Por Marcela Villar — De São Paulo Thais De Laurentiis: “Contribuintes têm conseguido derrubar as multas qualificadas” — Foto: Divulgação Dobrou o número de casos de ágio julgados pela Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) no ano passado, em relação a 2023. O movimento na última instância do órgão é resultado da prioridade que foi dada aos casos de maior valor, geralmente bilionários. Foram 122 decisões sobre o tema, ante a 61 no ano anterior. Incluindo a instância inferior, as turmas ordinárias, a Fazenda Nacional contabiliza um total de 172 acórdãos sobre o tema em 2024, com larga vantagem para a União nos casos de ágio interno. O ágio é um valor pago, em geral, pela rentabilidade futura de uma empresa a ser adquirida ou incorporada por outra. A Lei nº 9.532, de 1997, permite seu registro como despesa no balanço, ou seja, o valor pode ser amortizado para reduzir a base de cálculo (lucro) do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. Muitas das discussões no Carf envolvem o chamado ágio interno e o uso de empresa veículo. A partir da Lei nº 12.973/2014, a amortização do ágio interno – feito entre empresas de um mesmo grupo econômico – foi expressamente vedada. Nos casos que envolvem empresa veículo, normalmente é criada uma holding para captação de investimentos no exterior que depois é incorporada. Apesar da previsão em lei, a Receita Federal costuma autuar as operações quando não vê “propósito negocial” ou quando entende que o único intuito delas era o de reduzir a carga tributária. De acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), dos 172 acórdãos do Carf, 39 trataram de ágio interno, sendo 37 deles com desfecho favorável à União. Outros 73 discutiram o uso de empresa veículo, tese que a Fazenda Nacional saiu vitoriosa em apenas 23 julgamentos, quase um terço do total. O órgão considera só os recursos em que o mérito foi julgado (podendo haver mais de um acórdão por caso) e que os valores discutidos ultrapassem R$ 15 milhões. LEIA MAIS: Fazenda reforça atuação na Justiça para destravar processos que somam mais de R$ 35 bi no Carf O Carf é uma das principais apostas do Ministério da Fazenda para elevar a arrecadação e cumprir a meta fiscal. Porém, o órgão não tem atendido às expectativas, apesar de bater recorde no número de julgamentos. Para 2024, a equipe econômica estimou arrecadar R$ 55 bilhões pelo Carf, mas entraram nos cofres públicos apenas R$ 307,8 milhões, o equivalente a 0,5% do projetado. Para este ano, a Receita já anunciou que vai reduzir a previsão arrecadatória com o órgão, estimada em R$ 28 bilhões. Os casos de ágio, segundo especialistas, acabaram virando prioridade no Carf. Neste ano, já foram pautados 47 casos sobre o assunto para julgamento entre janeiro e a primeira semana de abril, segundo levantamento do escritório Rivitti e Dias Advogados, que analisou a pauta da Câmara Superior. Os valores envolvidos nesses processos superam R$ 15 bilhões. De acordo com o Rivitti Dias, a maioria dos recursos à última instância do tribunal é da PGFN, o que mostra que os contribuintes têm vencido mais nas câmaras baixas. Só 11 dos 47 casos pautados são das empresas, menos de um quarto do total. O de maior montante julgado em 2025 até agora foi a ação sobre ágio na incorporação de ações da Bovespa feita pela B3, no qual foi cancelado um auto de infração de R$ 5,7 bilhões. Especialistas dizem que foi a primeira vez que a tese foi analisada de forma mais aprofundada. Apesar dos montantes bilionários, os processos de ágio representam menos de 1% dos julgados pelo tribunal administrativo. Desde 2022, com a mudança de governo, a quantidade decisões da Câmara Superior cresceu consideravelmente, principalmente sobre ágio. Em 2024, o Carf bateu recorde e julgou mais de 18 mil processos, que representam R$ 800 bilhões em créditos tributários, segundo dados do órgão. Apesar da atual paralisação dos auditores fiscais, as sessões da Câmara Superior não foram suspensas. No caso da B3, a Fazenda insistia na tese de que não havia “substrato econômico” na operação. Segundo a tributarista Maysa Pittondo Deligne, sócia do CPMG Advocacia e ex-conselheira do Carf, o caso é paradigmático, pois foi a primeira vez que a Câmara Superior analisou a possibilidade do ágio na incorporação de ações (processo nº 16327.720963/2019-07). “Como foi uma aquisição de participação societária, o Fisco entende que não houve substrato econômico nem desembolso de caixa, porque envolveu a incorporação de ações, então não teve materialização no mundo econômico”, diz. Mas prevaleceu a tese dos contribuintes. “A relatora entendeu que a incorporação de ação é uma forma de aquisição de participação societária e que houve um sacrifício econômico”, afirma a advogada. As companhias não têm tido o mesmo sucesso no Carf quando se trata de empresa veículo. A jurisprudência é muito oscilante, segundo Maysa. E, normalmente, é aplicado o voto de qualidade, que é o desempate pelo presidente do colegiado, um representante da Fazenda. “Quando tem holding no meio, a fiscalização já começa a olhar a operação com outros olhos. Ela fala que a operação é artificial e que há simulação”, diz. As provas, acrescenta a tributarista, costumam ser decisivas nesses julgamentos. Quando os contribuintes conseguem justificar o propósito negocial da operação, eles têm saído vitoriosos. Segundo a advogada Thais De Laurentiis, sócia do Rivitti Dias Advogados e também ex-conselheira do Carf, os contribuintes têm conseguido derrubar as multas qualificadas, de 150%, que já vinham embutidas no auto de infração, pois o Fisco sempre entendia ser uma operação simulada. “Teve uma mudança de jurisprudência muito importante. O Carf evoluiu para perceber que o que se tem é uma divergência de interpretação sobre os limites da apuração do ágio e da repercussão no imposto sobre a renda”, diz a tributarista. As discussões sobre ágio interno também eram desfavoráveis às empresas no passado, mas desde 2016, segundo Thais, as decisões passaram a ser mais “fluídas”. “Passou a ter muito julgamento por voto de qualidade, sendo que antes as decisões eram unânimes contra o contribuinte, sempre no contexto da lei antiga”, afirma. Nos casos que tratam de empresa veículo, as turmas ordinárias têm sido mais favoráveis aos contribuintes. “Elas estão cada vez mais favoráveis a entender que a existência pura e simplesmente de empresa veículo não significa que existe um planejamento tributário abusivo, como entende a fiscalização”, adiciona. Já na Câmara Superior, a análise varia muito a depender do caso, diz o tributarista Paulo Coviello Filho, sócio de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados. Ele lembra de um caso recente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) que teve desfecho desfavorável à empresa. “O relator entendeu que foi tudo negociado pelos investidores e que a empresa criada para receber os investimentos estrangeiros era artificial, pois não era o real adquirente, então não autorizou a amortização do ágio”, afirma Coviello (processo nº 10600.720070/2018-18). Já em outro processo recente envolvendo a Comgás, a amortização do ágio foi permitida (processo nº 16561.720031/2016-31). De acordo com o advogado, nada mudou na nova lei sobre ágio em relação à tese da empresa veículo – ao contrário do ágio interno, que passou a ser vedado entre partes relacionadas. “Isso mostra que o legislador não queria abraçar a tese criada pela fiscalização do real adquirente. Ela foi criada para restringir ao máximo o direito do contribuinte de forma ilegal”, diz. Coviello tem mapeado pelo menos 150 ações sobre ágio no Judiciário, ainda em primeira instância, na fase de instrução. Alguns casos já subiram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deu decisões divergentes. Na 1ª Turma, há um acórdão favorável à Cremer em um caso de empresa veículo (REsp 2026473). Já a 2ª Turma, em um processo da Viação Joana D’arc, de ágio interno, foi a favor da União (REsp 2152642).

Fonte: Valor Econômico

Data da Notícia: 14/04/2025 00:00:00

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