Carf deve bater recorde em 2024 e estima julgar meio trilhão de reais no próximo ano
Por Guilherme Pimenta e Lu Aiko Otta — De Brasília
O presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Carlos Higino Ribeiro de Alencar, estima que o órgão recursal da Receita Federal vai julgar meio trilhão de reais em créditos tributários em 2025, ano em que a arrecadação com julgamentos do tribunal continua relevante para o cumprimento da meta de resultado primário de déficit zero, estabelecida pela equipe econômica. Para acelerar os julgamentos, o Carf vai fazer uso de inteligência artificial.
O montante previsto para 2025, apesar de expressivo, será menor que o deste ano, em razão de uma boa redução no estoque do tribunal administrativo. Essa diminuição, segundo destacou Higino em entrevista exclusiva ao Valor, é reflexo do recorde a ser alcançado no fechamento de 2024: mais de R$ 800 bilhões em créditos tributários julgados.
Auditor fiscal, Higino foi ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) no governo Dilma Rousseff (PT) e assumiu a presidência do Carf no início de 2023, indicado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Neste ano, porém, houve uma frustração de receitas a partir de julgamentos do Carf. No Orçamento, a equipe econômica previa que arrecadaria R$ 54,7 bilhões e até chegou a elevar esse valor para R$ 55,6 bilhões com o restabelecimento, no ano passado, do voto de qualidade – o desempate feito pelo presidente da turma julgadora, que é representante da Fazenda – e o fim da greve dos auditores fiscais da Receita Federal.
Durante o exercício de 2024, no entanto, essa arrecadação não se concretizou, o que gerou reiteradas críticas de especialistas e até alertas do Tribunal de Contas da União (TCU). Somente no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias de setembro, a Fazenda derrubou a previsão da arrecadação a partir dos julgados no órgão, que foi para R$ 847 milhões. Procurada, a Receita Federal não comentou quanto arrecadou com o Carf até dezembro.
Apesar do fracasso neste ano, a pasta ainda aguarda arrecadar R$ 28,5 bilhões em 2025 a partir dos julgados no Carf, segundo incluiu no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) do próximo ano.
A meta de resultado primário para 2025 permanece de déficit zero e o governo federal já oficializou que, ao contrário deste ano, quer, durante a execução orçamentária, mirar o centro da meta, não o limite inferior da banda de tolerância, que permite uma variação negativa de até 0,25 ponto percentual do PIB, o que vai elevar ainda mais o desafio fiscal do governo Lula.
Na avaliação de Higino, é possível que, em 2025, o governo passe a arrecadar mais fortemente por meio do Carf, já que o fluxo de julgamentos disparou este ano. Embora a Fazenda não tenha arrecadado o que esperava com o tribunal administrativo, ele defende que os julgamentos do Carf foram responsáveis, por exemplo, por grandes acordos de transação tributária, realizadas tanto na Receita Federal quanto na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
“Não é que esse recurso aqui não vai entrar. Ele vai entrar. A questão é quando, se será mais rápido ou mais lento”, disse o presidente do órgão. Para ele, ainda é preciso esperar para fazer um diagnóstico sobre o motivo de os contribuintes não estarem realizando os pagamentos, apesar das vantagens previstas na nova lei. “Precisamos analisar, no médio e longo prazo, os incentivos e desincentivos ao contribuinte para ele continuar litigando ou pagar o que deve com as vantagens.”
Com o recorde de julgamentos neste ano, viabilizado principalmente a partir da priorização de processos de maior valor, a sua gestão, segundo contou o presidente, conseguiu reduzir o estoque total do Carf, que passou de R$ 1,1 trilhão para R$ 950 bilhões.
O número de processos também caiu nos últimos dois anos, segundo dados do tribunal: no início de 2023, havia 92 mil processos em tramitação no órgão, ante 72 mil até o final de novembro deste ano. “Estamos conseguindo derrubar a quantidade de processos, o que, no longo prazo, vai levar a uma queda do tempo dos processos”, disse o presidente durante a entrevista ao Valor.
Higino rebateu quem afirma que o tribunal administrativo está sendo utilizado para fins arrecadatórios. Dados do órgão, segundo ele, indicam que o contribuinte vence 50% dos processos julgados. “Meu papel é julgar os processos.”
Hoje, ele disse, um caso na Câmara Superior do Carf – última instância – leva em média 255 dias para ser julgado, o que na sua avaliação é uma “temporalidade muito boa”, já que o prazo, no passado, ultrapassava os 450 dias. O problema, ressaltou, são os casos em tramitação nas turmas ordinárias, nas quais o tempo médio ultrapassa três anos.
Por isso, do ponto de vista administrativo, o auditor da Receita projeta que, a partir de 2025, o uso de inteligência artificial no Carf passará a produzir efeitos. Até o fim do ano, o Carf colocará em funcionamento o sistema batizado de Iara (Inteligência Artificial em Recursos Administrativos), desenvolvido com o Serpro.
“Tenho uma grande expectativa que esse sistema vai ser fundamental, principalmente na resolução dos pequenos casos que se repetem”, afirmou o presidente. “Há pequenos contribuintes que aguardam a resolução de casos simples, mas que muitas vezes demoram. A Iara auxiliará principalmente nesses casos”, complementou Higino. O sistema será usado na análise de processos e na elaboração de resumos e decisões com base na jurisprudência.
Também para tentar desafogar o estoque no órgão recursal e acelerar os julgamentos, Higino pretende avançar em 2025 com a edição de súmulas. Com o mecanismo, as delegacias da Receita Federal precisam seguir a jurisprudência do Carf, o que automaticamente diminui a entrada de processos na instância superior.
Inicialmente, a intenção é que o sistema de inteligência artificial utilize uma base de 500 mil julgamentos do Carf, além de súmulas do Conselho e entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Além de a gente continuar julgando valores altos, com a Iara e a aprovação de súmula, vamos resolver os casos repetitivos”, disse Higino. “A ideia do Carf é debater grandes teses jurídico-tributárias. E esses casos mais simples, que a gente consiga dar essa celeridade e esse resultado”, concluiu.