Contribuintes passam a vencer teses no Carf
Por Beatriz Olivon — De Brasília
Os contribuintes passaram a vencer, com maioria de votos, duas importantes teses na Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Uma questiona a trava de 30% para uso de prejuízo fiscal em compensação tributária para casos de extinção de empresa. A outra busca a equiparação das subvenções de custeio às subvenções de investimento – ambos benefícios fiscais -, o que afastaria a tributação.
Essas questões foram julgadas recentemente pela 1ª Turma e o voto do novo presidente do Carf, Carlos Henrique de Oliveira, representante da Fazenda, contou para a vitória. Até então, os contribuintes vinham vencendo as disputas por meio do novo voto de desempate – favorável a eles.
O processo sobre a trava de 30% é da AES. O grupo do setor de energia foi autuado por compensação indevida de prejuízo fiscal por empresa posteriormente incorporada em reorganização societária. Na autuação, a Receita Federal afirma que, com as deduções a que o contribuinte teria direito, o valor a ser compensado no cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) seria de R$ 390 mil, e não de R$ 20 milhões (processo nº 19515.005446/2009-03).
Para a Receita Federal, a compensação de Imposto de Renda com prejuízo fiscal é um benefício tributário, que deve ser aproveitado dentro dos limites estritos da lei. Por isso, entende que não é possível afastar a trava de 30% mesmo no caso de empresa a ser incorporada
Em sustentação oral, o advogado da empresa, Leandro Bettini, do Mattos Filho, afirmou que a tese é antiga no Carf e o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que deve ser respeitado o limite de 30%, mas de forma geral, sem detalhar se incluiria casos de extinção de empresa.
Entre 2001 e 2008, lembrou o advogado, o Carf decidiu de forma favorável ao contribuinte. O entendimento mudou, segundo ele, em 2009 pelo voto de qualidade, o desempate pelo presidente da turma, representante da Fazenda. E a partir de 2020, acrescentou, as empresas voltaram a vencer, com o desempate a favor do contribuinte.
Prevaleceu no julgamento o voto do relator, o conselheiro Alexandre Evaristo, representante dos contribuintes. Ele disse que a limitação de 30% na compensação de prejuízo fiscal tem como pressuposto a continuidade da entidade. Quando a empresa é extinta, acrescentou, não haverá continuidade e, por isso, não faria sentido manter a trava. Ainda de acordo com ele, no julgamento do STF, vários ministros fizeram ressalvas de que não estavam tratando de casos de incorporação de empresa.
Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), esse foi o primeiro julgamento favorável à tese dos contribuintes por maioria de votos, já que desde 2009 o tema vinha sendo decidido por meio de desempate. O órgão alega que a compensação de prejuízos fiscais é um benefício fiscal concedido pelo legislador e que a lei não prevê exceções para a aplicação da trava.
Ainda segundo a Fazenda, seu entendimento foi acolhido nas duas turmas da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “A tese dos contribuintes, por sua vez, incentiva a realização de planejamentos tributários com a incorporação artificial de empresas deficitárias, para redução indevida do IRPJ e CSLL”, afirma em nota.
De acordo com Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi, essa decisão é importante por reforçar que o julgamento no Supremo não tratou da trava para casos de extinção de empresas. “O que reforça a necessidade de o Judiciário revisitar a tese. O precedente estava sendo aplicado de forma irrestrita, sem nenhum tipo de análise”, diz.
No caso da subvenção para investimento, os conselheiros analisaram autuação da N Claudino & Cia. A Receita cobrava IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, referentes aos anos de 2011 e 2012. O órgão considerou que os valores de crédito presumido de ICMS, concedidos pela legislação do Estado da Paraíba e tratados como subvenção de investimento, deveriam ser tributados (processo nº 10480.725593/2015-11).
Venceu o voto do relator, conselheiro Alexandre Evaristo Pinto. De acordo com ele, o parágrafo 4º do artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014, equiparou as consequências jurídicas (não tributação) das subvenções de investimento às subvenções de custeio, sem que exista necessidade de implantação ou estímulo de novos empreendimentos.
O voto foi seguido pelos demais representantes dos contribuintes e pelo presidente do Carf. Segundo advogados, foi a primeira manifestação dele sobre a tese. Em maio, com outra composição, um contribuinte já havia conseguido maioria favorável (processo nº 13971.722024/2014-91).
De acordo com Gisele Bossa, sócia do Demarest e ex-conselheira do Carf, o tratamento dado pelo Carf à subvenção para investimento costuma ser mais restritivo, apesar de a Lei Complementar nº 160, de 2017, ter sido categórica no sentido de que todos os benefícios fiscais ou financeiros concedidos por Estados e pelo Distrito Federal deveriam ser considerados subvenção para investimento, independente do critério de eventual contrapartida.
Em nota, a PGFN afirma que vai aguardar a publicação dos acórdãos para decidir se vai recorrer. O órgão destaca que os julgamentos referentes a subvenções para investimento costumam variar conforme as provas de cada caso.