Ameaça do Leão
Num momento em que os fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDCs, os chamados fundos de recebíveis) se popularizam e ganham versões para a alta renda, uma manifestação da delegacia regional de São Paulo da Receita Federal lança dúvidas sobre a forma de tributação das carteiras. Uma resposta à consulta de um contribuinte, publicada no “Diário Oficial da União” no início do mês, informa que fundos de longo prazo, indistintamente abertos ou fechados, têm de ter a incidência do imposto de renda semestral, aquilo que ficou conhecido no mercado como come-cotas por subtrair a parcela relativa à alíquota de 15% do rendimento do aplicador no período.
Se prevalecer, a explicação da delegacia da Receita muda as regras do jogo. Até aqui, os estruturadores e administradores de carteiras de recebíveis tinham o entendimento de que, num fundo fechado, a tributação incide nas amortizações de juros ou principal – quando o aplicador começa, de fato, a receber os rendimentos e parte do capital – ou no vencimento.
A situação mais delicada, diz a advogada Andréa Bazzo, do escritório Mattos Filho Advogados, refere-se à cobrança do que a Receita pode entender que deveria ter sido pago no passado. O come-cotas passou a ser semestral a partir de outubro de 2004. O contribuinte efetivo do IR é o investidor, mas o responsável pela retenção e pelo recolhimento é o administrador do fundo. Caso haja uma autuação, os fundos ficariam sujeitos à cobrança não só do imposto, como também de multa de 75% sobre o valor, mais os juros, explica Paulo Vaz, do escritório Levy & Salomão, especializado em tributação na área financeira.
A manifestação da Receita, diz Andréa, tem sido discutida no mercado. “Já chegamos a fazer exposição sobre o assunto a bancos de investimento”, diz. Por enquanto, explica, os fundos estão em compasso de espera. “Essa é uma manifestação de uma das delegacias da Receita”, acrescenta Vaz. “Ainda não sabemos se todo o órgão tem essa interpretação sobre a legislação.” O assunto ainda deve ser muito discutido. Por isso, não há recomendação para que os administradores comecem a tributar o come-cotas, explica Andréa. “Por enquanto, estamos discutindo se a questão merece alguma mudança nos prospectos de lançamento dos novos investimentos, talvez seja necessária uma ressalva, mas isso ainda está em debate”, diz ela.
Apesar da manifestação da Receita, os tributaristas continuam defendendo que o os fundos fechados de longo prazo não estão sujeitos à antecipação do IR. Um dos argumentos é relacionado à natureza desses fundos. “Não há lógica em cobrar come-cotas num fundo em que ninguém entra ou sai durante determinado período de tempo”, diz Vaz.
A antecipação do tributo nesses portfólios com carência longa, normalmente superior a um ano para os primeiros resgates, diminuiria a competitividade dos FIDCs junto aos clientes do segmento de private banking, diz Carlos Fagundes, sócio da Integral Trust, consultoria especializada na estruturação de FIDCs. “O aplicador que se submete a ficar sem liquidez por estar lidando com um ativo de longo prazo não vai querer pagar o imposto antes, e os FIDCs ficam em desvantagem quando comparados com outras opções de renda fixa, como debêntures ou certificados de recebíveis imobiliários (CRI)”, compara.
A interpretação da regional da Receita surpreende porque nos fundos fechados de longo prazo – cuja maturação dos ativos se dá em períodos superiores a um ano – não há a necessidade de se apurar a cota diariamente, acrescenta Fernando Meibak, o sócio recém-chegado à Integral Trust para estruturar os fundos de FIDCs, que aceitarão aplicações a partir de R$ 100 mil. Ele diz que, para os investidores institucionais, como fundos de pensão ou ainda os estrangeiros – os grandes grupos compradores de cotas de FIDCs – , não há maiores repercussões, pois essas classes de aplicadores estão submetidas a regimes próprios de tributação. Para a pessoa física, se houver a incidência do come-cotas, as carteiras fechadas ficam, entretanto, mais parecidas com os outros fundos de renda fixa tradicionais do mercado.
“O IR retido na fonte significa que o investidor terá de calcular o quanto deixou de ganhar por ter antecipado aquela parcela, qual o seu custo de oportunidade”, diz Meibak. “E, com o mercado se alongando para prazos de cinco, sete anos e os juros caindo, isso passa a ser relevante em qualquer fundo.” Ele não considera, porém, que uma eventual mudança na tributação represente um freio no apetite dos aplicadores ou nas captações das empresas. “Do ponto de vista do risco e do retorno, os FIDCs são interessantes em relação aos fundos abertos, e não é o imposto que desmotivaria o investimento porque qualquer comparação é feita pelo retorno bruto.”
Enquanto um FIDC garante retornos na casa dos 110% do CDI, os fundos de renda fixa abertos rendem, na média, 101%. As taxas de administração são mais convidativas também, muitas vezes não chegando 0,2% ao ano, enquanto as carteiras de renda fixa destinadas à alta renda cobram entre 1% e 1,5%. Pelos dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), só neste ano foram lançados 43 FIDCs, que giraram R$ 5,956 bilhões, 47% do que foi captado via fundos de recebíveis em todo ano passado.
Caso a leitura da delegacia da Receita de São Paulo prospere, os administradores de FIDCs terão de constituir reservas nos períodos anteriores ao recolhimento do come-cotas, em maio e novembro, diz o diretor da BER Capital, Antonio Corrêa Bosco. “Num FIDC bem administrado, o caixa fica próximo de zero, porque a carteira está toda investida em direitos de crédito e isso é incompatível com a diminuição periódica do número de cotas.”
Ele exemplifica que há situações ainda mais complicadas nesse tipo de carteira, como um fundo com vencimento em dois anos e que tenha como ativo um único contrato que será pago ao final daquele prazo. “Durante esse período, há apropriação de receitas, mas não existe movimentação financeira”, afirma. “Para cumprir o come-cotas, o administrador teria de vender um pedaço da carteira.”
Se prevalecer, a explicação da delegacia da Receita muda as regras do jogo. Até aqui, os estruturadores e administradores de carteiras de recebíveis tinham o entendimento de que, num fundo fechado, a tributação incide nas amortizações de juros ou principal – quando o aplicador começa, de fato, a receber os rendimentos e parte do capital – ou no vencimento.
A situação mais delicada, diz a advogada Andréa Bazzo, do escritório Mattos Filho Advogados, refere-se à cobrança do que a Receita pode entender que deveria ter sido pago no passado. O come-cotas passou a ser semestral a partir de outubro de 2004. O contribuinte efetivo do IR é o investidor, mas o responsável pela retenção e pelo recolhimento é o administrador do fundo. Caso haja uma autuação, os fundos ficariam sujeitos à cobrança não só do imposto, como também de multa de 75% sobre o valor, mais os juros, explica Paulo Vaz, do escritório Levy & Salomão, especializado em tributação na área financeira.
A manifestação da Receita, diz Andréa, tem sido discutida no mercado. “Já chegamos a fazer exposição sobre o assunto a bancos de investimento”, diz. Por enquanto, explica, os fundos estão em compasso de espera. “Essa é uma manifestação de uma das delegacias da Receita”, acrescenta Vaz. “Ainda não sabemos se todo o órgão tem essa interpretação sobre a legislação.” O assunto ainda deve ser muito discutido. Por isso, não há recomendação para que os administradores comecem a tributar o come-cotas, explica Andréa. “Por enquanto, estamos discutindo se a questão merece alguma mudança nos prospectos de lançamento dos novos investimentos, talvez seja necessária uma ressalva, mas isso ainda está em debate”, diz ela.
Apesar da manifestação da Receita, os tributaristas continuam defendendo que o os fundos fechados de longo prazo não estão sujeitos à antecipação do IR. Um dos argumentos é relacionado à natureza desses fundos. “Não há lógica em cobrar come-cotas num fundo em que ninguém entra ou sai durante determinado período de tempo”, diz Vaz.
A antecipação do tributo nesses portfólios com carência longa, normalmente superior a um ano para os primeiros resgates, diminuiria a competitividade dos FIDCs junto aos clientes do segmento de private banking, diz Carlos Fagundes, sócio da Integral Trust, consultoria especializada na estruturação de FIDCs. “O aplicador que se submete a ficar sem liquidez por estar lidando com um ativo de longo prazo não vai querer pagar o imposto antes, e os FIDCs ficam em desvantagem quando comparados com outras opções de renda fixa, como debêntures ou certificados de recebíveis imobiliários (CRI)”, compara.
A interpretação da regional da Receita surpreende porque nos fundos fechados de longo prazo – cuja maturação dos ativos se dá em períodos superiores a um ano – não há a necessidade de se apurar a cota diariamente, acrescenta Fernando Meibak, o sócio recém-chegado à Integral Trust para estruturar os fundos de FIDCs, que aceitarão aplicações a partir de R$ 100 mil. Ele diz que, para os investidores institucionais, como fundos de pensão ou ainda os estrangeiros – os grandes grupos compradores de cotas de FIDCs – , não há maiores repercussões, pois essas classes de aplicadores estão submetidas a regimes próprios de tributação. Para a pessoa física, se houver a incidência do come-cotas, as carteiras fechadas ficam, entretanto, mais parecidas com os outros fundos de renda fixa tradicionais do mercado.
“O IR retido na fonte significa que o investidor terá de calcular o quanto deixou de ganhar por ter antecipado aquela parcela, qual o seu custo de oportunidade”, diz Meibak. “E, com o mercado se alongando para prazos de cinco, sete anos e os juros caindo, isso passa a ser relevante em qualquer fundo.” Ele não considera, porém, que uma eventual mudança na tributação represente um freio no apetite dos aplicadores ou nas captações das empresas. “Do ponto de vista do risco e do retorno, os FIDCs são interessantes em relação aos fundos abertos, e não é o imposto que desmotivaria o investimento porque qualquer comparação é feita pelo retorno bruto.”
Enquanto um FIDC garante retornos na casa dos 110% do CDI, os fundos de renda fixa abertos rendem, na média, 101%. As taxas de administração são mais convidativas também, muitas vezes não chegando 0,2% ao ano, enquanto as carteiras de renda fixa destinadas à alta renda cobram entre 1% e 1,5%. Pelos dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), só neste ano foram lançados 43 FIDCs, que giraram R$ 5,956 bilhões, 47% do que foi captado via fundos de recebíveis em todo ano passado.
Caso a leitura da delegacia da Receita de São Paulo prospere, os administradores de FIDCs terão de constituir reservas nos períodos anteriores ao recolhimento do come-cotas, em maio e novembro, diz o diretor da BER Capital, Antonio Corrêa Bosco. “Num FIDC bem administrado, o caixa fica próximo de zero, porque a carteira está toda investida em direitos de crédito e isso é incompatível com a diminuição periódica do número de cotas.”
Ele exemplifica que há situações ainda mais complicadas nesse tipo de carteira, como um fundo com vencimento em dois anos e que tenha como ativo um único contrato que será pago ao final daquele prazo. “Durante esse período, há apropriação de receitas, mas não existe movimentação financeira”, afirma. “Para cumprir o come-cotas, o administrador teria de vender um pedaço da carteira.”