Uma perspectiva fiscal sobre a reforma da lei de recuperação de empresas

Daniel Báril, Guilherme Queirolo Feijó

Quando o fatídico ano de 2016 alcançava seu desfecho, o Ministério da Fazenda, por meio da Portaria 467, instituiu um grupo de trabalho “com a finalidade de estudar, consolidar e propor medidas voltadas ao aprimoramento da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e de outros instrumentos legais associados aos temas de recuperação e falência de empresas”, contando com a participação de representantes do Ministério da Fazenda, do Banco Central do Brasil e de especialistas com notória especialização na área.

Após profícuos debates — e considerando o limitado “prazo para conclusão dos trabalhos de 120 (cento e vinte) dias” —, o grupo apresentou sua proposta de melhoria aos regimes de crise das empresas ao Ministério da Fazenda. Desde então, os stakeholders envolvidos com o tema da insolvência (empresários, advogados, economistas) aguardam ansiosamente o desenlace do tema, eis que foi sem precedentes a crise (institucional, política, econômica) pela qual perpassou a nação nos últimos anos.

Fato é que, ainda que se esteja em meio a contexto de reforma, a Lei 11.101/2005 — já com 13 anos de vigência — representou um marco importante no sistema brasileiro de insolvências. Reconhece-se que, em face dos novos desafios enfrentados, alguns pontos específicos da lei merecem adequação, tal qual ocorreu com as legislações estrangeiras; no entanto, em caso de reforma, há que se ter o cuidado de preservar a estrutura normativa e a importante cultura jurídica construída nesse período.

Pois bem. Agora, já adentrado no ano de 2018, a informação é que o projeto se encontra finalizado, aguardando o momento político mais adequado para envio ao Congresso, conforme noticiado nos meios de comunicação. Ocorre que a versão do projeto que circula, contemplando medidas propostas pelo grupo de trabalho, inegavelmente incorporou de modo sensível características imprimidas pela pauta que é cara ao Ministério da Fazenda.

Conforme sempre indicou o ministro Henrique Meirelles, o principal escopo da reforma consistiria em “facilitar o processo de retomada da atividade das empresas em dificuldade (…) e ajudar as empresas a sair da crise e superar os processos judiciais”, o que atende à vontade do governo de enfrentamento da crise.

Assim, o projeto endereça temas essenciais ao mercado, dentre os quais o regramento da insolvência transfronteiriça, a liberdade para classeamento dos credores pelo plano de recuperação, o regramento da recuperação de grupos empresariais, a modificação dos critérios de cram down, o regramento das hipóteses de voto abusivo pelos credores e a vedação de distribuição de lucros aos sócios durante o processo de recuperação judicial.

Entretanto, é inegável que, considerando o déficit fiscal existente, o projeto, na sua atual versão, também tem por objetivo (precípuo?) retirar o Fisco da situação paradoxalmente problemática em que se encontra nos processos de recuperação judicial regidos pela lei vigente. Isso porque o tratamento legal e jurisprudencial dispensado à Fazenda lhe fez assentar em espécie de “limbo”, que se explica, essencialmente, pela aplicação do princípio do juízo universal na recuperação judicial e, ainda, pelo entendimento há muito consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido da dispensa de apresentação de certidões de regularidade fiscal pela empresa em recuperação, que teve origem na inexistência de legislação específica que autorizasse o parcelamento das dívidas tributárias para empresas em recuperação, mas que se manteve, ainda de que maneira não consensual, mesmo após a edição da Lei 13.043/2014.

Resultado disso é que, de um lado, o Fisco não tem conseguido obter a satisfação de seus créditos contra empresas em recuperação judicial por meio das execuções fiscais e, de outro, igualmente não lhe tem sido garantida a regularização dos débitos fiscais das empresas recuperandas.

Com a reforma programada, porém, a situação do Fisco parece sofrer considerável alteração, com nuances preocupantes à efetividade do mecanismo de recuperação às empresas em crise. Nesse sentido, prevê-se que, ainda na fase inicial do processo de recuperação judicial — quando do deferimento do processamento da recuperação judicial —, deverá o juízo exigir prova de regularidade fiscal da devedora perante as Fazendas Públicas, sob pena de extinção do processo de recuperação judicial sem resolução do mérito.

Outrossim, atribui-se maior poder à Fazenda pela outorga de legitimidade para requerer a falência do devedor que, tendo encerrado seu processo de recuperação judicial, for excluído do referido programa de parcelamento. Por fim, dispõe o projeto ser possível a efetivação de atos expropriatórios (como a constrição e a alienação de bens e direitos) ordenados pelo juízo que processe a execução fiscal respectiva, afastando a interferência do juízo da recuperação judicial nesse tocante.

Diante disso, resta aguardar a evolução do trâmite legislativo, sempre passível de alterações, e, se e quando aprovado o projeto de reforma, a evolução jurisprudencial da matéria nos tribunais superiores, que fora tão relevante nestes primeiros 13 anos de vigência da Lei 11.101. Fonte: Conjur

Daniel Báril, Guilherme Queirolo Feijó

Daniel Báril é sócio do Silveiro Advogados.

Guilherme Queirolo Feijó é sócio do Silveiro Advogados.

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