Retrospectiva: 2017 foi o ano das grandes esperas

Raul Haidar

“Levei vinte anos para começar a fazer alguma coisa que prestasse. A turma do deixa disso não dava trégua. Diziam que o avião não seria fabricado e se fosse não venderia. Mas desistir não faz parte do meu dicionário.”
(Ozires Silva, ex-presidente da Embraer, in Gazeta Mercantil, 8/12/2008)

Ao nos aproximarmos do fim do ano, temos o hábito de ver o que aconteceu até aqui e o que podemos esperar para o próximo. Na escola da vida já aprendi que a palavra desistir não deveria fazer parte dos dicionários, como afirmou Ozires Silva, na citação que abre esta coluna.

Lamento informar aos leitores que 2017 foi apenas um ano de grandes esperas. Sou otimista ao ponto de já ter escrito em 11 de agosto de 2013 artigo afirmando que a Advocacia é a profissão das esperanças.

Mas foi na coluna de 19 de junho deste ano, Perdei toda a esperança, vós que entrais, disse a contadora que virou psicóloga, onde registrei um certo desencanto com posicionamentos de nossas autoridades, que não cumprem suas obrigações, que sempre adiam suas promessas, enfim, que demonstram apenas o seu desejo de perpetuar-se no poder.

Admitindo a possibilidade de que em 2018 resolvam, enfim, fazer alguma coisa, eis o que podemos esperar:

Reforma da Previdência: Esgotado o estoque de negócios ou negociatas, nomeações, verbas e similares, o assunto ficou como a primeira dessas grandes esperas. Não podemos consertar o passado de irresponsabilidades com que as finanças públicas deste país, em todos os níveis, foram estraçalhadas. Mas temos a obrigação de estancar a sangria, cessar a loucura, parar com a insensatez. Invoquemos, mais uma vez, a eterna lição de Marco Túlio Cícero (106–43 a.C):

“O orçamento deve ser equilibrado, o Tesouro Público deve ser reposto, a dívida pública deve ser reduzida, a arrogância dos funcionários públicos deve ser moderada e controlada, e a ajuda a outros países deve ser eliminada, para que Roma não vá à falência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver às custas do Estado”.

Uma ampla revisão da previdência oficial deve ser feita “para que Roma não vá à falência”. Não é justo nem útil que pessoas possam se aposentar com menos de 50 anos de idade. Quem tenha patrimônio próprio capaz de remunerar seu ócio pode usá-lo como queira. Conheço um cidadão que se tornou herdeiro de um edifício com muitos apartamentos alugados. Essa renda é suficiente para permitir que ele viva bem, dedicando-se apenas ao que gosta: pescaria.

No caso da Reforma da Previdência, o presidente Temer disse que adiar a votação “para 19 de fevereiro foi ótimo, porque a matéria é difícil e os deputados vão perceber, durante o recesso, que não há oposição feroz ao tema.” Uma semana depois do Carnaval, realmente ninguém é feroz. Esperemos, pois.

Reforma Tributária: Os leitores certamente estão cansados de tantas matérias que aqui publiquei sobre o assunto. A mais recente é a de 11 de setembro último, quando afirmei que Prefeitos podem atrapalhar reforma tributária no país. A mais antiga já tem mais de 18 anos! Foi publicada como artigo em 8 de abril de 1999 sob o título Imposto Mínimo e Loucura Máxima.

Na mais recente conclui com uma “profecia” muito óbvia:

“Vemos, portanto, que o debate sobre a reforma tributária vai se alongar por algum tempo. Isso pode impedir sua aprovação neste ano e é mais provável que só seja aprovada em 2018, para vigorar a partir de 2019.”

Naquela de 18 anos atrás, tentei apontar um caminho:

“Qualquer coisa que se pretenda denominar de Reforma Tributária deve ater-se ao que o País precisa para progredir: redução da carga tributária, simplificação da burocracia fiscal, eliminação das incidências cumulativas e diminuição dos encargos sociais e trabalhistas.”

A carga tributária continua desproporcional aos benefícios que recebemos. O governo federal está promovendo ampla campanha publicitária com fins eleitoreiros. A Veja desta semana traz duas páginas coloridas com o tema “Pare e Compare”, onde há indicadores de inflação, taxa básica de juros e outros índices mais. Nada sobre carga tributária.

Não há avaliação confiável sobre isso. Notícia de 6 do corrente, quarta-feira, afirma que já pagamos R$ 2 trilhões de imposto até essa data. Mais: esse valor foi atingido 23 dias antes daquele registrado em 2016, o que significa que estamos pagando mais impostos do que nos ano passado. Essa matéria está no site da ACSP.

Ninguém sabe direito o percentual da carga tributária sobre o PIB. Entidades respeitáveis admitem que varia de 35 a 40%. Isso representa quase o dobro dos 20% apurados em 1967, quando entrou em vigor a reforma instituída pela Emenda Constitucional 18/65.

Essa coisa incompreensível, que recebe o nome de “sistema tributário”, subverteu completamente os princípios que foram implantados pelo Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25/10/66). Várias normas desse código, que tem status de Lei Complementar, são desprezadas ou ignoradas.

Uma delas é obrigação simples, que se as autoridades fazendárias cumprissem seria de grande utilidade. Vejam o que diz o seu artigo 212:

“Art. 212. Os Poderes Executivos federal, estaduais e municipais expedirão, por decreto, dentro de 90 (noventa) dias da entrada em vigor desta Lei, a consolidação, em texto único, da legislação vigente, relativa a cada um dos tributos, repetindo-se esta providência até o dia 31 de janeiro de cada ano.”

Caso típico de confusão que resulta desse descumprimento de lei, refere-se ao artigo 83 da Lei 9.430/1996, alterado pela Lei 12.382/2011. Esta norma

“Dispõe sobre o valor do salário mínimo em 2011 e a sua política de valorização de longo prazo; disciplina a representação fiscal para fins penais nos casos em que houve parcelamento do crédito tributário; altera a Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1966; e revoga a Lei nº 12.255, de 15 de junho de 2010.”

Por sua vez, a Lei 9.430, cujo artigo 83 foi por ela alterada, cuida de outro assunto:

“Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências.”

Além de ignorar a obrigação de consolidar o texto da lei alterada, foi ignorada também a Lei Complementar 95 de 26 de fevereiro de 1998 cuja ementa é bem esclarecedora:

“Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.

Essa lei diz como se deve fazer uma lei. Seu artigo 7º ordena que:

I – cada lei tratará de um único objeto;
II – a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;
III – o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei;

Ao modificar o artigo 83 da Lei 9.430, pretendeu o “legislador” que a suspensão de ação penal no crime contra ordem tributária só seja admitida se o parcelamento for requerido antes de recebida a denúncia.

Em nenhum momento os nossos fazedores de leis consultaram a Constituição ou a Lei Complementar 95. E nenhum membro do Executivo parece lembrar-se de cumprir o artigo 212 do Código Tributário Nacional.

Esse descaso do “legislador” confundiu um promotor de Justiça que, cioso de suas atribuições, peticionou no sentido de que não fosse suspensa a ação penal. O juiz atendeu ao pedido de imediato. Mas ambos não levaram em conta que os fatos atribuídos ao réu são anteriores à vigência da Lei 12.382/2011, que não pode retroagir (artigo 5º,XL da Constituição).

Ora, qual é a dificuldade que existe para a Receita Federal, a Secretaria da Fazenda dos Estados ou as de Finanças dos Municípios promover uma consolidação das leis tributárias, como manda o artigo 212 do CTN?

Todos esses órgãos dos três níveis dos poderes executivos contam com adequados instrumentos de informática, tanto materiais quanto humanos. Os servidores públicos dessas áreas são de nível universitário, muitos com relevantes títulos acadêmicos! Mãos à obra, senhores e senhoras!

Nossos senadores, deputados e vereadores serão muito beneficiados com um banco de legislação consolidado e sempre atualizado. Assim também os servidores, os contribuintes, enfim, todos os cidadãos. Se 2017 foi um ano de grandes esperas, façamos, na questão da Reforma Tributária, um ano de grandes esperanças!

Grandes trapalhadas: Sempre que surgem comentários sobre sonegação de impostos no Brasil os números são astronômicos e tudo indica que são exageros ou trapalhadas.

a) Exageros – Um painel instalado pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional em Brasília registrava, em 6 de julho de 2016, suposta sonegação até essa data (no ano passado) de R$ 276 bilhões. Neste ano divulgou-se notícia de que a dívida ativa da União é de R$ 1,3 trilhão.

Tais notícias carecem de confirmação e podem levar-nos a erros básicos de interpretação. Em 11 de agosto de 2014 publiquei a coluna As estimativas fantasiosas de arrecadação e sonegação de tributos.

Pelos dados do sindicato, se verdadeira a afirmação, nossa carga tributária representaria mais de 50% do PIB, pois já estava próxima de 40%.

Quanto ao volume da dívida ativa, parece-nos algo a ser avaliado com mais atenção. Ora, há milhares de ações de execução fiscal de tributos federais já alcançadas pela prescrição. Tributo prescrito é indevido. Nenhum servidor público ignora a extinção do tributo conforme o artigo 156 do CTN.

b) Trapalhadas – O protesto de CDAs é uma perigosa trapalhada autorizada por uma lei idiota, consagrada por juristas distraídos. Vejam a respeito as seguintes colunas:

Contribuinte deve protestar, e não ser protestado (7/1/13)
Protesto de CDA, além de inútil, é ilegal e desagradável ao contribuinte (23/11/15)
Protesto de dívida fiscal é totalmente ilegal e absolutamente imoral (14/3/16)

Para que tais trapalhadas sejam corrigidas, precisamos de legisladores que se lembrem de ler a Constituição e as leis complementares. Como os nossos representantes são o retrato dos seus representados, muitos dos quais analfabetos no sentido lato ou funcional, que tenham assessores pelo menos bacharéis.

Se nada disso funcionar, que nos socorra o mais respeitável de nossos poderes: o Judiciário. Como 2017 foi o ano das grandes esperas, que 2018 seja o ano em que, apesar do futebol e das eleições, possamos ver concretizadas as nossas grandes esperanças, especialmente a da Justiça Tributária!

Raul Haidar

Jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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