Regime cumulativo do PIS/Cofins impede tributação da Selic recebida no indébito

Aurélio Longo Guerzoni

A 1ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) firmou a tese de que o PIS e a Cofins, apurados pela sistemática cumulativa e não cumulativa, incidem sobre os juros Selic recebidos na repetição de indébito tributário e na devolução de depósitos judiciais e nos pagamentos decorrentes de obrigações contratuais em atraso (Tema Repetitivo 1.237; acórdão publicado em 25/6/2024).

Reprodução
Em nossa visão, a formação do precedente acima contém fragilidades que impedem a prevalência da conclusão de que, no regime cumulativo de apuração do PIS e da Cofins, deve haver a tributação dos juros recebidos no contexto de indébito tributário e de levantamento de depósitos judiciais.

Houve deficiência procedimental na formação do precedente vinculante, o que repercutiu na insatisfatória fundamentação da compreensão de que os juros deveriam ser tributados no contexto do regime cumulativo de apuração. Isso demanda do STJ ajustes na tese repetitiva firmada.

Tema Repetitivo nº 1.237
A leitura do voto condutor do acórdão atesta que o entendimento do STJ decorre essencialmente da compreensão de que os juros representam receita bruta operacional, o que justificaria sua tributação, nos moldes das seguintes regras: artigo 17, do Decreto-Lei nº 1.598/77 [1]; artigo 9º, da Lei nº 9.718/98 [2]; e artigo 44, III, da Lei nº 4.506/64 [3]. Confira-se:

“Aqui, de observar que se o conceito de faturamento equivale à Receita Bruta Operacional, então temos que não só os juros e correção monetária auferidos nos pagamentos efetuados por clientes em atraso são tributáveis pelas contribuições ao PIS/Pasep e Cofins cumulativas, mas também os juros SelicC incidentes na devolução dos depósitos judiciais e aqueles auferidos nas repetições de indébito tributário já que, como visto no item “2”, todos integram, por força de lei, a Receita Bruta Operacional, somente podendo dela sair mediante a declaração de inconstitucionalidade das leis incidentes (art. 17, do Decreto-Lei n. 1.598/77; art. 9º, da Lei n. 9.718/98 e art. 44, III, da Lei n. 4.506/64).”

Essa mesma lógica consta da Cosit 183/2021, que sustentou a incidência do PIS e da Cofins não cumulativos sobre os juros do indébito tributário.

Com o devido respeito, a legislação que ampara o entendimento do STJ é inaplicável.

De acordo com o artigo 3º da Lei nº 9.718/98, a base de cálculo do PIS e da Cofins cumulativos consta do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77, que, em seus incisos, estabelece a incidência sobre:

1) o produto da venda de bens nas operações de conta própria;
2) o preço da prestação de serviços em geral;
3) o resultado auferido nas operações de conta alheia;
4) as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica.
Todas as situações que não refletirem as quatro hipóteses acima não devem ser tributadas.

Ao contrário do que apontou o STJ, a base de cálculo do PIS e da Cofins não deve ser interpretada a partir do artigo 17 do Decreto-Lei nº 1.598/77. Essa regra trata da inclusão dos juros no lucro operacional (e não na receita operacional) e possui viés essencialmente direcionado à apuração do Imposto sobre o IRPJ e a CSLL, tributos alheios ao Tema nº 1.237.

A base de cálculo do PIS e da Cofins também não deve ser interpretada a partir do artigo 9º da Lei nº 9.718/98, segundo o qual as variações monetárias dos direitos de crédito serão consideradas receitas financeiras.

Mesmo que se considere como receitas financeiras os juros do indébito e dos depósitos judiciais, isso não justifica a tributação do PIS e da Cofins, cujas hipóteses constam do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77. Essa regra restringe a incidência sobre as situações acima transcritas (‘1’ a ‘4’), que não englobam os juros recebidos no contexto do indébito e dos depósitos judiciais.

Spacca
A base de cálculo do PIS e da Cofins também não deve ser interpretada a partir do artigo 44, III, da Lei nº 4.506/64, segundo o qual as “recuperações ou devoluções de custos” integram a receita bruta operacional. Em suma, além da base do PIS e da Cofins constar do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77, a regra apresentada pelo STJ versa sobre o IRPJ e a CSLL, e não sobre PIS e Cofins.

Análise deficiente da essência da controvérsia
Por isso, o entendimento do STJ deixou de enfrentar a essência da controvérsia, que reside na investigação da possibilidade ou não de catalogar os juros (indébito tributário ou depósito judicial) nas hipóteses do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77.

No único momento em que o voto-condutor do STJ mencionou o artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77, houve insatisfatório enfrentamento da controvérsia e desvirtuação da regra legal.

Para o STJ, o artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77 teria refletido “o entendimento do STF de que a base de cálculo das contribuições cumulativas é a Receita Bruta Operacional” e feito “constar dentro do conceito de faturamento toda a Receita Bruta Operacional, ou seja, todas as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa Jurídica”.

O entendimento acima é impreciso porque o artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77 autoriza a tributação das “receitas da atividade ou objeto principal”, e não de “todas as receitas”, tal como pontuou o STJ. Os juros atrelados à repetição do indébito e à devolução de depósitos não representam “receitas da atividade ou objeto principal” (previsão legal), embora possam representar “todas as receitas” (perspectiva do STJ).

Desvirtuação do entendimento do STF
Além disso, ao contrário do que afirmou o STJ, o entendimento do STF de que o PIS e a Cofins alcançam a receita bruta operacional não justifica a tributação dos juros aqui tratados.

O entendimento do STF a que o STJ fez alusão (Tema 372 e Edcl no AgRg no RE nº 400.479/RJ) trata da apuração cumulativa do PIS e da Cofins exclusivamente sobre os períodos anteriores a janeiro de 2015, data em que entrou em vigor a Lei nº 12.973/14, que alterou a base de cálculo do PIS e da Cofins. Ou seja, o entendimento do STF não abrange as relações jurídicas consolidadas após janeiro de 2015, sendo, por isso, insuficiente para solucionar a controvérsia.

Mesmo que assim não fosse, o entendimento do STF corrobora a impossibilidade de tributar os juros recebidos no contexto da repetição de indébito e da devolução de depósitos.

Afinal, o STF entende que “escapam à incidência do tributo, as chamadas receitas não operacionais em geral, as receitas financeiras atípicas e Outras do mesmo gênero, desde que, escusa dizê-lo, não constituam elemento principal da atividade” (trecho do voto do ministro Cezar Peluso nos Edcl no AgRg no RE n. 400.479/RJ, relator ministro Cezar Peluso, Rel. p/acórdão ministro Dias Toffoli, julgado em 13.06.2023).

Ou seja, as diretrizes do STF impossibilitam a tributação dos juros recebidos no contexto da repetição do indébito e do levantamento de depósitos judiciais, pois não estão vinculados ao “elemento principal da atividade [empresarial]”, conforme já expusemos aqui na ConJur. [4]

Quando muito, haveria espaço legal (e não constitucional) para tributar os juros auferidos nos pagamentos realizados por clientes em atraso, no contexto da atividade principal da pessoa jurídica. Conforme pontuou o STJ ao julgar o Tema 1.237, esses juros “são realizados no interesse da atividade principal das empresas, isto é, decorrem das atividades operacionais das empresas”. Essa seria “a típica situação dos juros auferidos nos pagamentos efetuados por clientes em atraso”.

Porém, essa perspectiva não alcança os juros recebidos no contexto da repetição de indébito e levantamento de depósitos judiciais, diante da ausência de vinculação à atividade empresarial.

Até mesmo a Receita Federal reconhece que o PIS e a Cofins cumulativos alcançam apenas as receitas financeiras vinculadas à atividade negocial/empresarial. A esse respeito, para a Solução de Consulta Cosit nº 30/2019, “o fator relevante para determinar se há a incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins no regime de apuração cumulativa sobre determinada receita (inclusive receita financeira) é a existência de vinculação dessa receita à atividade negocial/empresarial desenvolvida pela pessoa jurídica nos termos de seus atos constitutivos ou de sua prática econômica”.

Desvirtuação do regime de precedentes
A ausência de enfrentamento de questões essenciais ao desfecho da controvérsia decorreu da desvirtuação do procedimento que rege a formação de precedentes obrigatórios.

Pela clareza da legislação e do entendimento da Receita, empresas submetidas ao regime cumulativo de apuração sequer instauraram litígios sobre o assunto. Apesar disso, foram surpreendidas e severamente impactadas pelo Tema Repetitivo 1.237, o que representa desvirtuação do regime de precedentes, além de ofender a ampla defesa, a segurança jurídica e a publicidade.

Os recursos especiais [5] afetados como repetitivos no Tema 1.237 envolvem contribuintes que apuram o PIS e a Cofins pela sistemática não cumulativa.

O acórdão que afetou a controvérsia à sistemática dos recursos repetitivos apontou textualmente que a questão versava sobre a sistemática não cumulativa: “o que aqui se pretende averiguar é se as contribuições ao PIS/Pasep e Cofins não cumulativas incidem sobre os valores de juros em suas variadas apresentações, considerando a natureza jurídico-tributária-contábil dessas verbas e a base de cálculo de tais contribuições”.

Pela perspectiva legal, a sistemática não cumulativa envolve ampla base de cálculo. As Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 (regime não cumulativo) projetaram a incidência do PIS e da Cofins sobre “o total das receitas”, o que “compreende a receita bruta de que trata o artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os seus respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do artigo 183 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976″ (artigo 3º, § 1º).

Ou seja, enquanto a apuração não cumulativa envolve a tributação de todas as receitas, a apuração cumulativa tributa apenas as receitas da atividade ou objeto principal do contribuinte.

Além disso, os recursos especiais afetados como repetitivos representam essencialmente processos instaurados para buscar aplicar, para o PIS e a Cofins, a conclusão firmada pelo STF no Tema 962 da repercussão geral, que impediu a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os juros apurados na repetição do indébito tributário.

Logo, toda a discussão desenvolvida nos processos que ensejaram o Tema Repetitivo 1.237 não trataram das essenciais peculiaridades que envolvem a apuração cumulativa do PIS e da Cofins.

O contexto acima demanda do STJ ajustes na tese repetitiva firmada, com a consignação expressa de que os contribuintes sujeitos ao regime cumulativo de apuração do PIS e da Cofins não estão abrangidos pelo precedente vinculante do Tema Repetitivo nº 1.237.

[1] “Art 17 – Os juros, o desconto, a correção monetária prefixada, o lucro na operação de reporte e o prêmio de resgate de títulos ou debêntures, ganhos pelo contribuinte, serão incluídos no lucro operacional e, quando derivados de operações ou títulos com vencimento posterior ao encerramento do exercício social, poderão ser rateados pelos períodos a que competirem.”

[2] “Art. 9° As variações monetárias dos direitos de crédito e das obrigações do contribuinte, em função da taxa de câmbio ou de índices ou coeficientes aplicáveis por disposição legal ou contratual serão consideradas, para efeitos da legislação do imposto de renda, da contribuição social sobre o lucro líquido, da contribuição PIS/PASEP e da COFINS, como receitas ou despesas financeiras, conforme o caso.”

[3] “Art. 44. Integram a receita bruta operacional: […] III – As recuperações ou devoluções de custos, deduções ou provisões;”

[4] https://www.conjur.com.br/2023-ago-27/guerzonie-filho-condicao-incidencia-pis-cofins/

[5] REsp. n. 2.065.817/RJ; REsp. n. 2.075.276/RS; REsp. n. 2.068.697/RS; REsp. n. 2.116.065/SC e REsp. n. 2.109.512/PR.

Aurélio Longo Guerzoni

sócio do Guerzoni Advogados e Mestre em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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