BRF consegue no TRF-4 afastar tributação dos lucros de controlada no exterior

Por Marcela Villar — De São Paulo A BRF, dona da Sadia e Perdigão, conseguiu afastar a tributação no Brasil dos lucros de uma controlada na Áustria, em decisão unânime da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Para os desembargadores, a incidência do Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre os resultados da coligada Sadia GMBH no exterior é ilegal e deve prevalecer o tratado firmado entre o Brasil e o governo austríaco que veda a bitributação entre os dois países. O caso trata da predominância dos acordos internacionais sobre a lei brasileira, mesma discussão iniciada no Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de um caso da Vale. O tema pode custar ao governo federal R$ 142 bilhões, como mostrou o Valor. A ação da multinacional de alimentos discute a suposta omissão de R$ 626,6 milhões em tributos (valor histórico), referentes ao ano de 2007. A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) é dividida, segundo levantamento feito pelo escritório Demarest. Mas o próprio caso da Vale, quando julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi um forte precedente favorável aos contribuintes e tem sido replicado em alguns tribunais inferiores. No TRF-4, o relator, o juiz federal convocado Andrei Pitten Velloso, manteve a sentença favorável à BRF por entender que o tratado deve se sobrepor à legislação brasileira, como prevê o artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN). O magistrado entendeu ser ilegal o artigo 7º, parágrafo 1º, da Instrução Normativa 213/2002 da Receita Federal, pois “amplia, sem amparo legal, a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, ao prever a tributação, sem ressalvas, sobre o resultado positivo da equivalência patrimonial”. LEIA MAIS: Empresas vencem no TRF-3 disputa sobre crédito presumido de ICMS O dispositivo determina que o resultado positivo das subsidiárias no exterior deve ser reconhecido no balanço da controladora brasileira ao final de cada ano, através do chamado Método de Equivalência Patrimonial (MEP). Ele visa aferir o valor do investimento de uma empresa quando possui participação societária em outra. A metodologia é prevista na Lei das Sociedades Anônimas (nº 6.404/76) e foi incluída no ordenamento tributário pelo artigo 74 da Medida Provisória (MP) nº 2158/2001 – regulamentada pela IN. O juiz também levou em conta que em 2007, ano em que os tributos seriam devidos, a legislação em vigor não previa o uso do MEP para tributar lucro de controladas indiretas, algo que só passou a ser possível a partir da Lei nº 12.973/2014. Nesse caso, a controlada Sadia GMBH teve resultado negativo pelas normas contábeis austríacas. Mas como tinha participação em uma outra empresa, a Wellax Foods Logistics, na Ilha de Madeira, apurou lucro através do MEP, o que refletiu no balanço da BRF e foi tributado pela Receita Federal no Brasil. Como o resultado não corresponde ao real lucro da empresa, o juiz entendeu como ilegal a cobrança. “Tendo sido o lançamento decorrente da ilegal utilização do Método da Equivalência Patrimonial para a apuração do lucro da empresa controladora com base no irrestrito resultado positivo da equivalência patrimonial, identifica-se a existência de vício material, a impor, por si só, a sua anulação”, diz. Também levou em conta que o tratado internacional adota o princípio da residência para a competência tributária exclusiva. Ou seja, “os lucros da controlada sediada na Áustria somente podem sofrer tributação na Áustria, de forma direta ou indireta”. “Afronta a convenção em apreço a sua tributação também pelo Brasil, mediante a exigência de adicioná-los aos resultados da empresa controladora”, afirma. Outro argumento considerado por Velloso é que o artigo 23.2 do tratado firmado veda a tributação de dividendos pagos por uma empresa austríaca a uma empresa brasileira, desde que esta possua 25% de participação societária, como no caso. “Não há sentido em exigir a antecipação do oferecimento à tributação de lucros que, quando recebidos, são isentos” (processo nº 5002355-27.2021.4.04.7205). Nos autos, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) defendeu que não há violação ao tratado internacional e que os lucros das controladas deveriam ser incluídos no lucro líquido da controladora brasileira para apuração do lucro real. A União tentou adiar o julgamento do processo da BRF, para que se esperasse a decisão do Supremo no caso da Vale (RE 870214), mas não foi aceito pelo juiz pois não há repercussão geral em relação ao tema e não se trata da mesma empresa. O tributarista Christiano Chagas, sócio do Demarest, diz que a tributação por meio do MEP não estava prevista na legislação, portanto, a Fazenda não poderia exigir a cobrança. “A Fazenda tentou ir em um viés de que está se tributando o MEP e não o lucro, mas, na prática, é totalmente ilegal”, afirma. “Com base na legislação brasileira, o MEP não é tributado”, acrescenta. Rodrigo Maito, sócio do Dias Carneiro Advogados, diz que as controladas e coligadas têm personalidade jurídica própria e não podem ser tributadas também no Brasil. “Tributar o lucro da entidade lá fora sendo que o lucro não foi efetivamente distribuído seria uma certa violência”, afirma. Isso porque, acrescenta, além da falta de previsão em lei, o lucro das subsidiárias pode ser reinvestido e, no cálculo do MEP, pode não corresponder ao lucro efetivamente, mas à variação cambial ou aumento de capital. Na visão dele, os tratados devem prevalecer. “Só o país de residência é que poderia tributar o lucro das controladas e coligadas, portanto, o Brasil não poderia exercer a pretensão tributária. Não é que o tratado revoga a legislação interna, ele se sobrepõe”, diz o advogado. Segundo Maito, o Judiciário tem se mostrado “sensível” à aplicação dos acordos internacionais, mas as decisões têm sido muito caso a caso. Para ele, as normas de tributação universal da renda no Brasil têm desestimulado a internacionalização das empresas brasileiras. Muitas delas, como a Ambev, levaram o controle empresarial para o exterior, para se sujeitarem a cargas tributárias menores, em linha com países da OCDE. Em nota ao Valor, a PGFN afirma que “pretende recorrer”. Para o órgão, o TRF-4 afastou a tributação “utilizando um conceito restritivo de empresas controladas, não previsto na legislação”. “Além disso, aplicou indevidamente o tratado internacional, pois afastou a tributação doméstica dos lucros de uma empresa brasileira, o que foge ao escopo do acordo.” Procurada pelo Valor, a BRF não quis comentar a decisão. E o escritório que a representa, o Trench Rossi Watanabe, não teve autorização para falar do caso.

Fonte: Valor

Data da Notícia: 14/05/2025 00:00:00

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