Subvenções fiscais – LC 160/2017 – Breve análise da interpretação da SRF e do CARF

Abel Escórcio Filho, Marcelo Magalhães Peixoto

A Lei Complementar n. 160/2017 modificou o sistema jurídico brasileiro ao alterar o tratamento dos benefícios e incentivos fiscais de ICMS concedidos pelos Estados. Essa legislação, além de definir a classificação d tais recursos como subvenções para investimento, dispôs sobre critérios para a incidência da norma que prevê a exclusão desses benefícios na apuração do IRPJ e da CSLL, além de ter provocado o surgimento de novos debates no cenário tributário, seja em âmbito administrativo seja em âmbito judicial.

De acordo com a motivação descrita no parecer para aprovação do Projeto de Lei (PLP) n. 54/2015 (que deu origem ao texto final da LC n. 160/2017), a intenção original do legislador era a de conferir à nova legislação instrumentos que pudessem amenizar as discussões jurídicas no contencioso tributário, bem como sinalizar a busca pelo término da guerra fiscal entre os entes federativos, por meio da aplicação de regras de não tributação, no âmbito federal, dos recursos oriundos de programas de incentivos e benefícios fiscais devidamente convalidados.

Após a sua entrada em vigor, em um primeiro momento, a Receita Federal indicou aos contribuintes que as discussões em âmbitos administrativo e judicial iriam cessar.

É que, por meio da SC 11/2020, a Receita Federal expôs o seu entendimento de que uma das consequências da Lei Complementar 160/2017 teria sido a revogação dos requisitos previstos no PN CST n. 112, de 1978, que descrevia como indispensáveis para a caracterização como subvenção para investimento: (i) a intenção do subvencionador de destiná-las para investimento; (ii) a efetiva e específica aplicação da subvenção, pelo beneficiário, nos investimentos previstos na implantação ou expansão do empreendimento econômico; e (iii) o beneficiário da subvenção ser a pessoa jurídica titular do empreendimento econômico.

A SC 11/2020, de forma abrangente, teria reconhecido a equiparação de todos os benefícios fiscais de crédito presumido, isenções ou reduções de impostos, como subvenções para investimento.

Ainda sem alterar seu entendimento, uma nova Solução de Consulta foi emitida pela Receita. Dessa vez, o Órgão da União, por meio da SC n. 15/2020, tratou de definir que as subvenções para investimento seriam aquelas concedidas para expansão ou investimento no empreendimento, inclusive isenções e reduções de impostos. Assim, por força do art. 30 da Lei n. 12.973/2014, essas espécies não seriam computadas na determinação do lucro real e do resultado ajustado, desde que observados os requisitos estabelecidos na lei.

A partir desse ponto, a Receita Federal começou, novamente, a retroceder em seu posicionamento. É que, por meio da Solução de Consulta 145, de 2020, o Órgão Fazendário começou a se manifestar sobre a necessidade de observância do critério de as subvenções para investimento serem concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Em suma, o que se percebe é que a SC 145/2020 teria retrocedido em sua interpretação, na medida em que passou a reconhecer que as subvenções para investimento deveriam, necessariamente, prever mecanismos de aplicação e controle dos recursos obtidos pelo contribuinte. Tal interpretação simboliza o resgate da ideia de sincronismo entre o recebimento dos recursos e sua aplicação, antes combatida. Tão verdade, que essa mesma linha de raciocínio foi reproduzida posteriormente nas Soluções de Consulta n. 55 e 108, ambas de 2021.

Portanto, se num primeiro momento a Receita Federal se posicionou de maneira favorável ao encerramento das discussões que assolavam o judiciário e o administrativo tributário, em um segundo momento as Soluções de Consulta mais recentes trataram de percorrer o caminho inverso.

Assim, a partir da Solução de Consulta n. 145/2020, percebe-se a retomada consubstancial no entendimento da Receita Federal, no sentido de que apenas as subvenções concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos é que podem fazer jus à exclusão da apuração do IRPJ e da CSLL, observados os demais requisitos previstos em lei.

Essa mudança de entendimento sobre o tratamento das subvenções para investimento, seja por conta da Lei Complementar 160/2017, seja pelas Soluções de Consulta da RFB, também repercutiram na esfera do CARF, especialmente quando observamos as decisões dos conselheiros representantes dos contribuintes, que passaram a julgar a matéria excluindo de sua apreciação a necessidade de se perquirir a intenção da lei estadual, no sentido de condicionar os efeitos previstos no art. 30 à expansão do empreendimento e investimento.

Hodiernamente, e com base nas recentes mudanças, é possível admitir três linhas de interpretação sobre o tema.

A primeira linha de argumento adota uma postura pró-fisco, no sentido de que o CARF deve analisar se há intenção na legislação da subvenção em conferir benefícios em prol da expansão dos negócios e investimentos, e também se há a necessidade de existirem na legislação instrumentos de controle e governança desses incentivos por parte do Estado.

Essa interpretação pode ser extraída do Acórdão n. 9101-005.508, por meio da decisão do Conselheiro Luiz Tadeu Matosinho, que, a despeito de reconhecer os efeitos provocados pela Lei Complementar n. 160/2017 – em especial as alterações promovidas pelo acréscimo dos §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei n. 12.973/2014, no tocante à prescrição de que todas as subvenções concedidas pelos Estados são consideradas subvenções para investimento – insistiu em descaracterizar o benefício concedido pelo Estado em subvenção para custeio.

Noutras palavras, essa linha interpretativa descreve que, para incidência da norma prevista no art. 30 da Lei n. 12.973/2014, são necessários: (i) a intenção do Estado de estimular a implantação ou a expansão de empreendimentos econômicos; (ii) o registro em reserva de lucros; (iii) a existência de mecanismos de controle para verificar se as condições dos benefícios estão sendo cumpridas. Essa posição vai ao encontro do entendimento esposado no antigo Parecer Normativo CST n. 112/1978, que apresenta interpretação no sentido de autorizar o julgador ou o agente fiscal a questionarem a própria natureza do incentivo.

Uma segunda interpretação no CARF também surgiu com a mudança legislativa conferida pela Lei Complementar 160/2017, no sentido de que deve ser analisado se a legislação traz indícios de que a subvenção conferida tem como objetivo o estímulo à expansão e investimento no empreendimento, aliado ao preenchimento dos requisitos escriturais contábeis. Essa interpretação faz a ressalva de que não caberia à Receita verificar se há instrumentos de controle e governança desses incentivos.

Essa posição intermediária, capitaneada pelo Conselheiro Fernando Brasil, prescreve que o art. 30 da Lei n. 12.973/2014 não pode ser interpretado excluindo-se o enunciado que prevê que os benefícios fiscais sejam concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, entendendo que essa disposição atua como requisito para a produção dos efeitos da norma que prevê a exclusão dos créditos presumidos de ICMS, na apuração do IRPJ e CSLL.

 O entendimento do Conselheiro Fernando Brasil é referendado pela Solução de Consulta n. 145, de 2020 (e pelas seguintes), que é cristalina ao considerar que as subvenções para investimento, por força do § 4º do art. 30 da Lei n. 12.973/2014, poderão deixar de ser computadas na determinação do lucro real desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei n. 12.973/2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

A terceira e última linha de interpretação é mais ajustada aos argumentos do contribuinte (Acórdãos 9101-005.850, 1402-003.711, 9101-005.508), e sustenta que, com a promulgação da Lei Complementar 160/2017, o fisco só deve observar as condições e os requisitos de escrituração contábeis dessas subvenções.

A partir da análise desse entendimento capitaneado pelo Conselheiro relator Caio Quintella, passou-se a adotar a compreensão de que, após a entrada em vigor da Lei Complementar n. 160/2017, houve um total afastamento de qualquer disposição contida ou fundamento baseado no Parecer Normativo CST n. 112/1978.

Sobre tal posição, inclusive, recentemente um contribuinte ganhou essa discussão no CARF, em que discutiu a cobrança de tributos IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e Cofins, nos anos de 2011 e 2012, sobre os benefícios fiscais de crédito presumido de ICMS, recebidos no Estado da Paraíba, e oriundos do Decreto n. 23.210/2002 (Processo n. 10480.725593/2015-11).

De acordo com o Decreto, estabeleciam-se alguns critérios para o gozo do benefício, como o fato de o estabelecimento ter uma meta de faturamento e a geração de 15 a 30 empregos diretos. O contribuinte, então, sustentava que o benefício concedido deveria ser reconhecido como subvenção para investimento, e que, por isso, não haveria tributação dos referidos tributos. Por outro lado, a União defendia que o benefício utilizado seria uma subvenção para custeio ou operação, ou seja, deveria ser caracterizado como receita, portanto, tributável.

O relator do caso, Conselheiro Alexandre Evaristo, em seu voto prescreveu que o art. 30, § 4º, da Lei n. 12.973/2014 haveria promovido uma equiparação jurídica entre as subvenções de investimento e as subvenções para custeio, o que veda a incidência de tributação sobre quaisquer benefícios fiscais recebidos pelo contribuinte.

Nas palavras do relator: “Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstas neste artigo.

A votação nesse julgado foi contabilizada em 5 votos a favor do contribuinte, contra 3 em favor da União. Os Conselheiros Edeli Pereira Bessa, Fernando Brasil e Luiz Tadeu Matosinho foram contrários, sustentando, em síntese, as posições mais restritas à interpretação da legislação, conforme descrevemos em linhas anteriores no que tange às interpretações alinhadas ao Estado e à posição intermediária.

Resta saber, agora, como o CARF irá assentar sua posição quanto à viabilidade da incidência do art. 30 da Lei n. 12.973/2014 nos casos de isenções e reduções de impostos, no sentido de saber se elas estariam ou não enquadradas como espécies de subvenções para investimento passíveis de exclusão da apuração do IRPJ e da CSLL.

Parte da divergência se dá em razão do argumento de que, nas isenções e reduções de impostos, temos a situação em que não há o que ser reconhecido e excluído da apuração do lucro real, uma vez que as isenções e reduções de impostos não projetam receitas capazes de ser representadas na apuração do lucro real. Assim, poder-se-ia sustentar que essas figuras não são, nem poderiam ser, registradas em conta atinente à reserva de lucros.

No âmbito do CARF ainda não há discussão relativa a isenções e reduções de impostos na exclusão da apuração do IRPJ e da CSLL. Entretanto, cabe apontar que na Solução de Consulta n. 55, de 2020, a própria Receita Federal não trouxe qualquer distinção sobre a aplicação do art. 30 da Lei n. 12.973/2014 no que tange a essas espécies de benefícios fiscais. Ao contrário, a RFB deixa claro seu entendimento quanto ao mesmo tratamento dessas espécies às situações que envolvam créditos presumidos.

Abel Escórcio Filho
Mestre em Direito Tributário pelo IBET, Pesquisador da APET

 

 

Marcelo Magalhães Peixoto
Presidente-fundador da APET (Associação Paulista de Estudos Tributários). Mestre em Direito Tributário PUC-SP

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