Sobre a criação da Justiça Tributária
Renato L. Becho
A reforma da tributação sobre o consumo criou dois impostos idênticos: o IBS e a CBS. A legislação é a mesma, mas a administração, fiscalização e julgamento do contencioso administrativo foi repartida: o Comitê Gestor, composto por representantes de Estados, Distrito Federal e municípios, para o IBS; a Receita Federal e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para a CBS.
Na fase dos processos judiciais, se nada for feito, os contribuintes de atuação nacional poderão ajuizar em torno de 280 ações idênticas quando quiserem se insurgir sobre o IBS e a CBS. Conforme expusemos nesse mesmo espaço, há ao menos outras duas opções sendo pensadas: a criação de uma Justiça Tributária, nos moldes das Justiças Trabalhista, Eleitoral e Militar, ou a unificação da litigiosidade na Justiça Federal. Nesse texto, gostaríamos de desenvolver a ideia da Justiça Tributária, expondo alguns aspectos que a sociedade precisa ter conhecimento, notadamente quanto ao investimento necessário.
O ambiente que temos é o de mais fácil acesso ao Poder Judiciário do mundo, com ampla gama de recursos. Comparando-se com um esporte, seria um misto de maratona (processos judiciais que demoram até vinte anos) com corrida de obstáculos (diversos agravos e embargos) em quatro níveis de jurisdição. Ao vencedor cabe, na execução, refazer toda a trajetória! O resultado são 82 milhões de processos judiciais, largamente à frente do segundo colocado, a Índia, em seus 45 milhões de ações, para uma população 7 vezes maior do que a nossa. Nenhuma litigiosidade, com tantos desafios internos, ombreia a brasileira.
Tamanha abertura de serviço público gera investimento elevado e proporcional. É fácil localizar na mídia notícias, reportagens e opiniões a respeito do custo do Poder Judiciário brasileiro, normalmente apontando para a remuneração de juízes. Se é esse o problema, a Justiça Tributária pretende aproveitar magistrados das atuais Justiças estaduais e federal, que não perderiam seus vínculos com as instituições de origem. Tal medida atende a um legítimo anseio político – todos os órgãos da Justiça comum nacional participariam da Justiça Tributária – e outro econômico, não onerando o órgão a ser criado com a folha de salários dos julgadores.
Porém, os juízes brasileiros necessitam de servidores. Para atingir a altíssima produtividade que apresentam, há uma imprescindível força de trabalho que atua ao lado dos julgadores. É fácil compreender que, para um desembargador federal decidir 20 processos por dia, sua equipe precisa ser numerosa, bem treinada e bem remunerada. Considerando que as estruturas judiciais são divididas entre secretaria e gabinete, acreditamos que, na Justiça Tributária, para cada juízo de primeiro grau devem ser contratados 15 servidores, ao menos dobrando o número para os de segundo grau.
Além de magistrados e servidores diretamente relacionados aos processos, há que se prever grandes investimentos em informática, tanto em pessoal qualificado quanto em máquinas, inclusive centrais telefônicas e pessoas para atendimento, imprescindíveis atualmente para auxiliar os usuários quando os sistemas informatizados estão indisponíveis.
Os proponentes da Justiça Tributária devem prever, também, espaços físicos compatíveis. A informatização dos feitos não prescinde de encontros físicos, quer seja com magistrados e suas equipes, quer seja com o público externo. A experiência comprova que uma estrutura inteira em home office não funciona bem. Trabalhar em casa pode ser útil pontualmente, mas não para todos os envolvidos. Advogados, por exemplo, constantemente solicitam atendimento presencial. E os magistrados atuantes em órgãos colegiados conhecem a utilidade de sessões de julgamento presenciais.
Provavelmente, haverá necessidade de ampliação das Justiças atuais. Hoje, notadamente pressionados por metas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e por todas as corregedorias, os tribunais do país funcionam, no mais das vezes, aquém de suas demandas. Se magistrados das Justiças comum passarem a atuar na Justiça Tributária, é de se prever pressões por reposição da força de trabalho nos seus órgãos de origem.
Pelo exposto, a proposta da Justiça Tributária deve ser apresentada junto com os investimentos necessários. Provavelmente, ela demandará mais recursos do que a Justiça Eleitoral, de certa forma sazonal e com litigância pontual; e menos do que a Justiça do Trabalho. Todavia, se a sociedade quiser que a solução dos conflitos tributários se dê na mesma rapidez com que são finalizadas as disputas laborais, deve se preparar para valores semelhantes. Nos parece razoável que eles sejam repartidos entre a União e o Comitê Gestor do IBS.
Por fim, mas não menos importante: até onde irá a proposta pela Justiça Tributária? Ela tanto pode ser aprovada como órgão jurisdicional de primeiro e segundo graus, cujos recursos especiais serão decididos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ); quanto envolver, também, a criação de um Superior Tribunal Tributário, à semelhança do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Superior Tribunal Militar (STM) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em qualquer cenário, é de se supor que os recursos extraordinários serão mantidos no Supremo Tribunal Federal (STF).
Continuamos acreditando que a federalização do IBS seja a melhor opção para a sociedade brasileira. Ela talvez exija alguma adaptação da Justiça Federal, para absorver eventual ampliação da demanda atual. Mas isso pode ser feito aos poucos, a partir de dados concretos.
Renato L. Becho
desembargador Federal no TRF-3 e professor doutor de Direito Tributário na PUC-SP