento nos tribunais de Justiça brasileiros.

Sem alarde, em meados de 2011 a mineradora elevou de R$ 9,6 bilhões para R$ 40,7 bilhões a estimativa de perdas “possíveis” em processos judiciais e administrativos, para os quais não existe provisão – que equivale a uma reserva já separada no balanço para eventuais derrotas nas disputas.

Mas a Vale não está sozinha. As dez maiores empresas brasileiras de capital aberto – incluindo a mineradora – estavam envolvidas em processos classificados como de perda possível no valor de R$ 134,4 bilhões em setembro, com alta de 59% sobre o divulgado em dezembro de 2010, de R$ 84,4 bilhões. O valor corresponde a 16% do patrimônio dessas empresas. No caso da Vale, os R$ 40,7 bilhões equivalem a 28% do patrimônio e a mais do que o lucro em 12 meses até setembro, de R$ 39,5 bilhões, o segundo maior da história.

Adicionalmente, as mesmas dez empresas eram parte de processos com perdas consideradas “prováveis”, essas com provisões já separadas no balanço, no montante de R$ 55,5 bilhões em setembro, pouco acima dos R$ 51,4 bilhões do fim do ano retrasado.

Os contadores costumam fazer uma piada e dizer que as únicas partes realmente objetivas de um balanço são o nome da empresa, a data e o saldo de caixa. Se isso é verdade, também se pode dizer que a parte ligada a provisões e passivos contingentes é, provavelmente, a mais subjetiva.

Cabe a cada companhia fazer a avaliação sobre o andamento de seus processos, ainda que seja importante observar a jurisprudência em casos semelhantes.

Para fazer a avaliação, a empresa pode contar ou não com a assessoria de advogados externos, sendo que em alguns casos o auditor pode exigir um parecer desses assessores legais.

Angelo Caldeira Ribeiro, sócio da área de contenciosos do escritório de advocacia Levy & Salomão, diz que a regra contábil ligada a esses casos é o CPC 25, que trata de provisões, passivos contingentes e ativos contingentes.

Quando há uma disputa sobre o pagamento de um valor a regra prevês três classificações. A perda deve ser considerada “provável” quando a chance de haver um desembolso para pagar o montante é maior do que a probabilidade de ele não ocorrer.

Nesse caso, se a empresa consegue estimar o valor que espera ter que honrar, ela é obrigada a fazer uma provisão, registrando uma despesa no seu balanço (mesmo que não tenha que desembolsar caixa até que o caso seja efetivamente julgado).

Se a avaliação é a oposta – de que o risco de ter que pagar é menor que a probabilidade de não precisar assumir o compromisso -, a empresa classifica a perda como “possível” e é obrigada apenas a divulgar o valor da disputa em notas explicativas, sem provisão.

A terceira classificação é a de perda “remota”. Nesses casos, a companhia sequer precisa divulgar a natureza da disputa ou o valor que é questionado.

Além do julgamento que se faz sobre essa classificação, existe subjetividade a respeito do momento em que se deve mudar a avaliação de risco de um processo.

A discussão sobre quando deve ser feita ou não uma provisão para perda está ligada ao regime de competência da contabilidade, que exige que os eventos sejam registrados no balanço no momento em que eles ocorrem, independentemente de quando existe uma transação financeira.

Ao deixar de fazer uma provisão para um caso em que a perda é provável, a empresa pode beneficiar sua base de acionistas atual, enquanto pune os investidores do futuro, que terão que amargar uma despesa que já podia ser prevista no passado.

Mas um especialista em contabilidade ouvido pelo Valor destaca que, embora muitas vezes pareça que o correto é que a empresa seja conservadora e faça mais provisões, para não pegar os acionistas de surpresa, isso nem sempre é verdade.

Ele lembrou de um caso recente envolvendo o banco Santander, que havia sido autuado em R$ 3,95 bilhões pelo Fisco, em um caso envolvendo a constituição de ágio na aquisição do Banespa.

O banco ganhou uma disputa na esfera administrativa e, por ora, não terá que pagar esse valor. Se tivesse feito a provisão antes, teria punido seus acionistas no passado e, ao reverter o lucro agora, beneficiaria os atuais.

No caso da Vale, o reconhecimento de que as perdas possíveis cresceram não significa que ela terá que desembolsar essa bolada agora, mas que, se aumentar ainda mais a chance de derrota na Justiça, a mineradora pode registrar um prejuízo multibilionário.

Em nota, a Vale disse que “segue com rigor as regras contábeis que determinam o provisionamento de passivos”. “No caso citado, nossos advogados externos consideram que temos forte embasamento jurídico para não fazermos a provisão para perdas.”


Caso da Vale envolve IR sobre lucro no exterior
De São Paulo

Se o diabo está nos detalhes, no mundo da contabilidade esses detalhes são dezenas de páginas de notas explicativas que acompanham os balanços – e que muitas vezes passam despercebidas pelos investidores.

No calhamaço de 76 páginas referente aos dados do segundo trimestre de 2011, a Vale diz, na página 39, que a elevação das perdas possíveis em processos judiciais e administrativos “reflete a mudança do prognóstico de autuações pela autoridade fazendária brasileira” a respeito da incidência de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) no ganho de controladas e coligadas no exterior, prevista no artigo 74 da Medida Provisória 2.158.

A companhia disse que, com base “em jurisprudências e estudos sobre a matéria, os consultores jurídicos [da companhia] alteraram a probabilidade de perda remota para possível”.

O caso ganhou as páginas dos jornais no fim de novembro, depois que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional disse que a Vale poderia ter que pagar R$ 25 bilhões por conta desse processo.

Entre as dez maiores empresas por valor de mercado, outras quatro também informam disputa sobre cobrança de IR e CSLL sobre lucro no exterior. São elas: Petrobras (R$ 1,97 bilhão), Ambev (R$ 2,3 bilhões), Itaú (R$ 483 milhões) e BRF Brasil Foods (R$ 164 milhões).

Com exceção da Vale, as demais empresas não financeiras da amostra já classificavam como “possível” a perda nesses processos em dezembro de 2010.

Em setembro, a Ambev reduziu a estimativa de perda possível nesse caso em R$ 700 milhões (em dezembro, ela era de R$ 3 bilhões) após ter obtido uma decisão favorável no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), para a qual não cabe recurso.

Já o Itaú é o único do grupo a ter provisão constituída para essa causa, por tratar a cobrança como uma obrigação legal. Pela regra do Banco Central, se existe uma lei exigindo o pagamento de um tributo, mesmo que o banco considere que a chance de ganhar uma disputa judicial contra a cobrança é praticamente certa, ele é obrigado a registrar a despesa referente a esse pagamento.

No caso da Vale, a própria companhia havia divulgado, em fato relevante no fim de março, que teve uma decisão desfavorável sobre a matéria no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Em novembro foi publicado o acórdão sobre a referida decisão, sendo que a Vale alegou que o tema ainda será discutido no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em agosto, o STF tratou de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) a respeito dessa cobrança. Houve um racha no plenário, com cinco ministros votando para cada lado, mas com um voto favorável a mais para a Fazenda em relação à cobrança de IR e CSLL sobre lucro de controladas (mas não de coligadas). Falta a manifestação do ministro Joaquim Barbosa, que, segundo o Valor apurou, terminou seu voto em dezembro, o que permite a retomada do julgamento em fevereiro.

“Mas seja qual for o resultado, ele não vai servir de base para solucionar todas as ações que tramitam sobre o tema, tanto no Judiciário como no Carf”, diz Rodrigo Leporace Farret, advogado do Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados.

Segundo ele, os próprios ministros do STF já sinalizaram que o julgamento da Adin não esgota o tema. Uma das questões específicas que devem ser examinadas, diz ele, é se os negócios envolvem ou não paraísos fiscais e também se existe acordo internacional contra bitributação. “Essas questões mais minuciosas, que aparentemente são detalhes, é que dão os contornos dos casos.” (FT)


Financeiras têm provisões maiores
Por De São Paulo

A análise das provisões e passivos contingentes das empresas pode revelar um pouco sobre o perfil de cada companhia.

No Bradesco, 97,4% dos valores cobrados em processos são considerados de perda provável, para os quais há provisão. No caso do Itaú e do Santander, esse índice fica pouco acima de 70%, caindo para 48% no Banco do Brasil.

Nas empresas não financeiras, que têm regras menos rígidas sobre o tratamento de obrigações legais, a proporção se inverte. Petrobras, Vale, Ambev e Telefônica Brasil constituem provisão para menos de 10% dos processos em que são parte. A BRF tem índice próximo de 20% e a Souza Cruz, de 28%.

Maior empresa do país, a Petrobras também é a líder em contenciosos e acumulava, em setembro, um total de R$ 51,3 bilhões em perdas possíveis em processos. As perdas com provisão constituída somavam apenas R$ 1,3 bilhão.

O Itaú disse que as informações sobre as regras de provisionamento e suas justificativas estão nas notas de seu demonstrativo financeiro. O Bradesco seguiu na mesma linha e afirmou que “todas as considerações com relação ao tema provisões encontram-se nos balanços do banco” e que os “critérios adotados estão aderentes às regulamentações da CVM”.

O Banco do Brasil, que foi questionado sobre o aumento de 42% nas perdas possíveis entre dezembro e setembro, disse que a alta se explica por uma combinação de atualização monetária e recálculo dos valores, reclassificação do risco processual de ações existentes, ingresso de novas ações e registro dos andamentos normais dos processos.

O Santander foi questionado sobre um caso de perda possível, em que o Tribunal Superior do Trabalho tomou decisão desfavorável ao banco, a respeito do pagamento de gratificações a empregados do Banespa. O banco não divulga o valor da causa (estimada pela parte contrária em mais de R$ 2 bilhões), com o argumento de que isso pode afetar o andamento do processo. Em nota, o Santander repetiu a política que divulga no balanço sobre contingências trabalhistas e acrescentou que essa regra “também é aplicável para essa ação”.

A Ambev afirmou que segue a norma contábil e repetiu a explicação dada no balanço do terceiro trimestre sobre a redução de estimativa de perda possível no caso da cobrança de IR e CSLL sobre lucro de subsidiárias no exterior.

Petrobras, Telefônica e Souza Cruz não quiseram comentar sobre suas políticas e a BRF Brasil não respondeu. (FT)

Fernando Torres
De São Paulo

Fonte: Valor Econômico

Data da Notícia: 11/01/2012 00:00:00

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