Repatriando capitais do exterior

Ives Gandra da Silva Martins

O Deputado Arnaldo Faria de Sá, pelo Projeto de Lei nº 113/2009, substitutivo do PL nº 5.228/05 do Deputado José Mentor, objetiva repatriar dinheiro de brasileiros e residentes no país, que se encontra no exterior e não está declarado em suas declarações de bens.

Os dois projetos têm como ponto em comum trazer para o país recursos que, no momento, estão propiciando o desenvolvimento de outros países. Pelos projetos, poderiam retornar ao Brasil, auxiliando a redução do crescente déficit, ano após ano, do nosso balanço de pagamentos, hoje superior a 50 bilhões de dólares anuais.

Calculam os mencionados parlamentares e o Deputado Hugo Leal, com quem mantive contato antes da redação deste artigo, que há mais de 100 bilhões de dólares não declarados, no exterior.

O substitutivo do Deputado Arnaldo Farias de Sá afasta a possibilidade de repatriamento para quem esteja envolvido em diversos crimes, desde tráfico de pessoas à improbidade administrativa, valendo, pois, se aprovado, apenas para aqueles que não tenham sido condenados ou indiciados em 15 crimes tipificados no texto.

Por outro lado, garante o sigilo do art. 198 do CTN para os que quiserem trazer recursos não declarados para o país, afastando o receio de serem responsabilizados pelos meios de comunicação ou perseguidos por autoridades ou membros da sociedade.

Tais pessoas físicas ou jurídicas pagariam Imposto sobre a Renda e Contribuição Social sobre o Lucro, as jurídicas. Deveriam, por outro lado, aplicar o resultado líquido de seus reingressos em títulos da dívida pública por 2 anos. Os recursos da Contribuição Social sobre o Lucro seriam destinados ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (art. 79 do ADCT).

Li os dois projetos (o original e o substitutivo) entendendo que a medida, se adotada, – já foi adotada outras vezes, na história do Brasil e em outros países -, no presente momento, seria de grande utilidade para a nação.

Todos temos conhecimento das dificuldades crescentes que o Governo Federal vem encontrando para financiar suas contas correntes, com redução cada vez maior do saldo de sua balança comercial e déficit que se avoluma, assustadoramente, no balanço de pagamentos.

As próprias reservas, que vinham sendo acumuladas desde o governo Fernando Henrique, começam a ser usadas para financiamento deste saldo negativo, visto que a entrada de capitais de risco decresce e as destinadas às aplicações financeiras e no mercado de capitais são sempre vulneráveis por sua volatilidade e, com juros baixos, são menos atrativas.

Todos sabem, por outro lado, que grande parte dos recursos levados para o exterior não são fruto de sonegação, mas recursos dos que pretenderam preservar-se, ao tempo que o presidente Lula, em sua primeira campanha (1º semestre de 2002) atacava, com particular virulência, o sistema financeiro internacional e os investidores, no que denominava de "ciranda financeira". Esse discurso levou muitos brasileiros a enviarem para o exterior recursos tributados regularmente, sem, entretanto, declararem a remessa, buscando um porto seguro para eventual vitória daquele candidato.

O bom senso de Lula levou-o a perceber que a campanha empreendida no 1º semestre era uma insensatez, pois o dólar chegou a 4 reais, tendo o presidente Fernando Henrique sido obrigado a conseguir um empréstimo ponte, de 30 bilhões de dólares, junto ao FMI, em face de seu inequívoco prestígio pessoal junto àquela Instituição, para ser utilizado se fosse necessário. Por outro lado, o presidente Fernando Henrique convenceu os 4 candidatos de que, se ataques como aqueles continuassem, quem viesse a ganhar as eleições iria assumir um país desestruturado. Lula mudou seu discurso, tendo, como primeira medida, após eleito, convidado o experiente Henrique Meirelles para comandar o Banco Central e acabando de vez com as desconfianças do mercado. Grande parte deste dinheiro que saiu, à época, não declarado, para que as autoridades brasileiras não pudessem exigir o seu repatriamento, se agora voltasse, seria de grande utilidade, num momento em que o País – por variados motivos, que não vale a pena comentar neste artigo – vê-se às voltas com "déficit" crescente, em seu balanço de pagamentos.

O pagamento do Imposto sobre a Renda e, no caso de pessoas jurídicas, também da Contribuição Social sobre o Lucro, geraria recursos para o governo federal, visto que, para fechar suas contas, com um "superávit" primário inferior ao programado, as autoridades exageram na manipulação contábil, o que é criticado por especialistas e autoridades nacionais e internacionais.

Realço que as ressalvas postas, objetivando não beneficiar aqueles que praticaram uma gama variada de crimes contra a pessoa, patrimônio público e privado, é o escudo necessário para não beneficiar criminosos ou "lavadores" de dinheiro.

Pessoalmente, já defendi, no passado, legitimidade dessa medida, entendendo que a remessa de "recursos", mesmo contra instruções do Banco Central, é constitucional pois o inciso XV do art. 5º da CF declara que qualquer pessoa pode levar para o exterior seus recursos, nos termos da lei em sentido formal, que não pode impedir – SE CRIME NÃO HOUVER – QUE O FAÇA, POIS NÃO PODE CRIAR RESTRIÇÕES QUE A CONSTITUIÇÃO NÃO CRIOU (Evasão de Divisas e a Legislação, Gazeta Mercantil, 31/08/2005).

Está o inciso XV, art. 5º da lei suprema – cláusula pétrea, ou seja, modificável do texto supremo – assim redigido:

"XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; (…)" (grifos meus).

Pelas razões acima entendo ser do interesse nacional e da Federação a aprovação do substituto do deputado Arnaldo Farias de Sá.

Ives Gandra da Silva Martins

Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME, Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal-1ª Região. Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia). Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal).

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