Split Payment: contribuições da experiência internacional

Bruno Werner Manfron

A adoção do “split payment” como forma de liquidação dos tributos é uma das inovações da reforma tributária, e a experiência internacional com o mecanismo pode nos auxiliar a aprimorá-lo.

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Sempre que se está diante de alguma reforma legislativa significativa o ambiente se torna caótico. Por tratar de temas que refletem diretamente nos cofres públicos — afinal, a tributação é uma das, se não a principal, fonte de receita do Estado (lato senso) — é que se presencie debates mais intensos.

E o objeto do presente artigo é justamente um dos pontos mais controversos da reforma: o denominado “split payment”. Na opinião do autor, é a alteração mais significativa que a Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023 traz, uma vez que altera totalmente a realidade dos contribuintes.

Apesar de já ser uma realidade, tendo em vista sua previsão constitucional, entende-se que o ponto ainda deve ser objeto de muito estudo e de análises comparativas com outras jurisdições que se utilizam de tal mecanismo. Isso porque, há espaço para melhoras no mecanismo.

Reforma tributária e split payment
Em termos gerais, o “Split Payment” consiste em uma sistemática em que se altera o momento do recolhimento dos tributos, antecipando-os para o momento da liquidação financeira da operação. Atualmente, o fornecedor recebe o valor cheio, embutidos os tributos incidentes, e no final do período de apuração (geralmente mensal), ele recolhe aos cofres públicos apenas a diferença entre os créditos e os débitos existentes, de acordo com sua apuração.

A pretensão, com o novo mecanismo, é de a liquidação financeira do tributo ser antecipada (no caso da IBS e da CBS, na aquisição do bem ou do serviço), com a divisão (origem e tradução do termo “Split”) dos valores: o fornecedor recebe apenas o valor líquido, e os tributos são recolhidos diretamente aos cofres públicos.

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A Emenda Constitucional nº 132/2023 introduziu no sistema normativo brasileiro, em seu artigo 156-A, parágrafo 5º, inciso II, alínea ‘b’, a previsão do recolhimento do imposto no momento da “liquidação financeira da operação”[1].

Posteriormente, aprovou-se, na Câmara dos Deputados, o texto do PLP nº 68/2024, que pretende regulamentar a reforma tributária, prevendo-se três modalidades de “Split Payment”, a fim de adequá-lo a todos os arranjos de pagamento (PIX, boleto, dinheiro, cartões, etc).

A primeira modalidade é a denominada “inteligente” (artigo 52, parágrafo 3º), em que o meio de pagamento é obrigado a consultar o sistema do Comitê Gestor do IBS para recolher apenas a diferença entre o valor incidente na operação e o montante de imposto já recolhido anteriormente, via compensação de créditos do fornecedor.

Após, introduziu-se a modalidade “simplificada” (artigo 53), que será uma opção do contribuinte, voltada especificamente para quem realiza vendas no varejo para não contribuintes. A segregação será realizada com base em um percentual pré-estabelecido pelo Comitê Gestor do IBS, para a IBS, e pela RFB, para a CBS.

A terceira e última modalidade é a denominada “manual”, destinada a pagamentos em meios não eletrônicos, em que o pagamento da parcela dos tributos será realizado de forma separada, em um prazo pré-estabelecido.

Ponto importante foi a redução do prazo inicialmente previsto para ressarcimento, constando o prazo de 30 dias para análise, destinado àqueles contribuintes que se enquadram em “programas de conformidade” da RFB, e 15 dias para o efetivo ressarcimento. Para os demais casos, a análise permanece no prazo de 60 dias.

Vale dizer que a aprovação do PLP nº 68/2024 já trouxe aprimoramentos ao mecanismo, em comparação ao que estava inicialmente previsto. Contudo, sendo um dos pontos de enfoque do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária, observa-se a necessidade de, ainda, lapidação e melhorias.

Para isso, é mandatório que se analise as lições da experiência internacional com o “Split Payment”, a fim de avançarmos no desenho de um mecanismo que efetivamente funcione e não traga onerações excessivas aos contribuintes.

Lições da experiência internacional
Pois bem, para isso, o ponto inicial da análise passa por um estudo elaborado pela Deloitte, encomendado pelo VAT Comittee da União Europeia, sobre os impactos da adoção do “Split Payment” como um método alternativo de arrecadação[2]. Analisou-se, no trabalho, os modelos já existentes e sua efetividade, assim como os custos atrelados à sua adoção, desenhando-se uma série de cenários comparativos.

E o resultado obtido demonstra a necessidade de maiores análises quanto ao tema: não foi possível encontrar evidências concretas de que os benefícios da adoção do “Split Payment” superam seus ônus, caracterizando o mecanismo como “medida direcionada e de alcance restrito”[3].

Apesar de cumprir com as pretensões fiscais, os custos decorrentes do aumento da complexidade do sistema, encargos administrativos e impacto no fluxo de caixa das empresas superaram os benefícios projetados.

Dentre as recomendações de melhoria apontadas pela Deloitte, a mais marcante é quanto à necessidade de desenvolvimento de processos mais céleres para a devolução do IVA, preocupação necessária no âmbito brasileiro da reforma tributária.

Passa-se, assim, à análise de alguns casos específicos, a começar pela Bulgária. O país adotou o mecanismo antes da sua adesão à União Europeia, em 2003, durando apenas até 2007, e tinha como objetivo acelerar e garantir o reembolso do IVA de forma ágil e eficiente, além de ser um óbice à fraude e à evasão fiscal e fornecer mais informações às autoridades fiscais sobre o faturamento das empresas[4].

A sua experiência foi breve, representando um resultado negativo, pois não foi possível atingir os objetivos de combate às fraudes fiscais e evasão do IVA, assim como não representou um aumento significativo na coleta do IVA.

Além disso, observou-se um aumento excessivo nos custos administrativos tanto para as empresas submetidas ao regime, quanto para a administração tributária.

Adiante, segundo consta no estudo da Comissão Europeia[5], já citado anteriormente, a Itália passou a adotar o “Split Payment” em 2015 apenas em operações realizadas para autoridades públicas e realizadas por meio de transferências bancárias. Nesse sistema, o consumidor realizava dois pagamentos: parte ao fornecedor e parte à conta bancária do governo.

Posteriormente, o mecanismo foi ampliado, abrangendo empresas controladas por autoridades públicas e determinadas empresas listadas em bolsa de valores.

Os resultados observados consistem no aumento da eficácia da arrecadação por parte do Fisco, e, também, uma melhora no fluxo de caixa do Estado, pois a arrecadação é antecipada. Por outro lado, observou-se um aumento nos custos administrativos para implementação do mecanismo e uma dificuldade no que diz respeito ao prazo para o ressarcimento dos créditos do IVA.

Ainda assim, a Itália obteve autorização da Comissão Europeia[6] para prorrogar a aplicação do “Split Payment”, aplicando-se aos mesmos sujeitos já obrigados anteriormente.

Por fim, mostra-se relevante observar o caso da Polônia[7], uma vez que ela está servindo como um modelo de testes para a União Europeia, no que diz respeito à implementação do “Split Payment” de modo mais amplo. O mecanismo foi introduzido em julho de 2018, tornando-se obrigatório em novembro de 2019, para operações B2B (“business-to-business”) em determinados setores, como resíduos, metais, construção, eletrônicos etc.

Interessante notar que as autoridades fiscais polonesas se preocuparam em estruturar o mecanismo de forma reduzir impactos no fluxo de caixa das empresas, com um período curto de reembolso do IVA excedente (25 dias), além de isentar os meios de pagamento da responsabilidade solidária pelo IVA (medida acertada do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária no substitutivo apresentado).

Conclusão
O objetivo da introdução do “Split Payment” no ordenamento brasileiro parece nobre: reduzir a complexidade, automatizando os pagamentos[8], além da redução na sonegação fiscal, retirando do âmbito de responsabilidade do contribuinte a apuração e recolhimento dos tributos, e do aumento na eficiência arrecadatória, uma vez que, “com a segregação automática dos impostos, o processo de arrecadação se torna mais rápido e eficiente” [9].

Contudo, como diz o ditado popular, “de boas intenções o inferno está cheio”. Por essa razão, temos a obrigação de compreender o mecanismo e como ele funciona na prática, observando jurisdições que já o adotaram, para que possamos lapidá-lo (ainda mais) ao cenário brasileiro, evitando que se onere ainda mais o contribuinte brasileiro.

Apesar dos avanços que o texto substitutivo do PLP nº 68/2024, recentemente aprovado, já trouxe, pode-se questionar os propósitos da introdução de tal mecanismo no ordenamento jurídico brasileiro: a proposta de regulamentação do “Split Payment”, como está hoje, é condizente com os princípios constitucionais da simplicidade, transparência e justiça tributária (artigo 145, parágrafo 3º da Constituição)?

A busca dessas respostas invariavelmente passa pela análise dos resultados da introdução do “Split Payment” em outras jurisdições. E, neste sentido, destaca-se a conclusão do relatório da Comissão Europeia: trata-se de uma “medida direcionada e de alcance restrito”.

O Grupo de Trabalho da Reforma Tributária avançou, acertadamente, em alguns pontos sensíveis quanto ao tema. Porém, ainda assim, permanece a dúvida da real necessidade de torná-lo obrigatório a todos os sujeitos passivos.

Recentemente, o magistral prof. Gustavo Brigagão proferiu entrevista defendendo que o “Split Payment” deveria ser “opcional e restrito a alguns setores com índices de fraudes mais elevados”[10].

Quanto à questão da opcionalidade, parece um objetivo distante. Mas, quanto à destinação da medida a alguns setores, a exemplo do que está fazendo a Polônia, acredita-se ser a alternativa mais eficaz, sob pena de não cumprirmos com a redução da complexidade tributária no Brasil e, ainda, não observar os princípios constitucionais norteadores da reforma tributária brasileira.

[1] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República.

[2] UNION., European Commission. Directorate General For Taxation And Customs; DELOITTE.. Analysis of the impact of the split payment mechanism as an alternative VAT collection method: final report.. European Comission, [S.L.], v. 0, n. 0, p. 1-370, dez. 2017. Publications Office. http://dx.doi.org/10.2778/649636, disponível em: https://op.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/b87224ad-fcce-11e7-b8f5-01aa75ed71a1/language-en

[3] “Therefore, broad application of split payment is likely to be an unattractive policy tool, given significant rise in costs for business and authorities. However, it has characteris-tics that are very effective in reducing certain types of fraud and therefore may be suited as a targeted measure with limited scope.” (UNION., European Commission. Directorate General For Taxation And Customs; DELOITTE.. Analysis of the impact of the split payment mechanism as an alternative VAT collection method: final report.. European Comission, [S.L.], v. 0, n. 0, p. 1-370, dez. 2017.).

[4] FINANCIAL LAW REVIEW. Gdansk (Pol): Jagiellonian University Press, v. 21, 2021. Trimestral. Disponível em: https://ejournals.eu/en/journal/financial-law-review/issue/issue-21-1-2021. Acesso em: 10 jul. 2024.

[5] [5] UNION., European Commission. Directorate General For Taxation And Customs; DELOITTE.. Analysis of the impact of the split payment mechanism as an alternative VAT collection method: final report.. European Comission, [S.L.], v. 0, n. 0, p. 1-370, dez. 2017

[6][6] Disponível em: https://www.mef.gov.it/ufficio-stampa/comunicati/2023/Fisco-in-arrivo-rinnovo-split-payment.-In-via-di-conclusione-procedura-Ue/

[7] FINANCIAL LAW REVIEW. Gdansk (Pol): Jagiellonian University Press, v. 21, 2021. Trimestral. Disponível em: https://ejournals.eu/en/journal/financial-law-review/issue/issue-21-1-2021. Acesso em: 10 jul. 2024.

[8] TAKAHASHI, Rodrigo. Split Payment e o fim do eterno Sísifo fiscal. 2024. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/split-payment-e-o-fim-do-eterno-sisifo-fiscal/. Acesso em: 10 jul. 2024.

[9] SOUZA, Eléia Alvim Barbosa de. Split payment: realidade da nova forma de segregação de pagamento. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jun-22/split-payment-nova-forma-de-segregacao-de-pagamento/. Acesso em: 10 jul. 2024.

[10] Disponível em: https://www.poder360.com.br/economia/especialistas-divergem-sobre-aplicacao-de-split-payment-na-tributaria/#:~:text=Para%20Gustavo%20Brigag%C3%A3o%2C%20presidente%20do,desistiram%20da%20ado%C3%A7%C3%A3o%20do%20sistema.

Bruno Werner Manfron

advogado e sócio do Zimmermann Almeida Advogados, com enfoque na área tributária e empresarial.

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