Tributos de lançamento por homologação e decadência – A oscilação do prazo causa insegurança jurídica
Kiyoshi Harada
Se há matéria que merece uma nova disciplinação na cogitada reforma do Código Tributário Nacional é aquela pertinente à decadência e prescrição.
Não basta a doutrina proclamar que ambas extinguem o crédito tributário e que a prescrição sucede a decadência no tempo, sem hiato, servindo o lançamento como marco divisor: antes do lançamento flui o prazo decadencial e depois do lançamento inicia-se a fluência do prazo prescricional. Saber quando inicia a prescrição é matéria que implica definir quando se tem por constituído definitivamente o crédito tributário, cuja discussão doutrinária e jurisprudencial parece não ter fim.
Mas, não é esse o tema deste artigo que diz respeito ao termo inicial da decadência nos tributos de lançamento por homologação.
Sempre advogamos a tese de que aplica-se ao caso o disposto no § 4º, do art. 150 do CTN:
"Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
(…)
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação."
Conforme se verifica na oração principal do caput (em negrito) é a autoridade administrativa quem homologa a atividade exercida pelo obrigado (não necessariamente o pagamento). Nem poderia ser de outra forma, porque o lançamento é procedimento administrativo vinculado e obrigatório, sob pena de responsabilidade funcional (parágrafo único, do art. 142, do CTN).
Nessa modalidade de lançamento a constituição definitiva do crédito tributário ocorre no momento em que a autoridade administrativa toma conhecimento da atividade exercida pelo sujeito passivo e a homologa. Opera-se simultaneamente a constituição definitiva do crédito tributário e a sua extinção (§ 1º, do art. 150, do CTN). Não homologado, total ou parcialmente o pagamento antecipado, abre-se a oportunidade para lançamento de ofício, porém, dentro do prazo decadencial previsto no § 4º retro transcrito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
De início, a jurisprudência do STJ era no sentido de somar o prazo do § 4º, do art. 150 ao prazo do art. 173, I do CTN – a tese dos 5 + 5 anos – que, aliás, daria 11 anos, pois exclui-se o exercício dentro do qual o lançamento poderia ser efetuado. Sempre que não houver qualquer antecipação do pagamento dever-se-ia aguardar o decurso do prazo do § 4º, findo o qual se iniciaria a contagem do prazo do art. 173, I, do CTN.
Mais recentemente, o STJ abandonou a tese dos 5 + 5 anos para fixar-se no prazo do art. 173, I do CTN sempre que não houver antecipação parcial do tributo por parte do contribuinte.
É o que ficou decidido no Resp. nº 973.733 cuja ementa é a seguinte:
"EMENTA. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL. ARTIGO 173, I, DO CTN. APLICAÇÃO CUMULATIVA DOS PRAZOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 150, § 4º, e 173, do CTN. IMPOSSIBILIDADE.
1. O prazo decadencial qüinqüenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito (Precedentes da Primeira Seção: REsp 766.050/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 28.11.2007, DJ 25.02.2008; AgRg nos EREsp 216.758/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 22.03.2006, DJ 10.04.2006; e EREsp 276.142/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 13.12.2004, DJ 28.02.2005).
2. É que a decadência ou caducidade, no âmbito do Direito Tributário, importa no perecimento do direito potestativo de o Fisco constituir o crédito tributário pelo lançamento, e, consoante doutrina abalizada, encontra-se regulada por cinco regras jurídicas gerais e abstratas, entre as quais figura a regra da decadência do direito de lançar nos casos de tributos sujeitos ao lançamento de ofício, ou nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação em que o contribuinte não efetua o pagamento antecipado (Eurico Marcos Diniz de Santi, "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 163/210).
3. O dies a quo do prazo qüinqüenal da aludida regra decadencial rege-se pelo disposto no artigo 173, I, do CTN, sendo certo que o "primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado" corresponde, iniludivelmente, ao primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato imponível, ainda que se trate de tributos sujeitos a lançamento por homologação, revelando-se inadmissível a aplicação cumulativa/concorrente dos prazos previstos nos artigos 150, § 4º, e 173, do Codex Tributário, ante a configuração de desarrazoado prazo decadencial decenal (Alberto Xavier, "Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro", 3ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2005, págs. 91/104; Luciano Amaro, "Direito Tributário Brasileiro", 10ª ed., Ed. Saraiva, 2004, págs. 396/400; e Eurico Marcos Diniz de Santi, "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 183/199).
5. In casu, consoante assente na origem: (i) cuida-se de tributo sujeito a lançamento por homologação; (ii) a obrigação ex lege de pagamento antecipado das contribuições previdenciárias não restou adimplida pelo contribuinte, no que concerne aos fatos imponíveis ocorridos no período de janeiro de 1991 a dezembro de 1994; e (iii) a constituição dos créditos tributários respectivos deu-se em 26.03.2001.
6. Destarte, revelam-se caducos os créditos tributários executados, tendo em vista o decurso do prazo decadencial qüinqüenal para que o Fisco efetuasse o lançamento de ofício substitutivo.
7. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (Resp nº 793.733 – SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 18-9-2009).
O CARF, que vinha aplicando o prazo do § 4º, do art. 150 do CTN, passou a adotar novo posicionamento aplicando o prazo do art. 173, I, do CTN que amplia o prazo decadencial dos tributos de lançamento por homologação de cinco para seis anos, sempre que não houver pagamento parcial do tributo.
Esse novo posicionamento do plenário do CARF ocorreu em virtude do acórdão proferido no citado Resp. de nº 973.733, julgado como repetitivo (art. 543-C do CPC).
Com isso, faz-se tábula rasa ao disposto no § 4º que ressalva apenas as hipóteses de dolo, fraude ou simulação.
Como verificamos do exame do caput, do art. 150, o que se homologa não é o pagamento antecipado, mas a atividade exercida pelo contribuinte, esta sim sujeita à homologação expressa ou tácita no final do decurso do prazo qüinqüenal, a contar da data de ocorrência do fato gerador.
Mas, o que mais insegurança jurídica traz não é apenas a alteração jurisprudencial. O que causa perplexidade é a coexistência de decisões antagônicas.
Prescreve a Súmula 436 do STJ:
"A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco."
Dessa forma, com o recebimento da GIA/DCTF ou outro documento equivalente o Fisco homologa tacitamente a atividade exercida pelo contribuinte, constituindo definitivamente o crédito tributário, sem necessidade de aguardar o decurso do prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador, como dispõe o § 4º, do art. 150, do CTN.
Lembre-se que a constituição do crédito tributário é ato privativo do agente administrativo (art. 142 e art. 150, do CTN). Em outras palavras, com a entrega da GIA/DCTF ao Fisco dá-se, ipso fato, a constituição definitiva do crédito tributário por homologação tácita.
A primeira consequência do enunciado dessa súmula é que a homologação tácita pelo Fisco não extingue o crédito tributário, senão após o seu pagamento. Assim, surgem momentos distintos para a constituição do crédito tributário e para a sua extinção, inovando a doutrina vigorante e afastando-se dos textos do CTN.
O que o CTN permite é a homologação expressa do Fisco no ato do recebimento da declaração do contribuinte ou poucos dias após esse recebimento. A homologação tácita pressupõe decurso do prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador. Ao teor da súmula em questão fica o contribuinte impossibilitado de promover a denúncia espontânea da infração (art. 138 do CTN), pois não será mais possível requerer a rerratificação das informações prestadas seguida, se for o caso, do pagamento da eventual diferença, acrescida de juros e correção monetária.
Considerando que a Súmula 436 do STF foi editada e publicada em 13-5-2010 segue-se que o decidido em caráter repetitivo no Resp. nº 573.733 em 2009 não mais prevalece.
Entretanto, como vimos, o pleno do CARF está aderindo, por maioria de votos, à tese esposada naquele Resp. nº 973.733, que se acha suplantada pela Súmula 436.
A confusão é generalizada, gerando insegurança jurídica.
Embora o CTN fixe o prazo decadencial de 5 anos aplicável a todos os tributos na forma da Súmula vinculante nº 8 do STF, já tivemos o prazo de 5 anos, de 10 anos, de 6 anos e agora prazo zero. É muita oscilação considerando que o textos do CTN que regem a matéria em nada mudaram desde o seu advento.
Tanto a tese dos 5 + 5, como a tese da aplicação do prazo do art. 173, I, do CTN, assim como a tese da constituição definitiva do crédito tributário pela entrega da declaração do contribuinte reconhecendo o débito é fruto do ativismo judicial que está se acentuando cada vez mais, nem sempre para suprir a omissão do legislador, mas para "legislar" em sentido diverso.
Só a vontade imparcial da lei estável, certa ou errada, pode propiciar segurança jurídica aos contribuintes.
Kiyoshi Harada
Sócio fundador da Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos - Cepejur. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo e ex-Diretor da Escola Paulista de Advocacia.