“Campanha contra a CPMF é reação à alta carga tributária”
Para o economista, é melhor acabar com outros tributos, como a Cofins, e reduzir encargo sobre folha de salários
O vice-presidente da Fundação Getulio Vargas e colunista da Folha, Marcos
Cintra, diz que é melhor eliminar tributos como a Cofins e o adicional de 10%
do IR na fonte e reduzir a contribuição sobre a folha de salários do que a
acabar com a CPMF. Divulgador do imposto único, ele diz que a idéia de um só
tributo não emplacou porque os poderosos das burocracias estatal e privada
perderiam. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida na FGV.
FOLHA – Que reformas podem sair neste governo?
MARCOS CINTRA – Para ser bem sincero, acho que não teremos reforma alguma. A
reforma política já foi enterrada neste ano.
Não se toca nas outras. A única de que se fala é a reforma tributária, mas
muito mais como um capítulo, digamos, da prorrogação da CPMF. A reforma
tributária está sendo usada como um canal de debate, mas vai desembocar na
prorrogação da CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira] e
da DRU [Desvinculação de Receitas da União].
O cerne da reforma tributária, que era a criação do IVA [imposto sobre valor
agregado], a reforma de todos os tributos sobre o consumo, que foi discutida
em 2003, foi jogada para 2005 e para 2007. Suspeito que vamos repetir agora o
que aconteceu em 2003.
Devem ser feitas algumas simplificações pontuais, mas a reforma fundamental,
pela falta de consenso, será jogada para 2008, ano de eleições municipais.
Daqui a dois, teremos a eleição presidencial, e assim estamos jogando esse
problema para a frente. Com isso, a taxa de crescimento fica em 5% e não vai a
6% ou a 7%, que é o que gostaríamos.
FOLHA – Que pontos seriam importantes na reforma tributária?
CINTRA – O Brasil tem hoje uma das cargas tributárias mais altas do mundo, de
cerca de 35% do PIB. A sociedade brasileira vê na reforma tributária não
apenas uma possibilidade de reduzir a carga mas de melhor distribuí-la,
fazendo com que aqueles que hoje pagam muito imposto paguem um pouco menos, e
os que estão na informalidade passem a pagar um pouco mais.
Minha percepção é que, mesmo que a reforma não reduza a carga tributária em
relação ao PIB, ela deve melhorar o padrão de incidência. Significará algum
alívio para setores produtivos hoje tributados em excesso.
FOLHA – Quem hoje está sendo tributado em excesso?
CINTRA – O trabalhador brasileiro é um dos mais tributados do mundo. A folha
de salários no Brasil tem uma carga tributária que equivale a 42,5% do seu
valor. É fácil tributar o trabalho com carteira assinada. O desconto é na
fonte, fácil de ser identificado.
O que o governo vem fazendo ao longo dos últimos anos é transferir a carga
tributária para alguns setores que são mais facilmente tributados. As grandes
empresas são hoje mais facilmente tributáveis do que a micro, a pequena e a
média empresa, onde estão os grandes índices de sonegação e de evasão, quando
não resvalam totalmente para a informalidade. Em compensação, as grandes
empresas organizadas e o trabalho assalariado formal são supertributados no
Brasil.
FOLHA – O que poderia ser feito para trazer essa informalidade para a
formalidade?
CINTRA – A informalidade é resultado imediato de uma tributação excessiva.
Fosse a tributação aceitável, tolerável, o estímulo à sonegação seria muito
menor. Quanto mais alta a alíquota, maior é o prêmio ao sonegador. A primeira
providência é uma reforma que faça com que as alíquotas sejam mais baixas. Há
que se buscar bases tributárias as mais amplas possíveis, para pôr em prática
a máxima de que, tributando todos, todos vão pagar menos.
FOLHA – Seria possível uma reforma que reduzisse a burocracia e o caos
tributário?
CINTRA – A burocracia excessiva, pelas obrigações acessórias excessivas,
impele o pequeno e o microempresário à informalidade. É preciso ter um sistema
tributário que permita uma base maior [de contribuintes] para ter alíquotas
menores. É por isso que defendo o imposto único. A grande vantagem do imposto
único é fazer com que, formal ou informal, regular ou na economia irregular,
todos sejam atingidos por ele.
FOLHA – Os governadores são os grandes obstáculos a uma reforma. Como lidar
com isso?
CINTRA – Uma das razões para a reforma tributária não andar é que a sociedade
brasileira é extremamente complexa, uma Federação, com as competências
tributárias distribuídas entre União, Estados e municípios, além da
Previdência -que é União. Há choque de interesses entre os três níveis. Um dos
principais obstáculos à reforma é a guerra fiscal.
É o único instrumento que os governadores do Nordeste têm para praticar o
desenvolvimento regional. Eles querem que o governo federal pague essa conta,
o que implicaria elevar a carga fiscal. Isso, evidentemente, é impossível. Não
podemos mais ter aumento de carga tributária.
FOLHA – Qual a solução para isso?
CINTRA – Minha proposta é a do imposto único. O governo propõe a criação de um
imposto único sobre o valor agregado [o IVA]. Ele junta todos os impostos num
só, mas sobre o valor agregado.
A proposta que defendo é a do imposto único sobre a movimentação financeira. A
proposta do governo não reduz a burocracia. Continua tendo um sistema
fortemente declaratório, com altíssimos custos operacionais, com enorme margem
de sonegação, de evasão e de elisão. Minha proposta leva a um sistema
absolutamente automatizado, com custo operacional zero, que reduz os custos
das obrigações acessórias tributárias dos contribuintes, e que é capaz de
gerar a mesma arrecadação, como a experiência da CPMF vem comprovando. Uma
base tributária universal, sem sonegação.
FOLHA – A reforma implicaria redução da carga tributária?
CINTRA – Reforma não implica discutir carga tributária. Reforma quer dizer:
vamos discutir a melhor maneira de arrecadar. Mas arrecadar quanto? Como são
gastos os recursos e quais as prioridades da sociedade? Aí vamos ter uma
discussão ampla e uma reforma fiscal. A tributária é só um ângulo da fiscal.
Hoje, a carga tributária é alta. O Estado é muito maior do que a sociedade é
capaz de suportar.
FOLHA – Como o sr. vê as recentes medidas tomadas pelo governo?
CINTRA – Está havendo, de fato, uma desoneração. Fala-se muito agora na
desoneração da folha de pagamento das empresas, um item fortemente tributado.
O ministro [da Fazenda] Guido Mantega tem dito que poderá, eventualmente,
avaliar o uso de parte da arrecadação da CPMF na desoneração da contribuição
patronal sobre a folha de salários, reduzindo-a de 20% para 15% ou 10%.
FOLHA – A grande maioria é contra a continuidade da CPMF. O sr. é uma voz
isolada a favor. Por quê?
CINTRA – Essas vozes isoladas estão cada vez mais sendo ouvidas. Vemos artigos
pedindo a eliminação de outros tributos que são muito mais perversos e muito
mais ineficientes do que a CPMF. A campanha não é contra a CPMF, mas é mais
uma reação contra a carga tributária.
Acho mais proveitoso para a sociedade eliminar outros tributos, como a Cofins,
e sobre a folha de salários. O adicional de 10% do IR na fonte [que elevou a
alíquota de 25% para 27,5%] também poderia ser eliminado. Acho que seria um
esforço mais inteligente de controle da excessiva carga.
FOLHA – Um tributo em cascata como a CPMF distorce os preços?
CINTRA – A critica que ainda se faz é que, por ser um tributo em cascata, ele
incide sobre o processo de produção e acaba distorcendo os preços relativos.
Já provei, com números do IBGE -simulando os efeitos de um tributo
não-cumulativo com um cumulativo-, que um tributo em cascata com alíquota
baixa introduz menos distorções do que um tributo sobre o valor agregado com
alíquota alta. Um IVA sempre exigirá uma alíquota pelo menos oito vezes maior
para gerar a mesma arrecadação. Motivos: ele tem créditos, é facilmente
sonegável e tem custos muito elevados.
FOLHA – Significa que o imposto único seria melhor do que o IVA?
CINTRA – Para gerar a mesma arrecadação, a alíquota do imposto único seria de
5,3%, enquanto a do IVA seria de 32% ou 33%. Então, prefiro o imposto único
com 5,3%, mesmo que cumulativo, porque traz menos distorções do que o IVA com
alíquota de mais de 30%. Tributos cumulativos não são ineficientes. E até hoje
ninguém contestou esses dados, que estão publicados.
FOLHA – Por que o imposto único ainda não foi implantado?
CINTRA – Porque existem alguns perdedores. E são perdedores poderosos, fortes,
bem estruturados. Cito alguns: a burocracia pública, que reage muito
fortemente a esse tipo de simplificação tributária. Incluo aí a classe dos
políticos. E a burocracia privada: aqueles que têm sua atividade profissional
ligada diretamente à complexidade, aos serviços auxiliares, que o sistema
tributário exige.
Esses também vêem uma certa ameaça num sistema tributário que, praticamente,
tornaria suas presenças desnecessárias.
FOLHA – Então, as burocracias pública e privada são as grandes inimigas do
imposto único?
CINTRA – O pior de todos é o sonegador. Porque essas duas burocracias dizem
que são contra. Muito tributarista de renome acha que o imposto único não é
bom e dá seus argumentos, alguns até respeitáveis, porque não existe imposto
perfeito. Ele certamente não é perfeito. O sonegador é a forma mais insidiosa
de oposição. Não diz que é contra porque sonega mais do que o concorrente -e
sabe que só sobrevive por isso. Ele trabalha ferozmente contra o imposto
único, cria esse ambiente de contrariedade à proposta.
FOLHA – Na ausência do imposto único, qual o menor número de impostos
existentes em sistema tributários mais eficientes?
CINTRA – Os Estados Unidos, por exemplo, têm um sistema tributário muito
enxuto. Basicamente, são o Imposto de Renda, o “Sales Tax” (sobre o consumo) e
o Imposto sobre a Propriedade, que é o imposto municipal. A maior economia do
mundo não cai nessa aventura de ter IVA. Porque é um país federativo.
O IVA é um tributo que tem uma vocação para ser aplicado em países unitários;
até pode funcionar na Europa. O único país europeu que tem IVA e não é
unitário, porque é uma Federação, é a Alemanha. O nosso principal foco de
ineficiência tributária é o ICMS, que é o IVA que nós temos. A base de toda
reforma é criar um outro IVA, que atenue um pouco essas distorções.
FOLHA – Por que em outros países não há CPMF?
CINTRA – Porque a CPMF, modelo do imposto único, só funciona bem em países que
tenham um sistema bancário altamente desenvolvido. O Brasil tem o sistema
bancário mais desenvolvido do mundo. Temos compensações em tempo real, através
da TED [Transferência Eletrônica Disponível].
Um imposto único com base sobre movimentação financeira também exige uma
sociedade que já esteja habituada a não usar papel-moeda, a só usar moeda
escritural. No Brasil, o papel-moeda em poder do público é 2% do PIB, nos EUA
é mais de 7%, na Suíça é 40%.
A CPMF não existe em outros países porque só o Brasil reúne hoje essas duas
condições essenciais para que o modelo funcione bem: um sistema bancário
altamente informatizado e uma economia que culturalmente já está habituada a
não usar moeda manual. E é por isso que a idéia do imposto único nasce no
Brasil, onde tem viabilidade e não teria em outros países, por enquanto. Mas
dentro de mais alguns anos vai ter também em qualquer lugar do mundo, porque
essa é a base tributária do futuro, não tenho a menor dúvida disso.
O vice-presidente da Fundação Getulio Vargas e colunista da Folha, Marcos
Cintra, diz que é melhor eliminar tributos como a Cofins e o adicional de 10%
do IR na fonte e reduzir a contribuição sobre a folha de salários do que a
acabar com a CPMF. Divulgador do imposto único, ele diz que a idéia de um só
tributo não emplacou porque os poderosos das burocracias estatal e privada
perderiam. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida na FGV.
FOLHA – Que reformas podem sair neste governo?
MARCOS CINTRA – Para ser bem sincero, acho que não teremos reforma alguma. A
reforma política já foi enterrada neste ano.
Não se toca nas outras. A única de que se fala é a reforma tributária, mas
muito mais como um capítulo, digamos, da prorrogação da CPMF. A reforma
tributária está sendo usada como um canal de debate, mas vai desembocar na
prorrogação da CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira] e
da DRU [Desvinculação de Receitas da União].
O cerne da reforma tributária, que era a criação do IVA [imposto sobre valor
agregado], a reforma de todos os tributos sobre o consumo, que foi discutida
em 2003, foi jogada para 2005 e para 2007. Suspeito que vamos repetir agora o
que aconteceu em 2003.
Devem ser feitas algumas simplificações pontuais, mas a reforma fundamental,
pela falta de consenso, será jogada para 2008, ano de eleições municipais.
Daqui a dois, teremos a eleição presidencial, e assim estamos jogando esse
problema para a frente. Com isso, a taxa de crescimento fica em 5% e não vai a
6% ou a 7%, que é o que gostaríamos.
FOLHA – Que pontos seriam importantes na reforma tributária?
CINTRA – O Brasil tem hoje uma das cargas tributárias mais altas do mundo, de
cerca de 35% do PIB. A sociedade brasileira vê na reforma tributária não
apenas uma possibilidade de reduzir a carga mas de melhor distribuí-la,
fazendo com que aqueles que hoje pagam muito imposto paguem um pouco menos, e
os que estão na informalidade passem a pagar um pouco mais.
Minha percepção é que, mesmo que a reforma não reduza a carga tributária em
relação ao PIB, ela deve melhorar o padrão de incidência. Significará algum
alívio para setores produtivos hoje tributados em excesso.
FOLHA – Quem hoje está sendo tributado em excesso?
CINTRA – O trabalhador brasileiro é um dos mais tributados do mundo. A folha
de salários no Brasil tem uma carga tributária que equivale a 42,5% do seu
valor. É fácil tributar o trabalho com carteira assinada. O desconto é na
fonte, fácil de ser identificado.
O que o governo vem fazendo ao longo dos últimos anos é transferir a carga
tributária para alguns setores que são mais facilmente tributados. As grandes
empresas são hoje mais facilmente tributáveis do que a micro, a pequena e a
média empresa, onde estão os grandes índices de sonegação e de evasão, quando
não resvalam totalmente para a informalidade. Em compensação, as grandes
empresas organizadas e o trabalho assalariado formal são supertributados no
Brasil.
FOLHA – O que poderia ser feito para trazer essa informalidade para a
formalidade?
CINTRA – A informalidade é resultado imediato de uma tributação excessiva.
Fosse a tributação aceitável, tolerável, o estímulo à sonegação seria muito
menor. Quanto mais alta a alíquota, maior é o prêmio ao sonegador. A primeira
providência é uma reforma que faça com que as alíquotas sejam mais baixas. Há
que se buscar bases tributárias as mais amplas possíveis, para pôr em prática
a máxima de que, tributando todos, todos vão pagar menos.
FOLHA – Seria possível uma reforma que reduzisse a burocracia e o caos
tributário?
CINTRA – A burocracia excessiva, pelas obrigações acessórias excessivas,
impele o pequeno e o microempresário à informalidade. É preciso ter um sistema
tributário que permita uma base maior [de contribuintes] para ter alíquotas
menores. É por isso que defendo o imposto único. A grande vantagem do imposto
único é fazer com que, formal ou informal, regular ou na economia irregular,
todos sejam atingidos por ele.
FOLHA – Os governadores são os grandes obstáculos a uma reforma. Como lidar
com isso?
CINTRA – Uma das razões para a reforma tributária não andar é que a sociedade
brasileira é extremamente complexa, uma Federação, com as competências
tributárias distribuídas entre União, Estados e municípios, além da
Previdência -que é União. Há choque de interesses entre os três níveis. Um dos
principais obstáculos à reforma é a guerra fiscal.
É o único instrumento que os governadores do Nordeste têm para praticar o
desenvolvimento regional. Eles querem que o governo federal pague essa conta,
o que implicaria elevar a carga fiscal. Isso, evidentemente, é impossível. Não
podemos mais ter aumento de carga tributária.
FOLHA – Qual a solução para isso?
CINTRA – Minha proposta é a do imposto único. O governo propõe a criação de um
imposto único sobre o valor agregado [o IVA]. Ele junta todos os impostos num
só, mas sobre o valor agregado.
A proposta que defendo é a do imposto único sobre a movimentação financeira. A
proposta do governo não reduz a burocracia. Continua tendo um sistema
fortemente declaratório, com altíssimos custos operacionais, com enorme margem
de sonegação, de evasão e de elisão. Minha proposta leva a um sistema
absolutamente automatizado, com custo operacional zero, que reduz os custos
das obrigações acessórias tributárias dos contribuintes, e que é capaz de
gerar a mesma arrecadação, como a experiência da CPMF vem comprovando. Uma
base tributária universal, sem sonegação.
FOLHA – A reforma implicaria redução da carga tributária?
CINTRA – Reforma não implica discutir carga tributária. Reforma quer dizer:
vamos discutir a melhor maneira de arrecadar. Mas arrecadar quanto? Como são
gastos os recursos e quais as prioridades da sociedade? Aí vamos ter uma
discussão ampla e uma reforma fiscal. A tributária é só um ângulo da fiscal.
Hoje, a carga tributária é alta. O Estado é muito maior do que a sociedade é
capaz de suportar.
FOLHA – Como o sr. vê as recentes medidas tomadas pelo governo?
CINTRA – Está havendo, de fato, uma desoneração. Fala-se muito agora na
desoneração da folha de pagamento das empresas, um item fortemente tributado.
O ministro [da Fazenda] Guido Mantega tem dito que poderá, eventualmente,
avaliar o uso de parte da arrecadação da CPMF na desoneração da contribuição
patronal sobre a folha de salários, reduzindo-a de 20% para 15% ou 10%.
FOLHA – A grande maioria é contra a continuidade da CPMF. O sr. é uma voz
isolada a favor. Por quê?
CINTRA – Essas vozes isoladas estão cada vez mais sendo ouvidas. Vemos artigos
pedindo a eliminação de outros tributos que são muito mais perversos e muito
mais ineficientes do que a CPMF. A campanha não é contra a CPMF, mas é mais
uma reação contra a carga tributária.
Acho mais proveitoso para a sociedade eliminar outros tributos, como a Cofins,
e sobre a folha de salários. O adicional de 10% do IR na fonte [que elevou a
alíquota de 25% para 27,5%] também poderia ser eliminado. Acho que seria um
esforço mais inteligente de controle da excessiva carga.
FOLHA – Um tributo em cascata como a CPMF distorce os preços?
CINTRA – A critica que ainda se faz é que, por ser um tributo em cascata, ele
incide sobre o processo de produção e acaba distorcendo os preços relativos.
Já provei, com números do IBGE -simulando os efeitos de um tributo
não-cumulativo com um cumulativo-, que um tributo em cascata com alíquota
baixa introduz menos distorções do que um tributo sobre o valor agregado com
alíquota alta. Um IVA sempre exigirá uma alíquota pelo menos oito vezes maior
para gerar a mesma arrecadação. Motivos: ele tem créditos, é facilmente
sonegável e tem custos muito elevados.
FOLHA – Significa que o imposto único seria melhor do que o IVA?
CINTRA – Para gerar a mesma arrecadação, a alíquota do imposto único seria de
5,3%, enquanto a do IVA seria de 32% ou 33%. Então, prefiro o imposto único
com 5,3%, mesmo que cumulativo, porque traz menos distorções do que o IVA com
alíquota de mais de 30%. Tributos cumulativos não são ineficientes. E até hoje
ninguém contestou esses dados, que estão publicados.
FOLHA – Por que o imposto único ainda não foi implantado?
CINTRA – Porque existem alguns perdedores. E são perdedores poderosos, fortes,
bem estruturados. Cito alguns: a burocracia pública, que reage muito
fortemente a esse tipo de simplificação tributária. Incluo aí a classe dos
políticos. E a burocracia privada: aqueles que têm sua atividade profissional
ligada diretamente à complexidade, aos serviços auxiliares, que o sistema
tributário exige.
Esses também vêem uma certa ameaça num sistema tributário que, praticamente,
tornaria suas presenças desnecessárias.
FOLHA – Então, as burocracias pública e privada são as grandes inimigas do
imposto único?
CINTRA – O pior de todos é o sonegador. Porque essas duas burocracias dizem
que são contra. Muito tributarista de renome acha que o imposto único não é
bom e dá seus argumentos, alguns até respeitáveis, porque não existe imposto
perfeito. Ele certamente não é perfeito. O sonegador é a forma mais insidiosa
de oposição. Não diz que é contra porque sonega mais do que o concorrente -e
sabe que só sobrevive por isso. Ele trabalha ferozmente contra o imposto
único, cria esse ambiente de contrariedade à proposta.
FOLHA – Na ausência do imposto único, qual o menor número de impostos
existentes em sistema tributários mais eficientes?
CINTRA – Os Estados Unidos, por exemplo, têm um sistema tributário muito
enxuto. Basicamente, são o Imposto de Renda, o “Sales Tax” (sobre o consumo) e
o Imposto sobre a Propriedade, que é o imposto municipal. A maior economia do
mundo não cai nessa aventura de ter IVA. Porque é um país federativo.
O IVA é um tributo que tem uma vocação para ser aplicado em países unitários;
até pode funcionar na Europa. O único país europeu que tem IVA e não é
unitário, porque é uma Federação, é a Alemanha. O nosso principal foco de
ineficiência tributária é o ICMS, que é o IVA que nós temos. A base de toda
reforma é criar um outro IVA, que atenue um pouco essas distorções.
FOLHA – Por que em outros países não há CPMF?
CINTRA – Porque a CPMF, modelo do imposto único, só funciona bem em países que
tenham um sistema bancário altamente desenvolvido. O Brasil tem o sistema
bancário mais desenvolvido do mundo. Temos compensações em tempo real, através
da TED [Transferência Eletrônica Disponível].
Um imposto único com base sobre movimentação financeira também exige uma
sociedade que já esteja habituada a não usar papel-moeda, a só usar moeda
escritural. No Brasil, o papel-moeda em poder do público é 2% do PIB, nos EUA
é mais de 7%, na Suíça é 40%.
A CPMF não existe em outros países porque só o Brasil reúne hoje essas duas
condições essenciais para que o modelo funcione bem: um sistema bancário
altamente informatizado e uma economia que culturalmente já está habituada a
não usar moeda manual. E é por isso que a idéia do imposto único nasce no
Brasil, onde tem viabilidade e não teria em outros países, por enquanto. Mas
dentro de mais alguns anos vai ter também em qualquer lugar do mundo, porque
essa é a base tributária do futuro, não tenho a menor dúvida disso.