Variante Ômicron e os caminhos da reforma tributária
Edison Fernandes
Desde o início da Modernidade, somos conduzidos a buscar solução de problemas por meio de processos analíticos, reducionistas e disjuntivos (Edgar Morin). Como nos propôs René Descartes, precisamos fragmentar o objeto de estudo e analisar cada parte separadamente. Assim surgiram as especialidades e a maior delas a separação entre ciências naturais e ciências humanas (separar a saúde e a economia na pandemia decorre desse pensamento moderno; buscar soluções de maneira conjunta é um suspiro de não-modernidade).
Um método de estudo que sobreviveu à modernidade talvez seja a antropologia, como sustenta Bruno Latour. Os estudo sobre etnias, por exemplo, povos indígenas ou originários, relaciona desde a linguagem até a medicina, desde a religião até a organização social, passando pela educação, pela difusão da cultura, pela agricultura etc. Não há estudo das partes, mas do todo e de como essas questões se relacionam.
Seguindo esse raciocínio, é interessante notar que estamos vivenciando algo como uma “antropologia da vacina”: em um mesmo programa jornalístico temos lado a lado, em debate, uma representante da medicina ou das ciências biológica, um cientista político, uma jornalista da área de economia, além de especialistas em relações internacionais e ecologia. Com esse emaranhado de especialidade, é possível concluir que a variante Ômicron decorre do baixo índice de vacinação em locais de baixa riqueza econômica, mas que pode se alastrar para e em locais de economia rica, mas que cultural ou ideologicamente são contra a vacina. A resposta definitiva ao coronavírus, portanto, não será dada por uma única especialidade.
Mas o que isso tem a ver com a reforma tributária no Brasil? Muita coisa.
Até agora, a principal discussão sobre reforma tributária ficou restrita aos técnicos, aos especialistas, e entre eles disputam a hegemonia do “objeto” economistas e justributaristas. Acontece que quando algum texto entra no Congresso Nacional, ele é apropriado pelos políticos (absolutamente natural!). Nesse momento, interesses eleitorais e ideologia inevitavelmente entram em cena – e não há como ser diferente, a menos que nos tornemos uma “república de sábios” (o que é difícil no ambiente democrático).
Com isso, a mim me parece estranho e impossível afastar os interesses políticos e econômicos e as diretrizes ideológicas da discussão sobre reforma tributária – além das percepções psicológicas ou das implicações sociológicas.
Técnica tributária é diferente de política tributária: esta requer escolhas para a condução do país (não que a técnica esteja imune a escolhas!).
Que essas escolhas de política tributária, então, sejam transparentes; que os interesses se mostrem e apareçam. Vejamos, como resultado, a que o processo democrático nos conduz.
Fonte Valor Econômico
Edison Fernandes
Professor doutor da FEA-USP, do CEU-IICS Escola de Direito e da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas